quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Espiritualidade e Progresso

 

Sobre a Fobia à Alma 

Como mencionei em algum texto meu, a psicologia é uma área de estudo bastante dividida. Isto possivelmente é uma herança do conflito entre materialistas e idealistas/ mentalistas da virada do século 18 ao 19. Tal conflito repeliu as filosofias e bases filosóficas dualistas e pluralistas, e foi praticamente vencido pelos materialistas após a década de 20 do século 20. Por coincidência ou não, a época do fordismo e o período entre guerras mundiais... 

Os questionamentos e críticas mais comuns à psicanálise (fundada por Freud) por parte da fenomenologia da psicologia se referem a sua centralização nas questões sexuais/ biológicas e na reprodução de fenômenos do passado dos pacientes. Resumidamente estas críticas alegam que a psicanálise (e talvez a psicologia analítica, que usa base similar) são naturalistas. 

Porém é comum encontrar psicólogos da frente comportamental e acadêmicos da área de saúde criticando abertamente a estrutura de consciente-inconsciente como se fosse pseudociência. E adivinhem só, a frente comportamental é praticamente alicerçada em um materialismo monista (uma base filosófica) e no método empírico (o qual eu já cansei de explicar neste e em outros textos)… 

Primeiramente, a base teórica sustentada pelo eixo consciente-inconsciente não parece ser monista nem materialista. Esta base aparentemente parte de um pressuposto dualista onde a mente imaterial (sejam informações, alma ou outra coisa ainda não mensurável por métodos materialistas) interage com o corpo material. Independentemente das bases teóricas, filosóficas, ontológicas ou epistemológicas, os estudos que fundaram a psicanálise fazem parte de uma descoberta e não uma vaga hipótese ou ideia “pouco provável”: Pois quando falamos do aparelho psíquico (consciência, memória, sentimentos, pensamentos etc), uma das provas mais óbvias da existência do subconsciente (que é o inconsciente de acordo com a frente psicanalítica) surge quando tentamos negar a realidade enganando a nós mesmos. Pensamentos, lembranças e sentimentos não desaparecem definitivamente, eles apenas deixam de ser a atenção de nossa consciência, podendo voltar a ser alvo desta atenção após algum tempo. Desaparecer definitivamente seria deixar de existir, o que é algo improvável por qualquer método científico. 

Talvez do ponto de vista comportamental, a psicanálise esteja desvinculada do método empírico, mas a partir desta afirmação, temos que nos lembrar que o empirismo não é a ciência em si: é apenas um dos métodos científicos, independentemente se é o mais empregado nos diversos campos do saber, ou não. Quando se trata de sentimentos (emoções não expressas) e pensamentos é óbvio que não se pode esperar evidências percebidas pelos 5 sentidos do ser humano. O aparelho psíquico descrito pelas abordagens da frente psicanalítica não é físico: não é sólido, nem líquido, nem gasoso e provavelmente também não é plasmático. Não está em nenhum dos 4 estados conhecidos da matéria até então. Trata-se talvez, no máximo, de informações relacionadas aos potenciais elétricos ou a sinapses do sistema nervoso, mas mesmo estas não são a causa das escolhas humanas. Isto é centrar os estudos no empirismo, ignorando todos os demais métodos de estudo. Um ato típico do período iluminista, onde acreditava-se que o ser humano era o centro do universo e o que existia de mais evoluído neste. A postura correta da ciência é semelhante à humildade: é assumir que não se sabe sobre o que não foi descoberto nem sobre o que ainda não se estudou o suficiente. 

 Em segundo lugar estas críticas são reinvenções da psicologia empírica ou da "psicologia" fisiológica (século 19). Nesta época a base filosófica dualista de René Descartes era aceita por pouquíssimos intelectuais proeminentes. Um dos poucos apoiadores desta base era o linguista e professor francês, Leon D. Rivail, que passaria a divulgar o espiritismo sob o pseudônimo de Allan Kardec. Talvez, pelo fato de tal filosofia aceitar a espiritualidade baseada nos ensinos de Sócrates, Platão e Jesus Cristo, o espiritismo foi altamente rechaçado por cientistas e filósofos materialistas por toda segunda metade do século 19. Outra curiosidade é que o espiritismo (não os charlatães que se dizem espíritas) propunha explicar todos os temas que eram abordados pelas religiões e por ordens místicas que, de certo modo, monopolizavam o assunto. 

 Na primeira metade do século 20 houve um forte movimento de ataque às teorias que consideravam a existência do inconsciente (Freud e Jung). Entre os atacantes estavam psicólogos da frente comportamental como Skinner até filósofos como Popper. Embora tais estudiosos possam ter colaborado para as ciências em alguns pontos, é importante observar que tais críticas à frente psicanalítica eram meras opiniões transvestidas de lógica científica. Estas opiniões se basearam na inexistência de algo, não apresentando prova alguma contra o inconsciente nem contra a alma, pelo contrário, se apoiando em falta de provas. Daí, estes estudiosos que não aceitavam que a mente fosse imaterial nem transcendental, viram a necessidade de propagar ideias como a "lei da" falseabilidade como base científica, como mencionei neste outro texto https://nea-ekklesia.blogspot.com/2021/11/os-estudos-e-as-abordagens-da-mente.html.

Tais opiniões não atacavam só a frente psicanalítica - serviam como ataques contra toda espiritualidade / religiosidade, independentemente se seus propagadores planejaram isso ou não. Em algumas de suas afirmações, seus defensores eram abertamente anti-religiosos, o que teria seu lado positivo se eles denunciassem a corrupção nas religiões e a utilização dos dogmas e hierarquias religiosas como ferramenta de poder. Porém, como materialistas fanáticos, eles atacaram todo argumento que apresentava uma possibilidade da existência da alma e/ou do espírito. 

Isto não é comum apenas entre as "elites intelectuais" (de cientistas e filósofos), mas também é comum em ativistas políticos fervorosos, sejam assumidos ou não. Importante ressaltar que ativistas políticos fervorosos são principalmente compostos pelos extremos do espectro político, mas também podem ser os materialistas de ideais políticos moderados. 

O Materialismo na Política 

Pois bem, muita gente já sabe que existem mentirosos na religião e na política. Mas poucos sabem que as grandes empresas, sejam do setor de comunicações, de finanças ou de qualquer outro, geralmente são dirigidas/ geridas pelo mesmo tipo de mentirosos. Isto ocorre porque todas estas instituições religiosas, políticas e empresariais servem como ferramenta de poder. 

Porém, como poucos sabem ou entendem como funciona o mercado nos regimes mais abertamente capitalistas (liberalismo e neoliberalismo), a direita que apoia os empresários mais ricos tem larga vantagem sobre a esquerda em maior parte do ocidente. 

O problema se agrava, quando uma porção significante das pessoas que estudam política e áreas mais relacionadas à política, tornam-se materialistas. E isto ocorre pelo simples fato que a ferramenta de poder mais obsoleta das 3 mencionadas aqui, é a religião institucionalizada, ou seja as igrejas, principalmente as "cristãs" nos países do ocidente. Seu controle sobre o povo é baseado em imposição de medo, em narrativas simplistas e acusações contra quem está fora de sua religião. A religião se apropriou da espiritualidade, no mínimo desde o século 5, após o cristianismo se tornar a religião do império romano no ano de 380: Pois 4 anos depois, os "cristãos" já estavam perseguindo quem praticasse uma espiritualidade diferente da sua. 

