domingo, 26 de setembro de 2021

Miséria...

 

Negacionismo virou uma das mais novas modas no Brasil e em mais partes do mundo (ao menos nos EUA, com o movimento antivax). 

Mas esse "evento" abrange muito além de teorias da conspiração e de negação das crises políticas e econômicas. Falar de política antes da ascensão da ultra direita na América (EUA, Brasil...) e da Covid-19 já era difícil, hoje é quase impossível - é como balbuciar insanamente. Os poucos que se entendem fecham-se em bolhas e nem estou me referindo (somente) a baboseira da polarização. 

A pandemia de Covid-19 fez com que governos (mais lúcidos) buscassem implantar medidas de segurança e campanhas de saúde (vacinação em massa). É muito simples: se o governo não faz o mínimo para tentar cuidar de sua sociedade, trata-se de um governo genocida. Só que o mesmo vale para quem garante renda do trabalhador: Se a empresa tem condições de custear mão de obra e implementar medidas de segurança como homeoffice, ela deve fazer isto... Mas quem garante que o mínimo foi feito pelas empresas com mais condições na pandemia? Certamente ninguém. 

O número de desempregados disparou, assim como pessoas em situação de rua. Isto já seria ruim o suficiente para alarmar qualquer pessoa minimamente sensível ou empática, mas não parou por aí: A renda para uma grande parcela da população caiu (não vou atrás desses dados, mas eles devem ser fáceis de se achar na internet, a menos que tu prefira acreditar em "tios de Whatsapp" ou em grupos conservadores), as consequências do desmatamento e de outros crimes ambientais estão surgindo. Claro, claro, juntar tudo isto sem citar fonte, parece coisa de alarmista, mas não é. 

O fato é que a civilização humana sempre teve problemas e talvez ela tenha feito pouco para resolver estes problemas nos últimos anos: A maioria das notícias de crimes ambientais, cartéis, oligopólios, milionárias sonegações de impostos e furto de verbas públicas, não foram seguidas de uma resolução. Pelo contrário, foram seguidas pelo surgimento de consequências mais e mais problemáticas. 

Entre os anos de 2014 e 2016 eu li as seguintes notícias (procurem as fontes): 

Fiscalização indica que mais de uma barragem das mineradoras do conjunto "Vale / Samarco" estão com altas possibilidades de romper (e romperam...); 

Escândalo do CADE causa um dos maiores rombos nos cofres públicos do Brasil (grandes empresários sonegando impostos); 

Operação Zelotes encontra contas de diversas grandes empresas em paraísos fiscais (mais sonegação multimilionária); 

Fora os "desvios de verbas" feito por políticos em Minas Gerais, Rio de janeiro, Goiás e tantos (possivelmente todos) outros estados brasileiros; 

 Enfim, o que podemos fazer em relação a esses poderosos? Por enquanto nada. Nada porque o povo está muito mal informado e desunido para agir. No quesito econômico, não só o Brasil, como diversos outros países "estão pegando fogo" (aumento da inflação, mais desemprego, miséria, fome...). Não se trata de políticos nem de grandes empresários - não adianta mais ver notícias sobre os que estão por cima da situação. Esses se descolaram da realidade e clamar por (e fazer) justiça está mais difícil do que antes. 

A retomada econômica que alguns pregam pelas mídias é para quem? Quantos do que perderam tudo irão se recuperar? E entre aqueles que recuperam um trabalho, o quanto ele perdeu de capacidade de compra? O estrago está feito e que estrago! 

Então só nos resta "tapar o Sol com a peneira". E sim, isso é muito melhor do que fazer nada. Como citei anteriormente, não se trata de alarmismo, é realidade: Tem muita gente precisando de auxílio, não só de esmolas, mas de doações, ajuda mais significante e/ou mais frequente. Certamente não iremos desfazer o estrago, mas o esforço para ajudar os mais necessitados, numa crescente crise mundial, não é só empático, é lógico. Negar isso também é negacionismo - ignorância e egoísmo. 

