quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Quais são as Bases dos Saberes?

Só para constar, este texto tem uma predominância de minha interpretação sobre a filosofia, a religião e a psicologia dividida em várias abordagens. Minha interpretação sobre os saberes é uma cosmovisão* que flutua entre dualista e espiritualista, pois admite a existência tanto da mente como da realidade sensorial ("material"/ corpórea), além da possibilidade de uma realidade espiritual, diferindo da visão de mundo* materialista ainda predominante ciência "main stream" ou tradicional... 

*(Sinônimo de weltanschauung, similar aos conceitos de paradigma e de pressuposto filosófico)

Receptividade - Sentimento ou Esforço

Sentimentos apenas surgem? Não. Eles podem surgir de maneira inata, mas também podem ser induzidos. Induzidos por nós mesmos ou por outros. Sendo assim, todo relacionamento, em algum nível, requer que os indivíduos sejam receptivos ou se disponham. 

Algumas pessoas podem ser receptivas de modo mais inato, outras podem ser menos sentimentais, mas podem se dispor através de uma decisão mais racional. Obviamente deve haver esta disposição ou receptividade de ambos os lados das relações, embora pareça uma utopia que ela ocorra exatamente em níveis iguais por parte de todas as pessoas em um determinado relacionamento. Independentemente de quão difícil é essa equidade de disposição ou de sentimento, ela pode surgir ou ser induzida não só nos relacionamentos como também na fé, na religiosidade etc. Mas a receptividade é algo interno, mais nitidamente inato. A disposição, por sua vez, pode ser induzida de ambas formas: Internamente pela própria pessoa e externamente por outras pessoas, sejam amigos, familiares ou líderes de um grupo religioso... Esta disposição a ouvir, entender, conviver etc, tem no mínimo alguns traços de humildade. Isto explica porque ambas atitudes/ comportamentos parecem raros hoje em dia. Com o propagar de clubismos, discursos de meritocracia e narcisismos, poucos se dispõem a entender o diferente e o estranho. Tais ideologias e discursos usam bastante a indução ao orgulho, "inflando egos" (egoísmos), suprimindo receptividade e humildade, sentimentos e atitudes essenciais em qualquer área do saber. Este movimento manipula grupos e portanto, incitam rixas e rivalidades, além de direcionar desejos de punição. 

A Religião deixou de cuidar dos Sentimentos?

As igrejas cristãs (tanto as católicas como as protestantes/ evangélicas) que entravam em crise durante o iluminismo do século 19, tentaram se adaptar ao mundo produtivo e competitivo. Esta crise foi observada pelo psiquiatra e psicoterapeuta suíço, Carl Gustav Jung: Na virada do século 19 para o 20, Jung percebeu uma "evasão" das igrejas cristãs pelas classes mais abastadas da Europa. Com um olhar aparentemente voltado para a sociologia, Jung apontou que tal tipo de comportamento que começa em "elites" das sociedades humanas, tende a se espalhar para as classes mais baixas depois de algumas décadas, em geral, em torno de 20 anos depois. Independente se faltou precisão ou não nos apontamentos de Jung, o fato é que no século 20, a igreja católica que apostou no conservadorismo, ignorando grande parte das mudanças socioeconômicas, foi perdendo muitos fiéis. 

As igrejas evangélicas por sua vez, por volta da década de 80 do século 20, começaram a apostar em programas televisivos sensacionalistas. Nestes programas eles exploravam as necessidades das classes mais empobrecidas, prometendo não só uma "felicidade no pós vida", como também prometendo milagres para resolver problemas em vida dos fiéis e recém convertidos: econômicos, de saúde e de relacionamento. O sucesso de pastores estadunidenses atraiu os brasileiros que imitaram a fórmula. O resultado foi uma nova e restrita classe "religiosa" multimilionária super adaptada ao sistema socioeconômico capitalista. Esta religião materialista reforçou a plutocracia nos frágeis e falhos sistemas "democráticos" da América, e logo tentou se expandir para outros continentes, obtendo alguns êxitos. De um modo geral, assim foi destruído o "mundo espiritual" na Terra. O sistema capitalista que frequentemente engolia os sistemas políticos, defeituosamente democráticos (principalmente os ocidentais), também engoliu o poder religioso. Criou-se um consenso que todo religioso pode crer em Deus, com tanto que obedeça as regras da plutocracia válidas praticamente em todos os países do mundo. Poucos são os religiosos que conseguem enfrentar o sistema regido pelos mais multimilionários do mundo (neste texto não vou explicar como nem quais políticos ocidentais comem na mão desses multimilionários). 