Levando-se em conta que no ocidente a esquerda esteve em desvantagem maior parte do tempo, desde o fim da 2ª guerra mundial, adivinha quem fracassa ao atacar toda e qualquer forma de espiritualidade? A esquerda, é claro. 

A direita serve primariamente aos empresários mais multimilionários - uma classe de pessoas que não precisa dar as caras e consegue comprar qualquer um e qualquer coisa. A direita se dá o luxo de se unir ou se separar da religião quando bem entender, ela não luta pela maioria, o que facilita muito o trabalho desta turma convencer as massas. 

A esquerda honesta em seus objetivos nada tem a ver com grandes líderes socialistas conhecidos na história da humanidade. Tais líderes viveram em sociedades muito diferentes de países ocidentais como o Brasil: Um estado constantemente manipulado por ricaços, que deveria gerir uma área gigantesca, repleto de pessoas empobrecidas e completamente desunidas. 

Os movimentos de esquerda que querem lutar por um país digno e progressista não podem se dar o luxo de generalizar. Não podem confundir quem são seus opressores. Seus opressores não são a espiritualidade, não são meros símbolos nem mitos ou ideias pueris. É possível crer em Deus e ser cientista ou ser a favor do progresso. É possível considerar que a mente (ou alma) exista além do corpo físico e não ficar espalhando obscurantismo e mentiras. Os verdadeiros opositores dos progressistas e da esquerda então são os poucos endinherados (principalmente os multimilionários) que andam em helicópteros e iates, bem guardados por propagadores de ódio e de sensacionalismo em diversas mídias e por indivíduos fardados sonhando com uma classe militar posando de guardiã da nação. 

Aqueles que querem lutar por dignidade e progresso, têm o mesmo objetivo dos que lutam pelo bem do próximo. Pouco difere dos ideais dos verdadeiros cristianismo e espiritismo. 

 Quando Jesus criticou os ricos (em mais de uma passagem da Bíblia), ele não o fez por birra: Não se adora grandes quantidades de riqueza material e à Deus ao mesmo tempo. Se o Deus é onipresente e ama todos seus filhos que fazem parte de sua criação (esqueçam as bizarrices do velho testamento), como alguém pode viver com uma quantia de bens suficientes para sustentar dezenas, centenas ou milhares de famílias e alegar ser cristão? Não é preciso ser religioso, nem espiritualista para ver o erro nisto, é só usar lógica. 

Quando o espiritismo diz que quem está sofrendo na Terra, está pagando por erros de outras existências, ele NÃO defende dar as costas para estes penados: Deve-se ajudar o próximo SEMPRE que possível e mais: O espiritismo também afirma que as grandes fortunas SÓ se justificam se utilizadas para o progresso da humanidade. Aqui está uma explicação resumida que não há NADA nos argumentos da direita que possa ser utilizado em prol da humanidade. O cristianismo e o espiritismo não pregam uma utopia na Terra, como faz a ideologia comunista, mas é claramente diferente dos argumentos da direita, ao rechaçar todo o acúmulo de riquezas materiais que não é usado para o bem da maioria da humanidade. 

Os ensinamentos espiritualizados, sejam de Sócrates, Platão ou de Jesus ou as informações juntadas por Kardec e seus companheiros, não são separáveis da ideia de progresso. Não existe progresso enquanto se prega rivalidade, nem quando se pratica a indiferença. Se você não consegue amar o próximo, se disponha a ouvir, respeitar e permitir o progresso para todos seres humanos. Se você já tem bens que sustentaria mais de uma família, comece a repensar sua existência conivente com a miséria alheia.

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Os Estudos e as Abordagens da Mente

 

Neste texto apresento uma lista resumida sobre os estudos da mente e/ ou do comportamento humano ao longo da história.

Psiquiatria - A Correção da Mente 

O termo psiquiatria significa correção (ou cura) da mente (do grego ψυχή, ou seja, psychê, que significa alma) e refere-se a uma especialização da medicina. Essencialmente, esta área de estudo surgiu de opiniões que consideravam os comportamentos diferentes do padrão da sociedade ocidental oriundos de alterações em determinadas partes do corpo - geralmente do sistema nervoso. Apesar de ser uma especialização da medicina, ao estudar (história das) psicopatologias e neurociências é possível notar que são citados os principais influenciadores da psiquiatria, mas nenhum fundador específico. Embora médicos da antiguidade sejam quase aclamados (Hipócrates e posteriormente, Galeno), a psiquiatria em si parece começar a surgir na era moderna, mais precisamente durante o iluminismo europeu (século 18, com grande influência do médico Philippe Pinel). A tentativa de humanizar os "hospícios", após o ano de 1778, marcaram o início desta área da medicina. Obviamente a humanização se deu pela diminuição da crueldade, da indiferença e da insensibilidade para com os pacientes "internados" (aprisionados, na verdade), pois gradativamente, foram-se banindo as seguintes práticas: acorrentamento, ducha gelada, choques elétricos etc. Embora começou-se a teorizar sobre doenças mentais nesta época, é importante notar que muitos dos pacientes ou prisioneiros, eram simplesmente gente rejeitada pela sociedade, como por exemplo, mendigos, prostitutas e pessoas que alegavam perceber frequentemente fenômenos sobrenaturais. 

Apesar das boas intenções de alguns médicos psiquiatras, muitas das classificações de comportamentos criadas neste campo de estudo foram altamente preconceituosas até as duas primeiras décadas do século 20. Em alguns lugares do mundo, hospícios permaneceram locais de confinamento com uma gestão que variava entre insensível e cruel até a segunda metade do século 20, pois as tentativas de humanizar os estudos e tratamentos de pessoas com problemas psíquicos ocorreram de maneira bem lenta durante cerca de 3 séculos. No Brasil, é possível considerar que, em linhas gerais, a reforma psiquiátrica se deu entre os anos de 1968 e 2001.

Após a década de 90 do século 20, a psiquiatria passou a sofrer clara influência da farmacologia. Em 2015, ao lançar o DSM-5 (5º Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais), a psiquiatria multiplicou o número de transtornos e diagnósticos de maneira exagerada, favorecendo de maneira proposital ou acidental o aumento do consumo (e obviamente do comércio) de medicamentos. 

Estruturalismo - 1855  (Teoria Germânica) 

Atribuída a Wilhelm Wundt, que foi o “pai” da psicologia experimental, o estruturalismo afirmava que o objeto de estudo deveria ser o pensamento mental consciente. Wundt pretendia, através da introspecção (autopercepção, de acordo com a tradução de Saulo de Araújo) estudar as emoções e os sentimentos de cada pessoa, permitindo a cada pessoa conhecer-se mais profundamente. Pode dizer-se que uma pessoa é constituída pelos seus sentimentos e sensações, que organizados constituem a sua consciência do ponto de vista estrutural. Visava os estados estruturais da consciência. Quais eram as estruturas do sistema nervoso central. 