Fiz inúmeros textos citando a importância dos bons sentimentos... Seja receptividade, amor ou esperança, tanto faz: Eles estão por trás da empatia (a que serve ao mais necessitado). Não vivemos momentos adequados para indiferença e me causa profundo sofrimento imaginar que nenhum parente, amigo ou mesmo colega ou mero conhecido, esteja fazendo um esforço mínimo neste sentido. Sei que alguns têm menos condições de ajudar, mas também sei que às vezes os esforços, ainda que individuais e pequenos, valem a pena.

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Teorizando a Importância do Progresso Mental

 

"Vício pela Carne" - Sexismo ou Materialismo? 

Quando falamos em carne podemos pensar nas carnes de animais criados para o abate, o mercado alimentício e o consumo. Porém também utiliza-se o termo "prazeres da carne" como algo relacionado ao ato sexual. Particularmente ao coito e ao prazer físico que tal ato proporciona. Obviamente é possível ter tal prazer juntamente com o prazer psíquico ou mental: O prazer de estar junto a uma pessoa que se ama. 

Mas o ato sexual como busca para satisfazer os desejos particulares deve existir desde tempos imemoráveis. O problema é quando isto se torna um discurso de incentivo. Torna-se um problema por se caracterizar como um discurso sexista que põe o prazer próprio e o padrão de beleza do corpo como assuntos mais importantes do que o convívio em sociedade, do que o desenvolvimento da empatia e do intelecto. Este tipo de assunto é o que corre pela "boca do povo" e raramente é registrado ou estudado. Tal discurso pró-sexo deve ter ressurgido ou ganhado força nas sociedades ocidentais como um argumento contemporâneo, mas dissonante, dos movimentos feministas, antirracistas e pró paz e amor dos anos 60 do século 20. Neste mesmo período emergia o conceito de amor livre que facilmente foi apropriado por sexistas. Por exemplo, a palavra amor passa a ser propagada como sinônimo de sexo em diversos gêneros musicais. Todos têm (ou deveriam ter) direito ao prazer, mas há uma grande malícia nos argumentos sexistas que serviram bem ao gênero dominante na maioria das sociedades. Serviu bem aos homens em posição de poder (seja econômico, político ou até religioso) que se interessavam em manter o patriarcado e propagar uma falsa naturalidade do domínio do homem na Terra. Um discurso relativamente fácil de se propagar tendo em vista que o período de maior dominância da mulher nas sociedades humanas perdeu grande parte de sua força num passado muito distante: Na história pré-escrita. Na história da arte é possível ver a predominância do feminino em esculturas e artes do oriente médio até a "Grécia" minóica. Dominância esta que deve ter sido suprimida gradativamente por lideranças masculinas com a propagação das atividades agrícolas e da metalurgia (Idades do cobre e do bronze). 

O discurso sexista e pró "carnalidade" então relaciona-se com os poderes dominantes no ocidente: O poder econômico na forma do sistema neoliberal/ capitalista e as igrejas. Trata-se de um discurso não só materialista, mas também um discurso de poder. Quem faz mais sexo é "mais homem", quem deve dominar a família e a sociedade é o homem e esse tipo de desigualdade e opressão. É um discurso de esfriamento emocional, que combina com um monte de idiotices (de idiota: que não sabe viver em sociedade) como "homem não chora", "homem tem que ter carro", "mulher não sabe dirigir" e tantas outras excrescências. O discurso sexista é fortemente utilizado de modo popularizado pelo patriarcado machista no mínimo desde o início da pós modernidade nos "anos 1960". Tal discurso apropriado pelo patriarcado, facilmente se afasta do conceito de amor livre e reforça o conservadorismo: Diz que o homem pode trair a mulher e frequentar prostíbulos porque é o (suposto) provedor da família (conservadora), mas diz que a mulher tem que ser fiel ao traidor. Enfim, o discurso sexista até consegue se disfarçar de libertário quando aberto ao público em geral, posando como sensualidade e sexualidade ativa supostamente saudável, mas retorna ao machismo patriarcal retrógrado quando discutido apenas entre homens por exemplo. Isto ocorre porque o ato sexual pode ser feito com emoções (como mencionado anteriormente), mas é essencialmente corporal. Por esta razão, é muito fácil reduzi-lo apenas ao prazer físico, ignorando ou até mesmo menosprezando os sentimentos/ emoções positivas, que são elementos tão importantes nos relacionamentos. 

