sábado, 21 de agosto de 2021

Reflexões sobre a Importância da Inocência

 

A Inocência é a Neutralidade ou é o Bem? 

O ser humano quando nasce é uma "tábula rasa"? É completamente neutro ou o bem e o mal existem desde o nascimento? Existem desde antes? Estes conceitos permaneceram debatidos apenas em círculos religiosos/ espiritualistas, pois foram praticamente abandonados pela filosofia em algum período entre a renascença e o iluminismo. Talvez este abandono por parte da filosofia tenha ajudado a ciência se livrar dos tabus e tradicionalismos das religiões, mas deixou algumas lacunas... 

Como a filosofia (e consequentemente a ciência) abandonou tal debate, ainda não sabemos as "origens do bem e do mal", mas no senso comum em geral, as crianças são vistas como puras / inocentes no início de suas vidas. Afinal o adulto que pensa que uma criança de 1 ou 2 anos de idade é maliciosa ou algo do tipo, é no mínimo paranoico... Pode ser que a criança herde alguns traços de personalidade, mas não abordarei tal assunto aqui, pois a criança tem um longo período de oportunidades para ter seus aspectos sentimentais e racionais "moldados" pelos adultos que a cria. 

Para quem gosta de psicanálise e acha que sexualidade infantil é uma virilidade que surge na criança, sugiro que pare de criar tais fantasias. E para quem tem pavor da psicanálise por considerá-la atribuir uma perversidade à toda criança, sugiro estudar um bocadinho. Sexualidade infantil nada mais é do que um termo polêmico referente aos fatores biológicos como instintos de sobrevivência e o desenvolvimento de zonas erógenas do corpo. Talvez haja alguns exageros ou vieses nestes argumentos psicanalíticos, mas nada digno de idolatria ou de rancor histérico. 

Voltando aos aspectos mais internos da mente humana: A "pureza", um possível sinônimo de inocência neste caso, é íntima da receptividade (estar aberto à): A criança geralmente perde esta pureza em determinado(s) momento(s) ao interagir com os adultos e suas ganâncias e orgulhos, mas pode restaurá-la buscando a humildade. Humildade esta que é a expressão da receptividade ou o esforço bem sucedido em ser receptivo, um quesito básico para evoluir racionalmente (pela ciência por exemplo) e sentimentalmente (espiritualmente ou religiosamente). 

 Como pode ser observado em qualquer forma de vida onde algum progenitor cuida de sua prole, os filhotes não precisam se sustentar. Os "pais" se esforçam em fornecer sustento e segurança aos filhos, embora existam algumas exceções a esta regra. Este é o comportamento dominante que garante perpetuação das espécies de aves e mamíferos. Assim, a grosso modo, na infância do ser humano é possível alcançar a felicidade mais facilmente do que durante a vida adulta. Resumidamente esta felicidade é oriunda dos afetos positivos. 

Enumerar afetos é uma tarefa difícil, pois estamos falando de sentimentos, mas tentarei agrupá-los, ou ao menos, classificar alguns parâmetros: 

O "primeiro afeto" viria da relação onde o adulto que cuida da criança com sua inocência (próxima de uma receptividade natural, e portanto próxima da humildade também) em seus estágios iniciais de vida. Estes estágios não são fixos, podem variar, mas é basicamente o período em que os pequeninos estão formando seus sentimentos em relação a quem cuida deles e ao seu pequeno e novo mundo exterior; 