Os Estudos Espíritas - A Mente além do Corpo (1857)

Em 1855, o tradutor e professor francês, Hippolyte Léon D. Rivail, se interessou sobre os fenômenos das mesas girantes. Após alguma experiência classificada como mediúnica (de contato com uma mente incorpórea) por volta de 1857, Rivail passou a assumir o pseudônimo de Allan Kardec, descrita como uma entidade que conhecera Rivail numa outra encarnação. 

Tendo iniciado a publicação das obras de Codificação em 18 de abril de 1857, quando veio à luz O Livro dos Espíritos, considerado como o marco de fundação do Espiritismo, após o lançamento da Revista Espírita / Jornal de Estudos Psicológicos (1 de janeiro de 1858), Kardec fundou, nesse mesmo ano, a Sociedade (Pariense de Estudos) Espírita(s). 

Em uma de suas revistas de 1861, Kardec escreveu: 

(…) o Espiritismo, restituindo ao Espírito o seu verdadeiro papel na criação, constatando a superioridade da inteligência sobre a matéria, apaga naturalmente todas as distinções estabelecidas entre os homens segundo as vantagens corpóreas e mundanas, sobre as quais o orgulho fundou castas e os estúpidos preconceitos de cor. O Espiritismo, alargando o círculo da família pela pluralidade das existências, estabelece entre os homens uma fraternidade mais racional do que aquela que não tem por base senão os frágeis laços da matéria, porque esses laços são perecíveis, ao passo que os do Espírito são eternos. Esses laços, uma vez bem compreendidos, influirão pela força das coisas, sobre as relações sociais, e mais tarde sobre a Legislação social, que tomará por base as leis imutáveis do amor e da caridade; então ver-se-á desaparecerem essa anomalias que chocam os homens de bom senso, como as leis da Idade Média chocam os homens de hoje… 

Por diversas causas, o espiritismo enfrentou enorme resistência desde cedo. Apesar de um dos principais motivos de críticas ser o charlatanismo de alguns médiuns, outros motivos eram as rixas entre religião e ciência e a imposição de métodos com pressupostos materialistas (como o empirismo) como única forma de aquisição e formação de conhecimento. Alguns cientistas tentaram provar a inexistência de espíritos e de eventos relacionados ao contato com uma "dimensão espiritual", porém seus métodos e bases de estudo sequer consideravam a possibilidade de uma mente (inteligência, sentimentos) capaz de viajar além do espaço-tempo, então os resultados destas "pesquisas" foram simples negações do espiritismo. 

Importante notar que o espiritismo surge como um método de estudo que admitia a religiosidade (na época pouco ou nada se dizia da palavra espiritualidade) e, desta forma, considerava as experiências religiosas como fenômenos oriundos dos espíritos ou de uma dimensão espiritual, manifestadas através de forças pouco entendidas até então, como o eletromagnetismo. 

Do ponto de vista religioso, o espiritismo tem base cristã, mas traz algumas semelhanças com outras religiões e filosofias que levam em consideração a reencarnação e dá grande importância ao progresso da humanidade. O espiritismo também foi posteriormente considerado racista, porém mesmo que alguns textos de Kardec tenham algum viés neste sentido, tais fatos não passariam do pensamento típico da civilização europeia de sua época. 

Nota-se que até então, todas as experiências descritas como sobrenaturais, sejam elas, visões de espíritos (inclui anjos e demônios), mediunidade (contato ou comunicação com espírito), cura pela imposição das mãos, exorcismos (desobsessões), sonhos proféticos, êxtases espirituais, milagres e tantas outras descritas através dos milênios, seriam classificadas como meras mentiras (charlatanismo) ou loucura (alucinação, esquizofrenia etc) caso não fossem classificadas pelos estudos espíritas. 

Obviamente, isto ocorreu porque a ciência em 1857 (e ainda em 2021) utiliza como base teórica / filosófica o monismo (materialista ou eliminativo) e como método, o empirismo. E claro, como já mencionei em outros textos, apesar de sua importância, tais bases e métodos praticamente não explicam possíveis seres transdimensionais (além da curvatura espaço-tempo), nem o que ainda não pode ser detectado pelos (cinco) sentidos humanos. A ciência com tais alicerces filosóficos e metodológicos ainda se mostra incapaz de explicar possíveis outras dimensões, e, por se basear na possibilidade de reproduzir / repetir experiências, deve permanecer incapaz de explicar seres ou inteligências capazes de viajar entre dimensões (que em prática seria aparecer e sumir).

Funcionalismo - 1890 (Teoria Estadunidense) 

O funcionalismo foi criado a partir das obras de William James, que defendia que os psicólogos deveriam utilizar a introspecção, de maneira a estudar o funcionamento dos processos mentais e outros temas como os processos mentais das crianças, dos animais, a anormalidade e as diferenças individuais entre as pessoas. Na opinião de William James, o homem realizava as suas ações, com base na função que desempenhava na sociedade. O estudo da consciência se fazia presente. Embora, assim como o behaviorismo, esta teoria da mente tivesse a mesma base da psicologia experimental de Wundt, ela se desenvolveu de modo independente, pretendendo eliminar as tendências eliminativas.

Psicanálise - 1891 (Abordagem "Austríaca/Checa/Morávia") 

A teoria da psicanálise, também conhecida por “teoria da alma”, foi criada pelo neurologista austríaco Sigmund Freud (1856 – 1939). De acordo com Freud, grande parte dos processos psíquicos da mente humana estão em estado de inconsciência, sendo estes dominados pela libido. Esta "energia psíquica" é composta pelas pulsões de vida (principalmente desejos sexuais) e de morte (desejos de eliminar ameaças e competidores). Os desejos, as lembranças e os instintos reprimidos estariam “armazenados” no inconsciente das pessoas e, através de métodos de associações, o psicanalista – profissional que pratica a psicanálise – conseguiria analisar e encontrar os motivos de determinadas neuroses ou a explicação de certos comportamentos peculiares dos seus pacientes, por exemplo. 

Em 1880, o médico Josef Breuer, aliviou os sintomas de depressão e hipocondria (chamada de histeria na época) de sua paciente Bertha Pappenheim, após induzí-la a lembrar-se de experiências traumatizantes sofridas por ela em seu passado. Para isso, Breuer utilizou a hipnose e seu novo método chamado de terapia da conversa. O psiquiatra e neurologista austríaco, Sigmund Freud, passou a estudar este caso juntamente com Breuer e entre os anos de 1893 e 1895, estruturou as bases da psicanálise. Freud percebeu que muitos pacientes escondiam de si mesmos (reprimiam) pensamentos, desejos e sentimentos que eram difíceis de lidar, seja por vergonha, por nojo ou por pressões sociais. Esta repressão de elementos psíquicos, juntamente com o estudo dos sonhos, ajudou a Freud teorizar o inconsciente da mente humana. 

Ainda que Freud buscasse uma aproximação com a biologia ao dar ênfase às pulsões de vida (como a sexualidade sendo manifestação da libido, uma necessidade da reprodução da espécie) ele parece ter se apoiado em uma base filosófica dualista (ao menos aparentemente), pois a mente não estava localizada em parte alguma do corpo (cérebro, por exemplo) nem nas relações, como afirmam teorias de base monista. Este foi um dos principais pontos da psicanálise criticados por psicólogos experimentais (e posteriormente pelos behavioristas).