Sexismo é um discurso fácil de se propagar porque é materialista: O ato sexual não é algo interno de cada pessoa (subjetividade) como os sentimentos e os pensamentos, ele requer uma relação entre corpos. É notório que discursos materialistas são fáceis de se propagar e de serem aceitos porque lidam com a objetividade, priorizando a realidade externa ante a interna de cada pessoa. O consumismo por exemplo abrange diversas áreas de trabalho e de estudo e se apoia na criação artificial de "necessidades". Tais necessidades artificiais surgem em vários setores do comércio/ mercado: Alimentos, roupas, eletroeletrônicos e até veículos de transporte. Em todos os casos, o discurso consumista não visa prioritariamente o bem-estar das pessoas, ele visa o lucro constante e crescente de uma minoria de donos das maiores empresas do mundo. 

 Materialismo gera Progresso Real? 

Em outro texto (https://nea-ekklesia.blogspot.com/2021/08/as-farsas-contra-empatia-e-o-bem-estar.html) eu descrevi um resumo da história do capitalismo. Ele é um sistema, ou uma estrutura por trás de sistemas e não uma força da natureza (muito menos uma força divina). O materialismo na academia se refere a uma pressuposto filosófico da ciência, o que pouco ou nada difere de um paradigma das áreas do conhecimento. Mais precisamente ele é uma "visão de mundo" (weltanschauung) que serve de base para o empirismo. Assim, o materialismo é o argumento/ ponto de partida dos métodos de estudo que descartam tudo que não pode ser detectado pelos 5 sentidos humanos (já explicado em outros textos). 

Aqui, utilizo este termo como uma ideologia ou conjunto de doutrinas que giram em torno da "matéria" perceptível pelos 5 sentidos humanos. Portanto é nítido que o capitalismo e todos sistemas sociais e/ou econômicos que utilizam dinheiro, são materialistas. Note que diferentemente de todos os produtos "físicos", os estudos, as artes e a ciência são os mais difíceis de se precificar. Isto ocorre porque tal movimento é contra a ordem natural das coisas. Explico: O ser humano é livre (ao menos relativamente) para pensar e para sentir desde que surgiu na Terra. As unidades monetárias deveriam medir tais valores? Obviamente não. As epidemias de depressão e ansiedade que vêm crescendo após a industrialização e a digitalização do mundo do trabalho e do comércio estão aí para provar isto. O ser humano não é uma máquina e portanto não é só o corpo. Ele têm necessidade de relacionar-se com outros desenvolvendo seus pensamentos e sentimentos e a liberdade destas atividades mentais sim, é natural. Limitar ou manipular tal liberdade psíquica é extremamente nocivo como pode-se notar com tais epidemias. 

Portanto o que gera o progresso na humanidade não é o materialismo nem é o dinheiro. O dinheiro foi inventado há muito tempo, mas foi reinventado após crises socioeconômicas. Longe de ser uma ciência exata e mais longe ainda de uma verdade absoluta, o dinheiro chegou a deixar de existir no colapso da era do bronze e teve seu lastro modificado nas crises da modernidade e da pós-modernidade, certamente devido a interesses econômicos das classes mais enriquecidas e não devido a busca de um progresso social, ético ou moral. A garantia de um valor real para as moedas (lastro) foi modificada várias vezes durante a história, sendo alguns exemplos sua aplicação na Inglaterra em 1783, a crise da moeda de prata e das cédulas (1750-1870), o estabelecimento do dólar-ouro em 1944 e a quebra do lastro do dólar com o ouro em 1971.

O progresso surge da intenção de construir e de transformar. Ele requer dos seres humanos a boa intenção, a extensibilidade (hoje popularizada como "empatia"), a liberdade e a busca pelo entendimento. Oras, se todos tivessem livre acesso aos estudos, as ideias se multiplicariam. Os estudos seriam muito maior em número e com mais gente estudando toda produção intelectual crescente (seja científica, artística etc), a qualidade dos estudos poderia melhorar com mais facilidade. Com a liberdade de escolha, aqueles que não gostam de estudar, arrumariam outra ocupação, não produzindo coisas forçosamente nem de qualidade dúbia. Nada disto que descrevo refere-se a permitir discursos de ódio, pelo contrário: O progresso, seja intelectual ou sentimental, se dá através de atividades que constroem e não daquelas que destroem. Se dá através de inovações e transformações que são coisas diferentes de destruir. 

