quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Teorizando a Importância do Progresso Mental

 

"Vício pela Carne" - Sexismo ou Materialismo? 

Quando falamos em carne podemos pensar nas carnes de animais criados para o abate, o mercado alimentício e o consumo. Porém também utiliza-se o termo "prazeres da carne" como algo relacionado ao ato sexual. Particularmente ao coito e ao prazer físico que tal ato proporciona. Obviamente é possível ter tal prazer juntamente com o prazer psíquico ou mental: O prazer de estar junto a uma pessoa que se ama. 

Mas o ato sexual como busca para satisfazer os desejos particulares deve existir desde tempos imemoráveis. O problema é quando isto se torna um discurso de incentivo. Torna-se um problema por se caracterizar como um discurso sexista que põe o prazer próprio e o padrão de beleza do corpo como assuntos mais importantes do que o convívio em sociedade, do que o desenvolvimento da empatia e do intelecto. Este tipo de assunto é o que corre pela "boca do povo" e raramente é registrado ou estudado. Tal discurso pró-sexo deve ter ressurgido ou ganhado força nas sociedades ocidentais como um argumento contemporâneo, mas dissonante, dos movimentos feministas, antirracistas e pró paz e amor dos anos 60 do século 20. Neste mesmo período emergia o conceito de amor livre que facilmente foi apropriado por sexistas. Por exemplo, a palavra amor passa a ser propagada como sinônimo de sexo em diversos gêneros musicais. Todos têm (ou deveriam ter) direito ao prazer, mas há uma grande malícia nos argumentos sexistas que serviram bem ao gênero dominante na maioria das sociedades. Serviu bem aos homens em posição de poder (seja econômico, político ou até religioso) que se interessavam em manter o patriarcado e propagar uma falsa naturalidade do domínio do homem na Terra. Um discurso relativamente fácil de se propagar tendo em vista que o período de maior dominância da mulher nas sociedades humanas perdeu grande parte de sua força num passado muito distante: Na história pré-escrita. Na história da arte é possível ver a predominância do feminino em esculturas e artes do oriente médio até a "Grécia" minóica. Dominância esta que deve ter sido suprimida gradativamente por lideranças masculinas com a propagação das atividades agrícolas e da metalurgia (Idades do cobre e do bronze). 

O discurso sexista e pró "carnalidade" então relaciona-se com os poderes dominantes no ocidente: O poder econômico na forma do sistema neoliberal/ capitalista e as igrejas. Trata-se de um discurso não só materialista, mas também um discurso de poder. Quem faz mais sexo é "mais homem", quem deve dominar a família e a sociedade é o homem e esse tipo de desigualdade e opressão. É um discurso de esfriamento emocional, que combina com um monte de idiotices (de idiota: que não sabe viver em sociedade) como "homem não chora", "homem tem que ter carro", "mulher não sabe dirigir" e tantas outras excrescências. O discurso sexista é fortemente utilizado de modo popularizado pelo patriarcado machista no mínimo desde o início da pós modernidade nos "anos 1960". Tal discurso apropriado pelo patriarcado, facilmente se afasta do conceito de amor livre e reforça o conservadorismo: Diz que o homem pode trair a mulher e frequentar prostíbulos porque é o (suposto) provedor da família (conservadora), mas diz que a mulher tem que ser fiel ao traidor. Enfim, o discurso sexista até consegue se disfarçar de libertário quando aberto ao público em geral, posando como sensualidade e sexualidade ativa supostamente saudável, mas retorna ao machismo patriarcal retrógrado quando discutido apenas entre homens por exemplo. Isto ocorre porque o ato sexual pode ser feito com emoções (como mencionado anteriormente), mas é essencialmente corporal. Por esta razão, é muito fácil reduzi-lo apenas ao prazer físico, ignorando ou até mesmo menosprezando os sentimentos/ emoções positivas, que são elementos tão importantes nos relacionamentos. 

Sexismo é um discurso fácil de se propagar porque é materialista: O ato sexual não é algo interno de cada pessoa (subjetividade) como os sentimentos e os pensamentos, ele requer uma relação entre corpos. É notório que discursos materialistas são fáceis de se propagar e de serem aceitos porque lidam com a objetividade, priorizando a realidade externa ante a interna de cada pessoa. O consumismo por exemplo abrange diversas áreas de trabalho e de estudo e se apoia na criação artificial de "necessidades". Tais necessidades artificiais surgem em vários setores do comércio/ mercado: Alimentos, roupas, eletroeletrônicos e até veículos de transporte. Em todos os casos, o discurso consumista não visa prioritariamente o bem-estar das pessoas, ele visa o lucro constante e crescente de uma minoria de donos das maiores empresas do mundo. 

 Materialismo gera Progresso Real? 