Como Freud buscava se aproximar das ciências biológicas, mesmo com sua base ontológica dualista, ele desconsiderou a possibilidade da existência das experiências espirituais (êxtase, mediunidade, visões religiosas etc).  Além disto, ao estudar a sexualidade e ao considerar o homossexualismo e o bissexualismo como coisas naturais, Freud sofreu forte rejeição dos conservadores, seja entre cientistas ou entre outras classes da sociedade de seu tempo. Apesar das críticas, a psicanálise foi crescendo e sendo aceita por vários médicos, entre eles o jovem suíço Carl Gustav Jung.

Associacionismo - 1899 (Teoria Estadunidense) 

O associacionismo foi criado por Edward Lee Thorndike e é resultante de um processo de associação de ideias, das mais simples às mais complexas, resultando assim nas diversas ações humanas. Nesta teoria da aprendizagem, surgiu a lei de causa-efeito, e acerca dela, Edward Lee Thorndike realizou diversas experiências com animais, com vista a conseguir prová-la. Nas suas experiências, ele observou que se desse alguma recompensa aos animais conseguiria que eles fizessem o que ele queria, e na sua opinião, o comportamento humano, nesta vertente, assemelhava-se ao comportamento animal. Esta teoria é contemporânea de John B. Watson e influenciou o behaviorismo.

Fenomenologia - 1907 (Filosofia Germânica/ Frente Psicológica

A Fenomenologia, de Husserl, ao invés de apenas racionalizar ou experimentar, busca entender como o fenômeno ocorre, a essência das coisas e a própria consciência): Rompe (nasce do contra-ponto) com as bases filosóficas anteriores da ciência, buscando uma renovação. Afinal a verdade não está no “meu pensamento”, como afirmaria o racionalismo nem na experiência como indicaria o empirismo. 

Husserl publica Ideen em 1907, onde explica o método da redução eidética, e Da Filosofia Fenomenológica em 1913; A fenomenologia não é precisamente uma teoria psicológica, mas serviu de base para diversas abordagens psicológicas como a Daseinanálise, a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), a Logoterapia e a Gestalt Terapia. 

Embora a fenomenologia proponha estudar fenômenos (como diz a própria etimologia da palavra), não parece haver um consenso se sua teoria e seu método de investigação fazem parte da ciência ou da filosofia.

Psicologia Analítica (Abordagem "Suíça") 

Jung começou como um pupilo de Freud, mas ambos cortaram relações após Jung tirar a ênfase do desenvolvimento sexual da libido em 1913. Freud também não concordava com a ideia de Jung de que fenômenos religiosos devessem ser estudados com a possibilidade de não serem patológicos. Isto possivelmente fez de Jung (e a sua psicologia analítica) o primeiro profissional da saúde mental a não categorizar toda vasta gama de experiências "religiosas/ transcendentais" como doença (ou, mais especificamente, transtorno), deixando a questão em aberto. Jung alega usar o empirismo quando for possível estudar determinado fenômeno desta maneira, caso contrário ele usa investigações mais reflexivas. Ele também notou que o inconsciente esconde muito mais do que desejos reprimidos e impulsos de vida e de morte. De acordo com Jung, os sonhos que ocorrem no inconsciente, não eram apenas fachadas como Freud dizia: eles podem conter significados, indicando uma busca de equilíbrio entre a vida consciente e desejos/ necessidades inconscientes de cada pessoa. Além disto, Jung teorizou um inconsciente mais profundo, onde grupos de seres humanos poderiam compartilhar elementos psíquicos, possivelmente de origem genética. 

O inconsciente humano também poderia ter elementos que independem do espaço/tempo e concentrar variados complexos (e não só o complexo de Édipo da psicanálise). Estes complexos podem ter origem mais antiga do que a infância e a vida intra uterina, surgindo do inconsciente coletivo e/ou de fatores genéticos. Assim, os complexos seriam configurações de interpretações e gostos que podem crescer até tomar parte significante da mentalidade do indivíduo. 

As bases da psicologia analítica são vastas, mas em suma, Jung também considerava deixá-las de lado (suspensas) durante os tratamentos/ terapia conforme a necessidade de cada paciente. Assim era possível priorizar o paciente e sua realidade, em geral, buscando fazer com que este concluísse o processo de individuação, atingindo um significado em sua vida, a partir de um equilíbrio entre elementos do inconsciente com a consciência. 

Comportamentalismo (Behaviorismo, Frente Psicológica Estadunidense) 

Esta teoria também conhecida como teoria de estímulo-resposta foi criada por John Watson (1878-1958) numa época em que dominava a filosofia e o estudo do consciente. John Watson defendia que a psicologia se deve limitar ao estudo dos comportamentos observáveis, portanto um dado estímulo pode ser a causa de determinada resposta e essa mesma pode ser precedida deste. John Watson acreditava que um estímulo provoca sempre a mesma resposta pelo que não só seria possível prever os comportamentos, mas igualmente controlar a produção desses comportamentos. Ele defendia também que a genética não tem qualquer influência sobre os seres vivos, mas sim apenas e só o meio em que estão inseridos (o ser humano nascia como uma "tabula rasa", sem predisposições). 

A partir dos estudos de Watson e do fisiologista Ivan Pavlov, Skinner (1904-1990) desenvolveu a Análise do Comportamento, cuja tinha como base a filosofia denominada de Behaviorismo Radical. Embora pareça que Watson usou o dualismo como base ontológica, e Skinner, o monismo materialista, muitos estudiosos citam que ambos usaram o monismo eliminativo. Para Skinner, que buscou apoiar-se no modelo evolucionista publicado no século 19 por Darwin, a mente é uma ficção (psíquica), uma analogia com que se passa no ambiente físico. Skinner chamou os processos internos da mente de comportamento e foi crítico dos conceitos de livre arbítrio e da psicanálise, especialmente de Freud. 

Estes autores são considerados os principais da "1ª onda do comportamentalismo", embora a 2ª onda, chamada de Terapia Cognitiva Comportamental (TCC), não suprimiu os estudos e as práticas baseadas nos autores anteriores.

Em suma, a TCC separa-se da base ontológica / teórica da Análise do Comportamento, pois foca nos processos internos da mente, assumindo um modelo aparentemente dualista da mente (uma porção abstrata formada por interpretações e informações e outra física, ligada ao cérebro, ao sistema nervoso etc). Após a TCC, surge uma 3ª onda, mas que ainda não se propagou de maneira tão ampla como as anteriores, então não será abordada neste texto.

Logoterapia, a Terapia do Significado ("Abordagem Austríaca") 

Viktor Frankl era um psiquiatra quando foi preso nos campos de concentração alemães durante a segunda guerra mundial. Após escapar com vida desta experiência muito sofrida, ele desenvolveu a Logoterapia, uma abordagem psicológica com base no método fenomenológico. 