Acesso à Ciência, à Filosofia e à Fé não-institucionalizada 

Quantas pessoas conseguem ingressar no meio acadêmico/ científico? 

Quantas têm acesso à filosofia? 

Quantos fiéis se aproximam dos ensinamentos dos grandes profetas? 

A resposta para todas essas perguntas é: Pouquíssimas pessoas. A minoria da humanidade. 

Mas porque o acesso a estes campos do saber é tão difícil? 

 Isto parece um problema recorrente na civilização humana. O acesso torna-se difícil por variados motivos: desconfiança, conflito de interesses etc. 

Entende-se que o mais antigos destes campos é o religioso. Isto porque é o campo que lida com o desconhecido de maneira mais intuitiva e através do sentir. Práticas xamânicas datam a idade da pedra, antecedendo as religiões mais formais de povos sedentários/ urbanos. 

Se conhecimento é poder, tal fato não era diferente nas antigas civilizações. Com o desenvolvimento da agricultura no final da idade da pedra, houve tempo o suficiente para alguns grupos de seres humanos monopolizarem os conhecimentos. Nesta transição que durou alguns séculos (talvez até 2 milênios, entre 5500 aC e 3500 aC), deve ter sido dificultado o acesso ao conhecimento. A liderança de antigas civilizações que detinham o conhecimento da agricultura e da navegação (consequentemente também tinham o conhecimento das estações do ano e da astrologia) foi composta por religiosos como os patesis, faraós e sacerdotes. Ao menos alguns grupos destes religiosos não tinham o menor interesse em liberar o acesso a tais conhecimentos. Claro, que havia a necessidade de muitos trabalhadores braçais e portanto o acesso aos conhecimentos naturalmente seria apenas para uma parcela da civilização, mas também é ingenuidade pensar que não houveram interesseiros (e egoístas) na liderança religiosa e política das antigas civilizações. 

Com o passar dos milênios os campos do saber se desenvolveram, até que durante o período da revolução industrial e do iluminismo, ele se dividiu de maneira mais decisiva. A revolução industrial também se "desenvolveu": Após sua primeira fase, essencialmente marcada pelos motores à vapor, foi descoberto o motor à combustão, dando origem aos veículos motorizados. A eletricidade passou a ter uso prático e fábricas foram construídas pelo planeta até que o setor da computação / informática foi se desenvolvendo. 

Com a digitalização e a universalização da internet, a dificuldade ao acesso a qualquer área do saber perdeu o sentido. A "sub propagação" de informação útil ao desenvolvimento geral da humanidade é majoritariamente baseada em egoísmo e mentiras. Não há mais razão para materialismo exacerbado desde então: é preciso distribuir oportunidades para o desenvolvimento mental das pessoas.

Os três campos do saber mencionados foram trabalhados pelos filósofos da Grécia Clássica, como citei anteriormente em meus textos. 

Ainda que muito dos argumentos de Sócrates e Platão fossem racionais, ao buscar o Bem maior em seus ensinamentos, eles buscavam despertar o bem, ou mais precisamente os bons sentimentos, nas pessoas. A beleza verdadeira que citavam estava vinculada ao seu conceito do Bem, de Deus (sim, único, onipresente, como Nous a mente cósmica) e de justiça. Assim, naturalmente quem buscava o conhecimento, a verdade e a Deus desenvolvia e praticava um tipo de devoção. Esta justiça mencionada por Sócrates (e/ou por Platão) formava a base de seus ideais de governo e de sociedade, como mostrado em "A República": 