Em outro texto (https://nea-ekklesia.blogspot.com/2021/08/as-farsas-contra-empatia-e-o-bem-estar.html) eu descrevi um resumo da história do capitalismo. Ele é um sistema, ou uma estrutura por trás de sistemas e não uma força da natureza (muito menos uma força divina). O materialismo na academia se refere a uma pressuposto filosófico da ciência, o que pouco ou nada difere de um paradigma das áreas do conhecimento. Mais precisamente ele é uma "visão de mundo" (weltanschauung) que serve de base para o empirismo. Assim, o materialismo é o argumento/ ponto de partida dos métodos de estudo que descartam tudo que não pode ser detectado pelos 5 sentidos humanos (já explicado em outros textos). 

Aqui, utilizo este termo como uma ideologia ou conjunto de doutrinas que giram em torno da "matéria" perceptível pelos 5 sentidos humanos. Portanto é nítido que o capitalismo e todos sistemas sociais e/ou econômicos que utilizam dinheiro, são materialistas. Note que diferentemente de todos os produtos "físicos", os estudos, as artes e a ciência são os mais difíceis de se precificar. Isto ocorre porque tal movimento é contra a ordem natural das coisas. Explico: O ser humano é livre (ao menos relativamente) para pensar e para sentir desde que surgiu na Terra. As unidades monetárias deveriam medir tais valores? Obviamente não. As epidemias de depressão e ansiedade que vêm crescendo após a industrialização e a digitalização do mundo do trabalho e do comércio estão aí para provar isto. O ser humano não é uma máquina e portanto não é só o corpo. Ele têm necessidade de relacionar-se com outros desenvolvendo seus pensamentos e sentimentos e a liberdade destas atividades mentais sim, é natural. Limitar ou manipular tal liberdade psíquica é extremamente nocivo como pode-se notar com tais epidemias. 

Portanto o que gera o progresso na humanidade não é o materialismo nem é o dinheiro. O dinheiro foi inventado há muito tempo, mas foi reinventado após crises socioeconômicas. Longe de ser uma ciência exata e mais longe ainda de uma verdade absoluta, o dinheiro chegou a deixar de existir no colapso da era do bronze e teve seu lastro modificado nas crises da modernidade e da pós-modernidade, certamente devido a interesses econômicos das classes mais enriquecidas e não devido a busca de um progresso social, ético ou moral. A garantia de um valor real para as moedas (lastro) foi modificada várias vezes durante a história, sendo alguns exemplos sua aplicação na Inglaterra em 1783, a crise da moeda de prata e das cédulas (1750-1870), o estabelecimento do dólar-ouro em 1944 e a quebra do lastro do dólar com o ouro em 1971.

O progresso surge da intenção de construir e de transformar. Ele requer dos seres humanos a boa intenção, a extensibilidade (hoje popularizada como "empatia"), a liberdade e a busca pelo entendimento. Oras, se todos tivessem livre acesso aos estudos, as ideias se multiplicariam. Os estudos seriam muito maior em número e com mais gente estudando toda produção intelectual crescente (seja científica, artística etc), a qualidade dos estudos poderia melhorar com mais facilidade. Com a liberdade de escolha, aqueles que não gostam de estudar, arrumariam outra ocupação, não produzindo coisas forçosamente nem de qualidade dúbia. Nada disto que descrevo refere-se a permitir discursos de ódio, pelo contrário: O progresso, seja intelectual ou sentimental, se dá através de atividades que constroem e não daquelas que destroem. Se dá através de inovações e transformações que são coisas diferentes de destruir. 

Acesso à Ciência, à Filosofia e à Fé não-institucionalizada 

Quantas pessoas conseguem ingressar no meio acadêmico/ científico? 

Quantas têm acesso à filosofia? 

Quantos fiéis se aproximam dos ensinamentos dos grandes profetas? 

A resposta para todas essas perguntas é: Pouquíssimas pessoas. A minoria da humanidade. 

Mas porque o acesso a estes campos do saber é tão difícil? 

 Isto parece um problema recorrente na civilização humana. O acesso torna-se difícil por variados motivos: desconfiança, conflito de interesses etc. 

Entende-se que o mais antigos destes campos é o religioso. Isto porque é o campo que lida com o desconhecido de maneira mais intuitiva e através do sentir. Práticas xamânicas datam a idade da pedra, antecedendo as religiões mais formais de povos sedentários/ urbanos. 

Se conhecimento é poder, tal fato não era diferente nas antigas civilizações. Com o desenvolvimento da agricultura no final da idade da pedra, houve tempo o suficiente para alguns grupos de seres humanos monopolizarem os conhecimentos. Nesta transição que durou alguns séculos (talvez até 2 milênios, entre 5500 aC e 3500 aC), deve ter sido dificultado o acesso ao conhecimento. A liderança de antigas civilizações que detinham o conhecimento da agricultura e da navegação (consequentemente também tinham o conhecimento das estações do ano e da astrologia) foi composta por religiosos como os patesis, faraós e sacerdotes. Ao menos alguns grupos destes religiosos não tinham o menor interesse em liberar o acesso a tais conhecimentos. Claro, que havia a necessidade de muitos trabalhadores braçais e portanto o acesso aos conhecimentos naturalmente seria apenas para uma parcela da civilização, mas também é ingenuidade pensar que não houveram interesseiros (e egoístas) na liderança religiosa e política das antigas civilizações. 