Em seu livro Em Busca de Sentido, ele traz alguns relatos de sua vivência nos campos nazistas: 

..." presenciei algo que, embora me fosse de certa forma afim do ponto de vista profissional, eu jamais conhecera na vida normal: uma sessão espírita. O médico-chefe do campo, que teve o palpite de que eu era um psicólogo profissional, convidou-me para uma reunião altamente secreta no pequeno compartimento em que morava, na enfermaria. Reuniu-se ali um pequeno círculo no qual também se achava (em flagrante infração do código) o suboficial de saúde de nosso campo. Um colega estrangeiro começou a conjurar os espíritos numa espécie de reza. O secretário da enfermaria estava sentado frente a uma folha de papel em branco, devendo segurar um lápis sobre a mesma, sem qualquer intenção consciente de escrever. No curso de dez minutos - ao fim dos quais a sessão foi interrompida com a alegação de terem falhado os espíritos ou o médium - seu lápis foi traçando muito lentamente algumas linhas sobre o papel, as quais podiam ser claramente decifradas como VAE VICTIS. Afiançou-se que o secretário jamais aprendera latim nem tampouco teria ouvido as palavras VAE VICTIS (ai dos vencidos!)." Se alguém me perguntasse, eu diria que, sem saber, ele já devia ter ouvido estas palavras alguma vez em sua vida, assim como também a respectiva tradução; e a nossa situação de então, poucos meses antes da nossa libertação, ou seja, do final da guerra, ensejava ao "espírito" (espírito do seu subconsciente) pensar justamente nessas palavras..." 

No início deste parágrafo Viktor Frankl tinha um interesse profissional em sessões espíritas. A informação que Frankl tinha do evento era que o secretário da enfermaria (o possível médium diante a folha de papel) não conhecia o idioma latim e nem conhecia as palavras escritas no papel. Porém a opinião de Frankl mostra uma visão mais científica empirista deste evento: Sem evidências perceptíveis pelos 5 sentidos humanos, ele opta por negar a possibilidade do contato mediúnico, ao afirmar crer que o secretário da enfermaria deve ter escutado tais palavras alguma vez na vida; por outro lado ele não nega o inconsciente, dizendo que o secretário devia saber do resultado ou das consequências da guerra que estava prestes a acabar em alguns poucos meses. 

A fuga para dentro de si 

Apesar de todo o primitivismo que toma conta da pessoa no campo de concentração, Viktor Frankl percebeu alguns indícios de uma expressiva tendência para a vivência do próprio íntimo. 

"Pessoas sensíveis, originalmente habituadas a uma vida intelectual e culturalmente ativa, dependendo das circunstâncias e a despeito de sua delicada sensibilidade emocional, experimentarão a difícil situação externa no campo de concentração de forma, sem dúvida, dolorosa; esta, não obstante, ter para elas efeitos menos destrutivos em sua existência espiritual. Pois justamente para essas pessoas permanece aberta a possibilidade de se retirar daquele ambiente terrível para se refugiar num domínio de liberdade espiritual e riqueza interior. 

Esta é a única explicação para o paradoxo de às vezes, justamente aquelas pessoas de constituição mais delicada conseguirem suportar melhor a vida num campo de concentração do que as pessoas de natureza mais robusta. 

Para tornar este tipo de experiência mais ou menos compreensível, vejo-me outra vez obrigado a reportar-me a coisas pessoais. Recordo-me de quando saíamos do campo, de manhã cedo, marchando rumo à "obra". Ouve-se uma voz de comando: "Grupo de trabalho Weingut, marchar!!! Esquerda, 2, 3, 4, esquerda, 2, 3, 4! Cabo de fila, lateral! Esquerda - esquerda - e - esquerda - boinas fora!" 

Estes os brados que a memória faz ressoar em meus ouvidos. Ao grito de "Boinas fora!" passamos pelo portão do campo. Os refletores estão focados sobre nós. Quem não marchar ereto e bem alinhado na fileira de cinco homens, pode contar com um pontapé – e haverá algo pior para quem, pensando em se resguardar do frio, ousar cobrir de novo as orelhas com a boina, antes que a voz de comando o autorize. Prosseguimos na escuridão, aos tropeços, sobre as pedras e longas poças d'água na zona de acesso ao campo. Os guardas de escolta ficam berrando e nos espicaçam com a coronha de seus fuzis. Quem tem os pés muito feridos, dê o braço ao seu companheiro ao lado, cujos pés doem um pouco menos. Mal e mal trocamos alguma palavra; o vento gelado antes de nascer o sol não o permite. Com a boca escondida atrás da gola da capa o companheiro que marcha ao meu lado murmura de repente: "Se nossas esposas nos vissem agora...! Tomara que estejam passando melhor no campo de concentração em que estão. Espero que não tenham idéia do que estamos passando." E eis que aparece à minha frente a imagem de minha mulher." 

Quando nada mais resta 

Viktor Frankl continua contando que aos tropeços, ele e os demais detentos seguiram vadeando pela neve ou resvalando no gelo, constantemente se apoiando um no outro, erguendo-se e arrastando-se mutuamente quilômetros a fio. Eles não conversavam mais durante esse percurso, preferindo pensar em seus respectivos entes queridos. 

Frankl diz que seu espírito se agarra a "imagem" de sua mulher com uma fantasia incrivelmente viva, que ele não conhecera antes em sua vida normal. Ele "conversava em pensamento" com a esposa e a via responder e sorrir. Real ou não, o olhar de sua esposa exigia e o animava ao mesmo tempo. Viktor Frankl considerou pela primeira vez na vida estar experimentando a verdade daquilo que tantos pensadores ressaltaram como a quintessência da sabedoria: a verdade de que o amor é, de certa forma, o bem último e supremo que pode ser alcançado pela existência humana. Ele passou a entender as coisas últimas e extremas que podem ser expressas em pensamento, poesia - em fé humana: a redenção pelo amor e no amor! 

Passou a compreender que a pessoa, mesmo que nada mais lhe reste neste mundo, pode tornar-se bem-aventurada - ainda que somente por alguns momentos - entregando-se interiormente à imagem da pessoa amada. Na pior situação exterior que se possa imaginar, numa situação em que a pessoa não pode realizar-se através de alguma conquista, numa situação em que sua conquista pode consistir unicamente num sofrimento reto, num sofrimento de cabeça erguida, nesta situação a pessoa pode realizar-se na contemplação amorosa da imagem espiritual que ela porta dentro de si da pessoa amada. 

Nesta experiência, Frankl diz que entendeu a afirmação: "Os anjos são bem-aventurados na perpétua contemplação, em amor, de uma glória infinita. . ." 