Artesãos e trabalhadores em geral formariam a classe básica da sociedade onde participariam de um sistema econômico com alguma semelhança a social-democracia: O sistema mercantil seria regulado pela classe governante, constituída de filósofos, mas estes não participavam das atividades comerciais, bem como a classe militar (portanto entende-se que nenhuma destas duas classes poderia enriquecer). A classe militar e de defensores seria constituída de guerreiros. Indivíduos que prezam a bravura e a honra, mas que teriam que balancear sua educação esportiva/ combativa com uma educação artística. Os guerreiros não podendo participar do comércio de maneira alguma, receberiam alguns benefícios para compensar isto, mas para compartilhar com toda sua classe. A guarda e criação dos filhos/ crianças também seria compartilhada entre todos. Por fim os filósofos que governariam a sociedade seriam cientistas e líderes religiosos também, afinal os filósofos socráticos tinham alguma semelhança com os pitagóricos, tendo grande respeito pela matemática, geometria e astrologia. A astrologia era indissociável da astronomia desde antes de Sócrates, até aproximadamente 2065 anos após a sua morte. Sócrates menciona que essas ciências consideradas importantes por ele, não deveriam ser usadas apenas para medições, para estratégias e para aplicações materiais. Tais ciências tinham por objetivo principal o desenvolvimento da mente, em busca da verdade, do Bem e de Deus. Mesmo aqueles que não fossem filósofos, como as classes dos guerreiros e dos trabalhadores, poderiam ser bons ao se devotarem às suas respectivas atividades. 

Embora seja praticamente impossível saber se o sistema proposto seria bem sucedido se aplicado à sociedade humana, alguns pontos se destacam na "República". Estes pontos podem ser resumidamente interpretados da seguinte forma: 

O interesse no progresso coletivo, buscando respeitar capacidades individuais; 

A ciência e a religiosidade não se excluíam; 

 Propostas revolucionárias para época (século 4 antes de Cristo); 

Essencialmente todas propostas buscavam esclarecer os fatos e buscavam maior entendimento, nunca deixando o bem de lado. Isto é trabalhar o progresso. Não há progresso nem ciência sem todo esse exercício essencialmente mental. Ainda que houvesse conceitos estranhos para nossa cultura do século 21 nas propostas socráticas/ platônicas, como a divisão bem delineada de 3 classes sociais (e até espirituais), não havia maior sectarismo nem segmentação favorecendo rixas ou obscurantismo. A sociedade em que vivemos hoje parece muito mais dividida do que o exemplo proposto por Sócrates: Há rixas entre estados, entre empresas, entre tribos sociais, entre religiões, e também há rixas de religião vs ciências, corporações vs estados etc... 

Concluindo de modo simples, nem a verdadeira ciência nem o verdadeiro progresso deveriam causar tantas divisões como temos hoje na humanidade. Progresso e união se dão pelo exercício da mente que não trata outros seres como meros objetos; se dão no ato de pensar no todo e nas demais mentes, ou seja, na coletividade e na individualidade que gera a diversidade.

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Quais são as Bases dos Saberes?

Só para constar, este texto tem uma predominância de minha interpretação sobre a filosofia, a religião e a psicologia dividida em várias abordagens. Minha interpretação sobre os saberes é uma cosmovisão* que flutua entre dualista e espiritualista, pois admite a existência tanto da mente como da realidade sensorial ("material"/ corpórea), além da possibilidade de uma realidade espiritual, diferindo da visão de mundo* materialista ainda predominante ciência "main stream" ou tradicional... 

*(Sinônimo de weltanschauung, similar aos conceitos de paradigma e de pressuposto filosófico)

Receptividade - Sentimento ou Esforço

Sentimentos apenas surgem? Não. Eles podem surgir de maneira inata, mas também podem ser induzidos. Induzidos por nós mesmos ou por outros. Sendo assim, todo relacionamento, em algum nível, requer que os indivíduos sejam receptivos ou se disponham. 

Algumas pessoas podem ser receptivas de modo mais inato, outras podem ser menos sentimentais, mas podem se dispor através de uma decisão mais racional. Obviamente deve haver esta disposição ou receptividade de ambos os lados das relações, embora pareça uma utopia que ela ocorra exatamente em níveis iguais por parte de todas as pessoas em um determinado relacionamento. Independentemente de quão difícil é essa equidade de disposição ou de sentimento, ela pode surgir ou ser induzida não só nos relacionamentos como também na fé, na religiosidade etc. Mas a receptividade é algo interno, mais nitidamente inato. A disposição, por sua vez, pode ser induzida de ambas formas: Internamente pela própria pessoa e externamente por outras pessoas, sejam amigos, familiares ou líderes de um grupo religioso... Esta disposição a ouvir, entender, conviver etc, tem no mínimo alguns traços de humildade. Isto explica porque ambas atitudes/ comportamentos parecem raros hoje em dia. Com o propagar de clubismos, discursos de meritocracia e narcisismos, poucos se dispõem a entender o diferente e o estranho. Tais ideologias e discursos usam bastante a indução ao orgulho, "inflando egos" (egoísmos), suprimindo receptividade e humildade, sentimentos e atitudes essenciais em qualquer área do saber. Este movimento manipula grupos e portanto, incitam rixas e rivalidades, além de direcionar desejos de punição. 