A troca de bons sentimentos e o ter alguém para gostar (amor) seria um exemplo básico de afeto importante no desenvolvimento do ser humano, ainda que existam muitas distorções sobre os significados do amor, feitas essencialmente por adultos que cresceram com déficits afetivos. Este amor se dá com quem a criança cresce e se desenvolve - os pais, familiares e novos amigos que são realmente presentes. Importante destacar a presença, seja na forma de uma persistente companhia agradável, fiel ou ambas; Por fim a esperança da criança seria o último afeto positivo ou talvez um grupo ou parâmetro de afeto. Conforme a criança ou adolescente em desenvolvimento recebe respostas construtivas, ou "transformadoras-não-destrutivas", seja no aspecto mental (ensino de convívio e talvez de artes e trabalho) ou físico (quando os "pais" cuidam da saúde deste), ele desenvolve características como inspiração e esperança. Talvez isto conclua um ciclo de segurança útil para que a criança não cresça achando que tudo pode acabar a qualquer momento e nada realmente importe... Não se trata de crescer com uma fantasia e sim de crescer entendendo possibilidades. Assim ela cresce com empatia e com ao menos alguns dos sentimentos como respeito, alegria, esperança e tantos outros tidos como muito subjetivos ou fúteis por pessoas mais insensíveis. Pessoas que desprezam tais sentimentos podem ser problemáticas de várias maneiras: podem ter recebido uma educação fria, podem sofrer de alguma psicopatologia etc... 

Observações sobre a Infância 

 Tive a oportunidade de fazer observações sobre como três famílias cuidavam de suas respectivas crianças por alguns anos. Acompanhei todos os casos sem interação direta, mas "de perto" e não por opção, mas por conviver durante anos quase que em período integral com tais vizinhos em um prédio com abafamento/ isolamento sonoro quase nulo (e portanto com pouca privacidade): 

O 1º caso foi de uma menina cuja os pais demonstravam pouco afeto por ela. Ouvi quase que diariamente a rotina desta família por 5 ou 6 anos.

O pai queria ter um menino, quando a filha nasceu deixou-a com a mãe que havia parado de trabalhar. Só percebi que o pai passou a interagir mais com a menina, quando esta já tinha 3 anos de idade. 

A mãe mostrou-se uma pessoa sem paciência com crianças. Várias cenas no mínimo peculiares ocorreram: 

A primeira frase que ouvi a criança dizer foi "Vô ti matá". Uma imitação do que a mãe dela falava frequentemente com irritação (Vou te matar); 

A mãe quase que diariamente gritava, muitas vezes ordenando a filha a atender o telefone. A criança tinha no máximo 2 anos de idade quando isso começou; Ainda nesta fase, a mãe exclamou diversas frases que demonstravam impaciência com a filha, como esta: "Ai fulana, como você é criançona!!" 

Enfim, quando a filha estava com cerca de 6 anos de idade, ela era tida como muito independente pelos familiares e visitas... 

A história se repetiu de maneira similar com mais dois "vizinhos": 

Uma mulher que se irritava com a infantilidade de seu filho de 4 anos de idade e que mostrava indignação pelo fato da criança ainda não saber tomar banho sozinha nem se vestir corretamente... Neste caso, o pai dedicava um tempo aparentemente significante para brincar com filho, mas parecia "workalcholic": Trabalhava segunda à sábado em sua própria empresa, em média das 7hs às 19hs e frequentemente fazia "horas extras" seja nos dias de semana durante à noite ou, mais raramente, aos domingos durante o dia. Sua relação com a esposa se mostrava mais fria do que afetuosa. 

Outra mãe que gritava o tempo todo com a filha de 3 a 4 anos de idade e regulamente ridicularizava a infantilidade da mesma. Ambas (mãe e filha) passavam período integral na empresa na qual o marido era proprietário ou sócio-proprietário. O pai, dono de empresa, se gabava diante os funcionários regularmente, gostando de fazer piada e pregar peças nos mesmos (geralmente gritava para assustá-los). A criança começou a imitar os pais, gritando frequentemente (como o pai) e mostrando claras expressões de impaciência (como a mãe). 