Em um momento, quando seus companheiros caem e o guarda avança castigando-os, a vida contemplativa de Viktor Frankl é interrompida por alguns segundos. Mas ao abrir e fechar de olhos mais uma vez, ele direciona sua consciência salvando-se mais uma vez do aquém, da existência prisioneira, para um além que retoma mais uma vez o diálogo com o ente querido: "Eu pergunto - ela responde; ela pergunta - eu respondo." Frankl e seus companheiros chegam ao local da obra. E, sob ofensas dos guardas, todos se precipitam para dentro do galpão às escuras para arrebanhar uma pá jeitosa ou uma picareta mais firme. Eles voltam ao exterior e começam a trabalhar calados e sofrendo com o frio. Mais uma vez a mente (Viktor usa o termo espírito) se apega à imagem da pessoa amada e continua falando com ela, e ela continua falando com ele. De repente ele percebe que não sabe se sua amada está viva e naquele momento entende que o amor pouco tem a ver com a existência física de uma pessoa. Pois durante o período do campo de concentração não se podia escrever nem receber cartas. "Ele (o amor) está ligado a tal ponto à essência espiritual da pessoa amada, a seu "ser assim" (nas palavras dos filósofos) que a sua "presença" e seu "estar aqui comigo" podem ser reais sem sua existência física em si e independentemente de seu estar com vida".  De qualquer maneira, as circunstâncias externas não conseguiam mais interferir em seu amor, em sua lembrança e na contemplação amorosa da imagem espiritual da pessoa amada. Viktor Frankl concluiu essa experiência da verdade com a seguinte citação: "põe-me como selo sobre o teu coração... porque o amor é forte como a morte." (Cântico dos Cânticos 8.6). 

Viktor Frankl segue seus relatos citando mais casos de dificuldades e sofrimentos dos prisioneiros. Aqueles que se agarram a algo que os aliviam psiquicamente, se agarram ao futuro ou a alguma forma de espiritualidade. Boa parte dos relatos soam poéticos ainda que trágicos se formos priorizar a vida destas vítimas da guerra na Terra. 

Na situação extrema de miséria e opressão nos campos de concentração da 2ª guerra mundial, os prisioneiros que não se agarravam ao futuro/ à espiritualidade, ou adoeciam e morriam no desespero ou se tornavam animalescos, competitivos e egoístas. Um pequeno número destes últimos recebiam uma "promoção" dos nazistas ao posto de capo", uma espécie de capataz dos campos de concentração. A maioria esmagadora destes dois últimos grupos, adoecia e morria em algum tempo: Era praticamente uma sentença de morte direcionar expectativas ao mundo material em condições de miséria tão extrema, onde faltavam-lhes alimento, higiene, sono, afeto, tranqüilidade e, portanto, saúde: Uma hora as condições psíquicas decaíam tanto a ponto de acelerar o processo de adoecimento, trazendo a morte... 

A Logoterapia de Viktor é uma terapia alternativa de base fenomenológica. Ela foi considerada pelo próprio autor, como adequada às pessoas que estão passando por um significante sofrimento psíquico, mas não para casos mais graves considerados psicopatológicos. Além disto, Frankl diz que ela pode ser usada em conjunto com outras abordagens, como por exemplo, a psicanálise, pois não foi feita para substituir nenhuma abordagem psicoterapêutica. 

Gestalt Terapia (Abordagem) 

Gestaltismo foi desenvolvido por Kurt Koffka, Max Wertheimer e Wolfgang Kohler pela necessidade da existência de uma teoria que, não esquecesse o valor e a necessidade da experimentação científica. Os seus fundadores consideravam o objetivo da Psicologia como sendo o estudo da experiência de um organismo, no seu todo, com ênfase na percepção, ocupando-se da análise dos elementos essenciais que existem nos processos de organização, reunindo os elementos da experiência numa unidade complexa. A compreensão do ser humano se dá pela totalidade. “O todo é mais que a soma das partes”. A partir do gestaltismo, o psicanalista Fritz Perls e o grupo dos 7 fundaram a gestalt-terapia em 1951. 

Quem define o que é ciência? Quem define o que é verdade? 

Em epistemologia, pressupostos dizem respeito a um sistema de crença, ou Weltanschauung, e são, ao menos, supostamente necessários para que um valor fundamental, existencial e/ou normativo faça sentido. A própria palavra pressuposto, em sua etimologia, significa supor algo anterior. 

O bule de chá de Russell, eventualmente chamado de bule celestial, é uma analogia criada pelo filósofo Bertrand Russell (1872–1970) para defender a ideia da falseabilidade. Este último foi um conceito proposto pelo filósofo Karl Popper na década de 30, contra o raciocínio que se apoia em indícios para chegar a uma causa... É possível que tais argumentos foram desenvolvidos meramente para defender o ateísmo e o monismo materialista como base filosófica para as ciências. 

Os críticos do argumento do bule afirmam que a analogia do Bule de Russell não se sustenta porque parte de uma premissa errada. Respondendo à invocação do "Bule Celestial" de Russell como evidência contra a religião, o filósofo Peter van Inwagen argumenta que, embora o bule de Russell seja uma bela peça de retórica, sua forma lógica de argumento é menos do que clara... Enfim, existem diversos críticos a esta "base filosófica" que não parece priorizar nem a possível vastidão de conhecimento (além do espaço-tempo etc) nem o bem da humanidade. Afinal os argumentos destes filósofos do início do século 20, menosprezam práticas profissionais e teorias e de estudo que deixam questões em abertas: A psicologia analítica (e possivelmente todas as psicoterapias da frente psicanalítica e fenomenológica), a teoria geral dos sistemas etc. Também não é difícil ver como a psiquiatria passou a se apoiar nesse sistema de crenças para classificar todas as experiências "transcendentais" (mediunidade, psicografia, êxtase espiritual etc) como patológicas. 

 Mesmo os estudos empíricos feitos com base no monismo materialista, foram capazes de descobrir e explicar diversos fenômenos desde o século 18, SEM o auxílio destes pressupostos (a falseabilidade e a peculiar retórica do bule celestial). Afinal, métodos de estudo alicerçados no monismo materialista (empirismo por exemplo), são apropriados para estudar a matéria perceptível pelos 5 sentidos humanos, é óbvio. Porque o empirismo (ou qualquer método monista materialista) deveria explicar qualquer coisa relacionada a Deus, a fé, ou os pensamentos e sentimentos? Como já mencionei em algum outro texto, tais métodos e bases de estudo, talvez nem consigam explicar o que há por trás e/ou além de distorções no espaço/tempo. Qual a utilidade de um cientista querer provar a inexistência de espíritos, de outras dimensões ou de Deus? Oras, se há uma crítica importante a se fazer ao meio religioso, os métodos objetivos devem apontar problemas no mundo material, no espaço-tempo conhecido, e não "no além". Todos sabem que a corrupção seja na economia, na política ou na religião, visa benefícios para certos indivíduos aqui na Terra, em vida, então as críticas devem ser feitas a tais indivíduos ou as relações de poder e não às experiências transcendentais nem às teogonias etc. 

Sendo assim, uma crítica importante é: Estes argumentos do bule celestial e da falseabilidade que servem de verdade absoluta e dogmática para muitos dos cientistas materialistas (desde o início do século 20), ainda são necessários? 

Ao invés de uma estúpida disputa entre ciência, religião e filosofia, todos esses campos do saber seriam úteis e verdadeiros se servissem para o bem da humanidade. 

Espero que a humanidade descubra isso e abandone o fanatismo, seja na religião, no ateísmo disfarçado de ciência ou em qualquer outra base filosófica / argumento. 

ANDERY, Maria Amalia. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica . 4. ed., rev. Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2014. 435 p. ISBN 8528300978 (broch.). 

FRANKL, Viktor E., Em Busca de Sentido. LeLivros, 1984. 