A Religião deixou de cuidar dos Sentimentos?

As igrejas cristãs (tanto as católicas como as protestantes/ evangélicas) que entravam em crise durante o iluminismo do século 19, tentaram se adaptar ao mundo produtivo e competitivo. Esta crise foi observada pelo psiquiatra e psicoterapeuta suíço, Carl Gustav Jung: Na virada do século 19 para o 20, Jung percebeu uma "evasão" das igrejas cristãs pelas classes mais abastadas da Europa. Com um olhar aparentemente voltado para a sociologia, Jung apontou que tal tipo de comportamento que começa em "elites" das sociedades humanas, tende a se espalhar para as classes mais baixas depois de algumas décadas, em geral, em torno de 20 anos depois. Independente se faltou precisão ou não nos apontamentos de Jung, o fato é que no século 20, a igreja católica que apostou no conservadorismo, ignorando grande parte das mudanças socioeconômicas, foi perdendo muitos fiéis. 

As igrejas evangélicas por sua vez, por volta da década de 80 do século 20, começaram a apostar em programas televisivos sensacionalistas. Nestes programas eles exploravam as necessidades das classes mais empobrecidas, prometendo não só uma "felicidade no pós vida", como também prometendo milagres para resolver problemas em vida dos fiéis e recém convertidos: econômicos, de saúde e de relacionamento. O sucesso de pastores estadunidenses atraiu os brasileiros que imitaram a fórmula. O resultado foi uma nova e restrita classe "religiosa" multimilionária super adaptada ao sistema socioeconômico capitalista. Esta religião materialista reforçou a plutocracia nos frágeis e falhos sistemas "democráticos" da América, e logo tentou se expandir para outros continentes, obtendo alguns êxitos. De um modo geral, assim foi destruído o "mundo espiritual" na Terra. O sistema capitalista que frequentemente engolia os sistemas políticos, defeituosamente democráticos (principalmente os ocidentais), também engoliu o poder religioso. Criou-se um consenso que todo religioso pode crer em Deus, com tanto que obedeça as regras da plutocracia válidas praticamente em todos os países do mundo. Poucos são os religiosos que conseguem enfrentar o sistema regido pelos mais multimilionários do mundo (neste texto não vou explicar como nem quais políticos ocidentais comem na mão desses multimilionários). 

Em um mundo extremamente materialista, obviamente a ganância reina e a verdadeira fé fica oprimida sob interesses econômicos. Note que não é só esta fé que fica sob pressão do materialismo/ consumismo/ capitalismo: Os sentimentos também ficam, mesmo porque a fé está muito mais para um sentimento do que para um pensamento. E não estou falando desta fé de camisetas e propagandas boçais. Fé em clube (seja de futebol, de tribo social ou de qualquer questão material) é torcida. Torcida exagerada é fanatismo. A verdadeira fé não é fanatismo, independente de quantos fanáticos existam nas "religiões" pelo mundo. A fé a que me refiro tem muito da receptividade ou da disposição. Não é bradar furiosamente nem se encher de excitação por qualquer idiotice da civilização (Idiotice é aquilo que atrapalha o convívio, portanto fanatismo é isso). Esta fé verdadeira está relacionada à disposição em crer, ou ter esperança, seja no futuro ou em Deus. 

Ah, mas ter esperança em qualquer uma dessas coisas não é idiotice? Não, afinal a pessoa que não tem esperança em coisa alguma está deprimida, portanto está sem poder algum, está indisposta para praticamente tudo. Propagar a falta de esperança é propagar desespero, é querer que mais pessoas também fiquem paralisadas ou inertes diante qualquer tipo de problema: Social, econômico etc. 