Estes dois últimos casos, pude observar por cerca de 3 anos, diariamente em período integral (devido a meu home office e as características do prédio já mencionadas) 

São todos casos, onde os pais predominantemente desprezam a inocência e a ingenuidade da criança, ridicularizando-a e não tendo paciência para ensinar nem para dar afeto positivo. Obviamente não se trata de algo como vilões torturando crianças, mas efetivamente tal criação têm seus traços de tortura. Explico: 

É público e notório que a criança em suas fases iniciais da vida, precise de amparo. Ela não sabe se alimentar, nem se vestir, nem fazer necessidades fisiológicas como os adultos fazem convivendo em sociedade. Todos aprendizados e afetos necessários vem dos pais. Se os pais repetem os comportamentos de impaciência ou de aversão às necessidades dos filhos, obviamente haverão consequências na formação psíquica (vulgarmente e erroneamente chamada de psicológica) destas crianças. 

 Os casos que eu citei têm vagas semelhanças com outros dos quais recebi relatos. Na verdade alguns desses casos que ouvi, incluíam abandono e violência, ou seja, geraram consequências provavelmente mais severas na formação psíquica dos filhos. Enfim, não é difícil notar que no lugar de afetos positivos, muitas vezes, essas crianças não obtiveram respostas dos pais, ou no caso de violência, recebia afetos negativos, sem compreender a situação. Aí estão (algumas) prováveis causas de vazios afetivos e, no caso, da criação violenta, pode até mesmo ocorrer psicopatologias ou "perversão" (aqui usada como gosto pela violência)... Pessoas que cresceram com estes déficits, possivelmente não entenderão muito bem os sentimentos, e terão grandes dificuldades em aprendê-los depois de adultos. 

Perda da Pureza 

O senso comum diz que crianças são meramente ingênuas ou crédulas. Podem até ser crédulas, mas o fato é que a pureza além de conter semelhanças ou certas quantias de receptividade e humildade, é uma ausência do preconceito. Muito do que os adultos pensam que é amadurecimento (no senso comum) é só preconceito, isso quando não é o caso de tabus. 

Os exemplos são muitos: Se vestir bem (roupas caras na maioria das vezes), ter carro próprio, ter salário alto, ter vida sexual hiperativa, mostrar conhecimento mesmo quando não se tem (nunca assumir erros), delimitar sentimentos para homens e para mulheres, permitir emoções só em determinadas situações (em torcidas, em certas rodas de conversa) etc... Embora alguns desses artifícios possam ter surgido em certos grupos de pessoas para contornar determinadas situações de dificuldade, a maioria não tem utilidade real, tanto que jamais alguma destas coisas poderia ser transformada em lei em qualquer sociedade minimamente desenvolvida neste século 21. Tabus e preconceitos são comportamentos mesquinhos e falsos, utilizados para poucos indivíduos adquirirem uma satisfação particular geralmente prejudicando uma outra pessoa ou prejudicando um grupo de pessoas. Muitos deles se apoiam em rivalidade e portanto em orgulho também, no sentido narcisista da palavra mesmo. 

Deveria ser desnecessário falar o quão rivalidade e orgulho são mais nocivos do que benéficos para todas as pessoas de qualquer sociedade... Mas ainda é necessário repetir este argumento. E muito, pois todas estas idiotices se manifestam em variados assuntos e em diferentes intensidades. E como incentivos a rivalidade e ao orgulho/ egoísmo, tais tabus e preconceitos são ataques à humildade e a receptividade, características tão interligadas à pureza natural na infância. 

A própria presunção da inocência no sistema judiciário e a ausência de pressupostos em métodos de estudo, requerem muito destas características que constituem a pureza mencionada há pouco. 

Conclui-se que a chave para o bom funcionamento de setores essenciais para ordem (o direito, o judiciário etc) e para o progresso (a ciência) de qualquer nação está debaixo do nariz de toda a espécie humana: Toda criança nasce com tais características... O problema é que elas são destruídas ou substituídas por tabus, preconceitos e outros comportamentos nocivos à sociedade em geral.

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