Em um mundo extremamente materialista, obviamente a ganância reina e a verdadeira fé fica oprimida sob interesses econômicos. Note que não é só esta fé que fica sob pressão do materialismo/ consumismo/ capitalismo: Os sentimentos também ficam, mesmo porque a fé está muito mais para um sentimento do que para um pensamento. E não estou falando desta fé de camisetas e propagandas boçais. Fé em clube (seja de futebol, de tribo social ou de qualquer questão material) é torcida. Torcida exagerada é fanatismo. A verdadeira fé não é fanatismo, independente de quantos fanáticos existam nas "religiões" pelo mundo. A fé a que me refiro tem muito da receptividade ou da disposição. Não é bradar furiosamente nem se encher de excitação por qualquer idiotice da civilização (Idiotice é aquilo que atrapalha o convívio, portanto fanatismo é isso). Esta fé verdadeira está relacionada à disposição em crer, ou ter esperança, seja no futuro ou em Deus. 

Ah, mas ter esperança em qualquer uma dessas coisas não é idiotice? Não, afinal a pessoa que não tem esperança em coisa alguma está deprimida, portanto está sem poder algum, está indisposta para praticamente tudo. Propagar a falta de esperança é propagar desespero, é querer que mais pessoas também fiquem paralisadas ou inertes diante qualquer tipo de problema: Social, econômico etc. 

Oras, se você acha que Deus (que ama toda sua criação, não um deus punitivista) não faz sentido, você ainda pode crer no futuro... Se você acha que nem o futuro nem Deus faz sentido... Então você desistiu de tudo. E eu não recomendo o suicídio, porque sei que os milhões de dados que compõem todas informações sobre todos os pensamentos, sentimentos, memórias e interpretações que você fez ou teve em cada segundo da tua vida, não vão deixar de existir repentinamente. Não existir não existe e deixar de existir é algo improvável. Nem na religião nem na ciência e nem na filosofia. Não é possível provar "o deixar de existir" embora alguns imbecis* auto intitulados cientistas tentaram isso. Alguns exemplos que conheço são da psicologia, onde alguns comportamentalistas atacaram teorias da frente psicanalítica, como o inconsciente. Não há nada de errado em apontar inconsistências em teorias, mas negar tais teorias por rixa ou por comodismo não é produtivo.

*"Imbecis" não como sinônimo de tolo ou ridículo, mas que não têm poder, neste caso porque recusam a possibilidade da mente como algo superior ao corpo, que tem plena possibilidade de poder sobre o corpo; Os que recusam esse poder psíquico sobre o corpo (força de vontade, decisão, interpretação etc) geralmente também recusam a teoria de que memórias ficam inacessíveis por determinados períodos ou situações etc.

Apesar dos Estragos, há Progresso

Alguns poderiam dizer: "Ora, mas a humanidade não tem jeito, ela não aprende e sempre haverá injustiça, ganância e guerras". Eu concordo que ela demora muito para aprender, mas aprende. Bem devagarzinho. Vejamos os esportes por exemplo: Quando as olimpíadas foram inventadas na Grécia antiga, a cidade que perdia determinada competição declarava guerra à cidade vitoriosa. Não era um mero rancor de alguns ignorantes: Era algo instituído pelos governos e aceitos por uma parcela significante da população! E matavam por tais causas. E não matavam algumas dezenas, afinal era guerra: Procurava-se exterminar todo exército inimigo e quem sabe, talvez parte da população também. Hoje (quase 2800 anos depois) temos as infames e horríveis brigas de torcida de futebol, mas que não chegam nem aos pés daquelas atrocidades do primeiro milênio aC. 

 Enfim, existem inúmeras outras amostras de progresso na humanidade. Umas fingem ser progresso, como a invenção de armamentos mais "modernos", enquanto outras realmente são, como as variadas conquistas da sociedade: O saneamento e saúde pública, a liberdade de expressão (não a de discursos de ódio), o acesso ao ensino etc. 

Voltando ao sentimento e o acreditar: Tais coisas parecem aceitas neste século 21, mas só se forem submetidas às regras impostas pelos ambientes econômicos dominantes (empresas) e aos ambientes "religiosos" também plutocráticos (governados pelos mais ricos). Próximo destes ambientes tóxicos está a academia (faculdades) e a ciência, pois estudos sobre a importância dos sentimentos são raros, e frequentemente, também são desprezados por muitos nestes ambientes. Como vim observando, tal dificuldade tem como algumas das principais causas, a falta de clareza sobre o que é ciência e o sectarismo (segmentação ou clubismo) entre as áreas do saber. É preciso uma aproximação entre os campos do saber, mas não uma mera mescla inconsequente e retrógrada: É preciso delinear clareando o que é cada campo. É preciso esclarecer quais são as diferenças entre os campos, quais são os métodos de aquisição de conhecimento e quais são as aplicações. E obviamente não basta ser racional, muito menos parecer convincente, é preciso fazer isso deixando pressupostos de lado, com humildade, respeito e cooperação. Até mesmo os meios religiosos, espirituais e místicos devem esclarecimentos. Alguns exemplos são: sobre a moral, sobre a vida e as possibilidades do pós-vida, sobre a existência do livre arbítrio e sobre o que são comportamentos de fascinação e de obsessão. 