Oras, se você acha que Deus (que ama toda sua criação, não um deus punitivista) não faz sentido, você ainda pode crer no futuro... Se você acha que nem o futuro nem Deus faz sentido... Então você desistiu de tudo. E eu não recomendo o suicídio, porque sei que os milhões de dados que compõem todas informações sobre todos os pensamentos, sentimentos, memórias e interpretações que você fez ou teve em cada segundo da tua vida, não vão deixar de existir repentinamente. Não existir não existe e deixar de existir é algo improvável. Nem na religião nem na ciência e nem na filosofia. Não é possível provar "o deixar de existir" embora alguns imbecis* auto intitulados cientistas tentaram isso. Alguns exemplos que conheço são da psicologia, onde alguns comportamentalistas atacaram teorias da frente psicanalítica, como o inconsciente. Não há nada de errado em apontar inconsistências em teorias, mas negar tais teorias por rixa ou por comodismo não é produtivo.

*"Imbecis" não como sinônimo de tolo ou ridículo, mas que não têm poder, neste caso porque recusam a possibilidade da mente como algo superior ao corpo, que tem plena possibilidade de poder sobre o corpo; Os que recusam esse poder psíquico sobre o corpo (força de vontade, decisão, interpretação etc) geralmente também recusam a teoria de que memórias ficam inacessíveis por determinados períodos ou situações etc.

Apesar dos Estragos, há Progresso

Alguns poderiam dizer: "Ora, mas a humanidade não tem jeito, ela não aprende e sempre haverá injustiça, ganância e guerras". Eu concordo que ela demora muito para aprender, mas aprende. Bem devagarzinho. Vejamos os esportes por exemplo: Quando as olimpíadas foram inventadas na Grécia antiga, a cidade que perdia determinada competição declarava guerra à cidade vitoriosa. Não era um mero rancor de alguns ignorantes: Era algo instituído pelos governos e aceitos por uma parcela significante da população! E matavam por tais causas. E não matavam algumas dezenas, afinal era guerra: Procurava-se exterminar todo exército inimigo e quem sabe, talvez parte da população também. Hoje (quase 2800 anos depois) temos as infames e horríveis brigas de torcida de futebol, mas que não chegam nem aos pés daquelas atrocidades do primeiro milênio aC. 

 Enfim, existem inúmeras outras amostras de progresso na humanidade. Umas fingem ser progresso, como a invenção de armamentos mais "modernos", enquanto outras realmente são, como as variadas conquistas da sociedade: O saneamento e saúde pública, a liberdade de expressão (não a de discursos de ódio), o acesso ao ensino etc. 

Voltando ao sentimento e o acreditar: Tais coisas parecem aceitas neste século 21, mas só se forem submetidas às regras impostas pelos ambientes econômicos dominantes (empresas) e aos ambientes "religiosos" também plutocráticos (governados pelos mais ricos). Próximo destes ambientes tóxicos está a academia (faculdades) e a ciência, pois estudos sobre a importância dos sentimentos são raros, e frequentemente, também são desprezados por muitos nestes ambientes. Como vim observando, tal dificuldade tem como algumas das principais causas, a falta de clareza sobre o que é ciência e o sectarismo (segmentação ou clubismo) entre as áreas do saber. É preciso uma aproximação entre os campos do saber, mas não uma mera mescla inconsequente e retrógrada: É preciso delinear clareando o que é cada campo. É preciso esclarecer quais são as diferenças entre os campos, quais são os métodos de aquisição de conhecimento e quais são as aplicações. E obviamente não basta ser racional, muito menos parecer convincente, é preciso fazer isso deixando pressupostos de lado, com humildade, respeito e cooperação. Até mesmo os meios religiosos, espirituais e místicos devem esclarecimentos. Alguns exemplos são: sobre a moral, sobre a vida e as possibilidades do pós-vida, sobre a existência do livre arbítrio e sobre o que são comportamentos de fascinação e de obsessão. 