Com o passar dos milênios os campos do saber se desenvolveram, até que durante o período da revolução industrial e do iluminismo, ele se dividiu de maneira mais decisiva. A revolução industrial também se "desenvolveu": Após sua primeira fase, essencialmente marcada pelos motores à vapor, foi descoberto o motor à combustão, dando origem aos veículos motorizados. A eletricidade passou a ter uso prático e fábricas foram construídas pelo planeta até que o setor da computação / informática foi se desenvolvendo. 

Com a digitalização e a universalização da internet, a dificuldade ao acesso a qualquer área do saber perdeu o sentido. A "sub propagação" de informação útil ao desenvolvimento geral da humanidade é majoritariamente baseada em egoísmo e mentiras. Não há mais razão para materialismo exacerbado desde então: é preciso distribuir oportunidades para o desenvolvimento mental das pessoas.

Os três campos do saber mencionados foram trabalhados pelos filósofos da Grécia Clássica, como citei anteriormente em meus textos. 

Ainda que muito dos argumentos de Sócrates e Platão fossem racionais, ao buscar o Bem maior em seus ensinamentos, eles buscavam despertar o bem, ou mais precisamente os bons sentimentos, nas pessoas. A beleza verdadeira que citavam estava vinculada ao seu conceito do Bem, de Deus (sim, único, onipresente, como Nous a mente cósmica) e de justiça. Assim, naturalmente quem buscava o conhecimento, a verdade e a Deus desenvolvia e praticava um tipo de devoção. Esta justiça mencionada por Sócrates (e/ou por Platão) formava a base de seus ideais de governo e de sociedade, como mostrado em "A República": 

Artesãos e trabalhadores em geral formariam a classe básica da sociedade onde participariam de um sistema econômico com alguma semelhança a social-democracia: O sistema mercantil seria regulado pela classe governante, constituída de filósofos, mas estes não participavam das atividades comerciais, bem como a classe militar (portanto entende-se que nenhuma destas duas classes poderia enriquecer). A classe militar e de defensores seria constituída de guerreiros. Indivíduos que prezam a bravura e a honra, mas que teriam que balancear sua educação esportiva/ combativa com uma educação artística. Os guerreiros não podendo participar do comércio de maneira alguma, receberiam alguns benefícios para compensar isto, mas para compartilhar com toda sua classe. A guarda e criação dos filhos/ crianças também seria compartilhada entre todos. Por fim os filósofos que governariam a sociedade seriam cientistas e líderes religiosos também, afinal os filósofos socráticos tinham alguma semelhança com os pitagóricos, tendo grande respeito pela matemática, geometria e astrologia. A astrologia era indissociável da astronomia desde antes de Sócrates, até aproximadamente 2065 anos após a sua morte. Sócrates menciona que essas ciências consideradas importantes por ele, não deveriam ser usadas apenas para medições, para estratégias e para aplicações materiais. Tais ciências tinham por objetivo principal o desenvolvimento da mente, em busca da verdade, do Bem e de Deus. Mesmo aqueles que não fossem filósofos, como as classes dos guerreiros e dos trabalhadores, poderiam ser bons ao se devotarem às suas respectivas atividades. 

Embora seja praticamente impossível saber se o sistema proposto seria bem sucedido se aplicado à sociedade humana, alguns pontos se destacam na "República". Estes pontos podem ser resumidamente interpretados da seguinte forma: 

O interesse no progresso coletivo, buscando respeitar capacidades individuais; 

A ciência e a religiosidade não se excluíam; 

 Propostas revolucionárias para época (século 4 antes de Cristo); 

Essencialmente todas propostas buscavam esclarecer os fatos e buscavam maior entendimento, nunca deixando o bem de lado. Isto é trabalhar o progresso. Não há progresso nem ciência sem todo esse exercício essencialmente mental. Ainda que houvesse conceitos estranhos para nossa cultura do século 21 nas propostas socráticas/ platônicas, como a divisão bem delineada de 3 classes sociais (e até espirituais), não havia maior sectarismo nem segmentação favorecendo rixas ou obscurantismo. A sociedade em que vivemos hoje parece muito mais dividida do que o exemplo proposto por Sócrates: Há rixas entre estados, entre empresas, entre tribos sociais, entre religiões, e também há rixas de religião vs ciências, corporações vs estados etc... 

Concluindo de modo simples, nem a verdadeira ciência nem o verdadeiro progresso deveriam causar tantas divisões como temos hoje na humanidade. Progresso e união se dão pelo exercício da mente que não trata outros seres como meros objetos; se dão no ato de pensar no todo e nas demais mentes, ou seja, na coletividade e na individualidade que gera a diversidade.

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