JUNG, Carl G., Fundamentos da Psicologia Analítica. Tradução de Araceli Elman; Vozes, 1985. 

BOCK, Ana M.B.; Furtado, O. e Teixeira, M.L. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo: Saraiva.

domingo, 31 de outubro de 2021

História da Psicologia e suas Bases Filosóficas

 

Há milhares de anos atrás, desde que o Homem se percebeu como um ser pensante, inserido em um complexo que chamou de Natureza, ele vem buscando respostas para suas dúvidas e fatos que comprovem e expliquem a origem, as causas e as transformações do mundo. 

Com o passar do tempo, o interesse pela conduta e pelo comportamento humano, foi aumentando e teve o desenvolvimento humano e social como pauta desde a origem. 

Mitos 

As verdades sobre a natureza humana eram narradas através dos mitos. Registros sobre os mitos devem existir ao menos desde as antigas civilizações mesopotâmicas e as primeiras dinastias egípcias - Mas considerando que em sua origem, os mitos devem ter sido transmitidos oralmente, talvez eles sejam muito mais antigos do que a escrita que foi desenvolvida por volta de 3500 a.C (em meados do 4º milênio antes de Cristo). 

Obviamente os conjuntos de mitos, conhecidos como mitologias, não eram chamados assim nas épocas em que foram utilizados e propagados nas civilizações. Estes conjuntos de contos eram essencialmente sistemas religiosos que continham divindades / seres espirituais e suas respectivas inter relações. Na maioria das mitologias, os deuses foram os criadores do mundo e/ou do universo e mantinham alguma hierarquia entre si. Além disto, as mitologias também continham simbolismos (símbolos e linguagem simbólica), práticas místicas (desde celebrações até rituais) e até alguns fatos históricos geralmente misturados com os elementos tidos como sobrenaturais ou transmitidos por narrativas fabulosas/ espetaculares. 

Nascimento da filosofia (Amizade pelo saber) 

Em busca por respostas para questões sempre crescentes numa sociedade em desenvolvimento, passou-se a adotar cada vez mais o uso da razão, questionando muitos dos antigos mitos. Através da Filosofia grega, que foi instituída no ocidente por volta do século VII a.C (7 antes de Cristo), foi-nos possível conhecer as bases e os princípios fundamentais de conceitos que conhecemos como: razão, racionalidade, ética, política, técnica, arte, física, pedagogia, cirurgia, cronologia e, principalmente o conceito de ciência. 

Entre os filósofos gregos surge a primeira tentativa de sistematizar a psicologia. 

Naturalistas ou Pré socráticos: 

Entre o final do século VII a.C e o século VI a.C (6 antes de Cristo), os filósofos helênicos (gregos) discutem a relação com o mundo através da percepção. Ao menos alguns destes filósofos tiveram contato com a cultura de outras nações: 

Anaxágoras era um filósofo "greco-persa", pois viveu parte de sua vida na Anatólia sob domínio do Império Persa Aquemênida. 

Estima-se que Pitágoras tenha viajado para o Egito e para a babilônia, pouco antes desta última cair sob domínio Persa Aquemênida. Seus ensinamentos possuem clara similaridade com elementos da cultura egípcia. 

Os questionamentos típicos destes filósofos eram: “ O mundo existe porque o homem vê ou o homem vê o mundo que já existe”. 

Socráticos - Séculos IV a.C e III a.C (4 e 3 antes de Cristo): 

O filósofo grego, Sócrates (470 - 399 a.C.), ficou famoso ao ter seus ensinamentos registrados por seu pupilo Platão. Sócrates questionava a mitologia popular grega, principalmente seus contos de violência, paixão incontida e perversidade. Apesar de questionar vários pontos do sistema religioso, Sócrates não negava a religião. 

A principal característica de seus ensinamentos é a razão (o que separa o homem dos animais) e uma busca pelo bem, ou por um bem maior, como um Deus único, não muito diferente do conceito de Nous, a mente cósmica, popularizada por Anaxágoras. 

Usando um método próprio, chamado de maiêutica (Trazer à Luz - fazer parir), que partia de perguntas feitas às pessoas, ele fazia com que elas "parissem as suas próprias ideias" sobre as coisas. Comparava a sua técnica filosófica, a qual acreditava que ajudava a existência humana à aperfeiçoar seu espírito. Para Sócrates as etapas do saber são quatro: 

Ignorar a sua própria ignorância; 

conhecer a sua Ignorância; 

Ignorar o seu saber; 

conhecer o seu saber. 

Sócrates dividia a mente (chamada de alma) em dois "níveis" e um estado intermediário: 

A mente inferior responsável pelos impulsos mais grosseiros do ser humano, como a voracidade, a violência, o desejo sexual, a incontinência... Tais características são nítidas em animais que vivem pelos impulsos básicos por exemplo: sempre buscam alimentos, disputam por parceiros sexuais para reprodução da espécie etc; 

O estágio intermediário surge quando o ser humano satisfaz seus desejos rudimentares. É um estado mais tranquilo, de repouso, onde a mente inferior eleva-se encontrando alguma paz. Porém para a mente superior este é um estado inferior, de pouco interesse, de tédio e inércia. 

A mente superior é a que está buscando o conhecimento, as belezas mais puras e as verdades, como o Bem. Também é a mente (ou porção desta) que tem o objetivo de controlar os impulsos selvagens e as atitudes nocivas, para o bem da pessoa. 

Sócrates descreveu a alma como a essência imortal, pois o que mais poderia se aproximar de destruir a mente era o vício, mas mesmo este não a destruía por completo. Sendo imortal, a alma existia em um ciclo de renascimentos, como a transmigração das almas ou a reencarnação. O objetivo então seria a alma aprender cada vez mais, eis a importância do conhecimento, da filosofia e da razão em seus ensinamentos. 

Outros temas importantes abordados por Sócrates foram as críticas aos sofistas e os estados da mente sobre determinados assuntos: A ignorância é quando a pessoa não conhece algum tema ou alguns assuntos e por qualquer motivo, não busca aprender nem entender. É a condição mais baixa da mente, pois é a que menos realizou progresso e a menos capaz de explicar fenômenos em geral; A opinião é quando a pessoa não conhece, ou tem apenas uma vaga ideia, sobre determinados temas, mas quer expressar suas interpretações. Aqui é preciso o cuidado de não expressar tal interpretação, caso isto vá prejudicar o que é bom, o que é verdadeiro e belo, pois a opinião não substituí o verdadeiro saber - o conhecimento. Os ensinamentos de Sócrates sobre a opinião fazem a ponte com suas críticas aos sofistas, pois estes pensadores eram especialistas em narrativas que se apoiavam na relativização, geralmente priorizando seu próprio bem, sem se importar com as consequências para os outros; O conhecimento é quando a pessoa estudou determinado tema, seja por experiência ou por observação, comparação e reflexão, dominando tal assunto. O verdadeiro conhecimento serve o que lhe é submisso, pois Sócrates explicava que, assim como a mente deve reger o corpo (e não o contrário), as artes e as ciências devem reger seus objetos de estudo, objetivando o bem destes, e de seus usuários. Esta é a natureza de todas as coisas, de acordo com Sócrates: O maior forte governa em prol do mais fraco, o superior rege em favor do inferior... 