Soluções pela Amizade com o Saber 

Embora eu expresse minha opinião de maneira aparentemente ofensiva, na verdade eu só faço isso buscando expansão de conhecimento e de empatia. Ao alegar que sei que a mente existe além do cérebro, eu não só tento indicar um caminho de esperança, como também sei que houveram registros de tais evidências na medicina, como nos casos de EQM (embora isso deva gerar longas discussões). Além disso, sou crítico daqueles que atacam o que não conhecem, que atacam o que não entendem e que atacam o que não tem certeza. Em "meio curso" de psicologia (5 semestres) eu já vi ao menos 6 supostos psicólogos mostrarem tais preconceitos (3 no curso, 3 em textos de autores estadunidenses)...

Expressar mera opinião como se fosse a verdade é perder o amor pela verdade. Isto mostra inércia e conformismo. Uma pessoa conformada com sua mera opinião, se acomoda com coisas equivalentes aos brinquedos, deixando a vasta possibilidade de progresso mental em segundo plano. Quando este comportamento prevalece nas esferas de poder de qualquer civilização, ele tira o rumo da sociedade criando uma cultura de alienação. (como vemos no capitalismo e seus discursos reforçadores de consumismo, produtividade e competitividade) 

Como mencionado anteriormente (ou em outros textos meus), o aprendizado vem por tirar preconceitos e opiniões vaidosas. Isto prova que, ao menos, algumas respostas já existem dentro da mente das pessoas (como indivíduos). Tais respostas estão ligadas à postura humilde e/ou receptiva. 

Numa sociedade onde não se busca o Bem ou a união, não há ética. Não há união, há apenas interesses particulares dominando a sociedade. No máximo há fachadas escondendo corruptores e corrompidos, afinal o que acontece com o ser humano como indivíduo, também acontece com a sociedade, que é o agrupamento desses seres humanos. O verdadeiro saber de qualquer sociedade, cedo ou tarde, deve necessitar da dialética como duas (ou mais) inteligências buscando a verdade, sem interesse em projetar suas personalidades. Diálogos mal conduzidos fazem as pessoas não quererem o conhecimento. Já os bons diálogos despertam o interesse pelo conhecimento. Neste processo, pressuposto e autoridade não são argumentos válidos, pois tal postura permite ir muito além do senso comum, mas exige maturidade. Invoca união em busca do conhecimento, para além do senso comum. 

 Os filósofos socráticos já falavam da relação entre ciência e justiça no século 4 a.C.: 

"...as artes governam e dominam o objeto sobre o qual se exercem." 

"Portanto nenhuma ciência procura nem prescreve a vantagem do mais forte, mas a do mais fraco, que lhe é sujeito." 

"... é evidente que nenhuma arte e nenhum comando provê ao seu próprio benefício, mas assegura e objetiva o do governo, objetivando o interesse do mais fraco e não o do mais forte." 

Todas pesquisas e suas respectivas aplicações visam o bem de seu objeto: A medicina visa o bem do corpo do paciente, a engenharia visa o bem do constructo e de seu usuário, a psicologia visa o bem da mente do cliente/ paciente etc.  

Conclusão

Então todos os saberes deveriam buscar o bem, isto é óbvio, como eu devo ter citado em outros textos meus. (o bem de seus alvos e da coletividade, por exemplo)

Mas quais são as diferenças entre ciência, filosofia e religião?

Muitos argumentam que é o método... E muitos que usam este argumento reduzem a ciência ao empirismo (também citei isso diversas vezes noutros textos).

Apesar de pouca clareza e pouco consenso, eu consegui chegar a seguinte conclusão, me baseando principalmente em argumentos do filósofo e educador brasileiro Mário Sérgio Cortella e um pouco no psiquiatra húngaro Thomas Szasz:  

"A religião crê para ver. A ciência vê para crer";

A filosofia faz o meio campo entre ciência e religião/ espiritualidade;

A filosofia escapa da religião pois é um saber racionalizado;

A filosofia é a origem da ciência e fica com o que a ciência não explica; 

O saber racionalizado especializado torna-se ciência;

A ciência é objetiva e coletiva, pois há contato com outros pensadores; 

É comum a ciência usar pressupostos, daí a força do método empírico;

Na saúde, a objetividade científica serve para tratar doenças, não comportamentos;

Não há neutralidade nas áreas do saber.