Soluções pela Amizade com o Saber 

Embora eu expresse minha opinião de maneira aparentemente ofensiva, na verdade eu só faço isso buscando expansão de conhecimento e de empatia. Ao alegar que sei que a mente existe além do cérebro, eu não só tento indicar um caminho de esperança, como também sei que houveram registros de tais evidências na medicina, como nos casos de EQM (embora isso deva gerar longas discussões). Além disso, sou crítico daqueles que atacam o que não conhecem, que atacam o que não entendem e que atacam o que não tem certeza. Em "meio curso" de psicologia (5 semestres) eu já vi ao menos 6 supostos psicólogos mostrarem tais preconceitos (3 no curso, 3 em textos de autores estadunidenses)...

Expressar mera opinião como se fosse a verdade é perder o amor pela verdade. Isto mostra inércia e conformismo. Uma pessoa conformada com sua mera opinião, se acomoda com coisas equivalentes aos brinquedos, deixando a vasta possibilidade de progresso mental em segundo plano. Quando este comportamento prevalece nas esferas de poder de qualquer civilização, ele tira o rumo da sociedade criando uma cultura de alienação. (como vemos no capitalismo e seus discursos reforçadores de consumismo, produtividade e competitividade) 

Como mencionado anteriormente (ou em outros textos meus), o aprendizado vem por tirar preconceitos e opiniões vaidosas. Isto prova que, ao menos, algumas respostas já existem dentro da mente das pessoas (como indivíduos). Tais respostas estão ligadas à postura humilde e/ou receptiva. 

Numa sociedade onde não se busca o Bem ou a união, não há ética. Não há união, há apenas interesses particulares dominando a sociedade. No máximo há fachadas escondendo corruptores e corrompidos, afinal o que acontece com o ser humano como indivíduo, também acontece com a sociedade, que é o agrupamento desses seres humanos. O verdadeiro saber de qualquer sociedade, cedo ou tarde, deve necessitar da dialética como duas (ou mais) inteligências buscando a verdade, sem interesse em projetar suas personalidades. Diálogos mal conduzidos fazem as pessoas não quererem o conhecimento. Já os bons diálogos despertam o interesse pelo conhecimento. Neste processo, pressuposto e autoridade não são argumentos válidos, pois tal postura permite ir muito além do senso comum, mas exige maturidade. Invoca união em busca do conhecimento, para além do senso comum. 

 Os filósofos socráticos já falavam da relação entre ciência e justiça no século 4 a.C.: 

"...as artes governam e dominam o objeto sobre o qual se exercem." 

"Portanto nenhuma ciência procura nem prescreve a vantagem do mais forte, mas a do mais fraco, que lhe é sujeito." 

"... é evidente que nenhuma arte e nenhum comando provê ao seu próprio benefício, mas assegura e objetiva o do governo, objetivando o interesse do mais fraco e não o do mais forte." 

Todas pesquisas e suas respectivas aplicações visam o bem de seu objeto: A medicina visa o bem do corpo do paciente, a engenharia visa o bem do constructo e de seu usuário, a psicologia visa o bem da mente do cliente/ paciente etc.  

Conclusão

Então todos os saberes deveriam buscar o bem, isto é óbvio, como eu devo ter citado em outros textos meus. (o bem de seus alvos e da coletividade, por exemplo)

Mas quais são as diferenças entre ciência, filosofia e religião?

Muitos argumentam que é o método... E muitos que usam este argumento reduzem a ciência ao empirismo (também citei isso diversas vezes noutros textos).

Apesar de pouca clareza e pouco consenso, eu consegui chegar a seguinte conclusão, me baseando principalmente em argumentos do filósofo e educador brasileiro Mário Sérgio Cortella e um pouco no psiquiatra húngaro Thomas Szasz:  

"A religião crê para ver. A ciência vê para crer";

A filosofia faz o meio campo entre ciência e religião/ espiritualidade;

A filosofia escapa da religião pois é um saber racionalizado;

A filosofia é a origem da ciência e fica com o que a ciência não explica; 

O saber racionalizado especializado torna-se ciência;

A ciência é objetiva e coletiva, pois há contato com outros pensadores; 

É comum a ciência usar pressupostos, daí a força do método empírico;

Na saúde, a objetividade científica serve para tratar doenças, não comportamentos;

Não há neutralidade nas áreas do saber.


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