Pós Sócrates, temos alguns filósofos cujas ideias são de extrema importância para que a Psicologia se destacasse. Por exemplo, Platão, Aristóteles e outros filósofos gregos preocupavam-se com muitos dos problemas que hoje cabe aos Psicólogos tentarem explicar: a memória, a aprendizagem, a percepção, a motivação, os sonhos e principalmente o comportamento anormal. 

Platão, de maneira fiel à Sócrates, punha a essência do homem na alma. A função do homem é a atividade da sua alma, que segue ou implica um princípio racional, daí sua famosa afirmação: "O homem é um ser racional". Embora Platão alegasse tudo começa no "mundo das idéias", este filósofo fazia uma explicação dualista da mente, pois a considerava de certo modo, independente e separável do corpo. 

Aristóteles argumenta que é a razão que controla os nossos atos e nela há o raciocínio a partir dos dados dos sentidos; contudo, para ele a relação sujeito-objeto era direta. 

Aristóteles definiu a diferença entre razão, sensação e percepção e escreveu o Peri Psychês, também conhecido como De Ânima, o primeiro tratado da psicologia. 

Por fim, Aristóteles modifica as explicações de Sócrates e Platão que consideravam "o mundo das ideias" como uma dimensão superior e original (ou anterior) em relação a matéria: Aristóteles considerava que praticamente tudo podia ser explicado a partir da matéria, esboçando as primeiras ideias do que viria a ser o empirismo, séculos mais tarde. 

Império Romano - Séculos IV e V (4 e 5) 

Durante a decadência do império romano, entre os séculos IV e V (354-430 d.C), Aurelius Agostinus Hipponiensis, ou Santo Agostinho, também fazia uma cisão entre corpo e alma, como Platão. A alma (psique) não era só a sede interior da razão mas tinha grande profundidade pois também era a manifestação divina de Deus no ser humano;

Idade Média - do Século VI ao XIII (6 ao 13) 

Na virada do século 10 ao 11, o polímata samânida (persa), Avicena, desenvolve o que é chamado de argumento do Homem Voador na Psicologia da Cura I, como defesa do argumento de que a alma não tem extensão quantitativa, o que tem afinidade com o argumento do cogito de Descartes (ou o que a fenomenologia designa como uma forma de "epoche"). A psicologia de Avicena exige que a conexão entre o corpo e a alma seja forte o suficiente para garantir a individuação da alma, mas fraca o suficiente para permitir sua imortalidade. 

No final do século XII, após os europeus e a igreja católica romana entrarem em contato com a proeminente cultura árabe-muçulmana (ainda que, muitas vezes, de maneira conflituosa), as obras de Aristóteles voltam a ser estudadas, dando origem à Filosofia Natural. O polímata almorávida, Averrois, fez alguns estudos em psicologia a partir da obra de Aristóteles. 

No século XIII, São Tomás de Aquino, foi buscar em Aristóteles a distinção de essência e existência. Considerava que o homem na sua essência busca a perfeição na sua existência. A busca da perfeição e da verdadeira felicidade do homem seria a busca de Deus. 

Renascimento - Século XIV, XV e XVI (14, 15 e 16) 

Chega ao fim, o sistema feudal que era predominante na Europa medieval e tinha o poder centralizado na Nobreza e no Clero, com base nas idéias de Ordem e Verdade absoluta; Com o fortalecimento dos burgueses e das companhias privadas, surge o mercantilismo, ou um "pré capitalismo": Países europeus começam as navegações e a exploração da natureza. 

O período de paz no norte da península itálica (Florença, Veneza...) e os últimos concílios da igreja católica fomentaram o avanço das artes e da filosofia. A filosofia natural vai perdendo espaço para outros movimentos como o neo platonismo e o humanismo. 

O desenvolvimento e a propagação da filosofia começa a sistematização do conhecimento científico. Copérnico, propaga a informação de que a Terra não é o centro do universo: O sol passou a ser o centro (do sistema estelar). Considera-se que a Revolução Científica foi o período entre 1543 com a publicação da "Revolução das Orbes Celestes" de Copérnico e 1687 com a publicação de "Principia" de Isaac Newton.

1620-1650 René Descartes cria o método racionalista, colaborando com a ciência: Postula a separação entre corpo e espírito de modo similar à Agostinho, mas centrou sua teoria no ato de pensar/ na racionalidade. O Corpo desprovido do espírito é apenas uma máquina. O conhecimento passou a ser tido como fruto da razão. 


 1ª Revolução Industrial e Iluminismo - Séculos XVII e XVIII (17 e 18) 

1679-1777 1ª fase da industrialização/ Revolução Industrial - Criação e uso dos motores à vapor;

Entre 1690 e 1757, filósofos britânicos como John Locke, incentivam avanço científico juntamente com o liberalismo econômico e o processo de industrialização (criação e uso de motores à vapor). Com uma proposta divergente da epistemologia de Descartes, é feita a consolidação do método empírico na ciência (filosofia natural na época); Questionando o dualismo de René Descartes, o monismo vai ganhando força como pressuposto filosófico das ciências. fomentando uma disputa entre materialismo e idealismo/mentalismo. Formula-se métodos de estudo, teorias e novos padrões de conhecimento;

1776-1789 O movimento intelectual e filosófico do iluminismo questiona o poder das aristocracias e das igrejas. Ocorrem a Independência dos EUA ante a Inglaterra e a Revolução Francesa; 

Avanço da anatomia e da fisiologia (o corpo não é mais um “objeto sagrado”); 

Começa a psiquiatria, uma especialização da medicina, com os primeiros estudos sobre "doentes mentais". 

Immanuel Kant escreve crítica à razão pura em 1781. Surge o Idealismo Transcendental, fazendo um tipo de conciliação entre o racionalismo de Descartes (mais mentalista) e o empirismo de Locke (mais materialista). De certo modo delineou a diferença entre filosofia natural e metafísica

Era Moderna - Século XIV (19) e início do Século XX (20)

O filósofo idealista, Hegel (1770-1831), demonstra a importância da história para compreensão do homem; O monismo mentalista/espiritualista ganha força "opondo-se" ao monismo materialista.

1816-1857 Augusto Conte fomenta o positivismo, buscando um suposto aumento do rigor científico; A ciência vai se tornando um sustentáculo da nova ordem econômica e social e aumenta o atrito entre conhecimento e fé. A partir daí, prega-se o aval da verdade só com ciência com questões como: "foi comprovado cientificamente?" Em 1834, o termo filósofo naturalista é substituído por cientista, inicialmente no Trinity College. Por consequência, a filosofia natural passa a ser entendida como ciência;

Bernard Bolzano cria as obras de paradoxo do infinito (1847) e doutrina da ciência (1837) trazendo uma nova compreensão da lógica aristotélica; Bolzano viria a inspirar Husserl; 

1858-1859 Darwin e Wallace apresentam a tese evolucionista "Sobre a tendência das espécies de formar variedades; e sobre a perpetuação das variedades e espécies através de meios naturais de seleção". Um ano depois, Darwin abala o antropocentrismo com a obra "Origem das Espécies" - possivelmente o materialismo reganhou uma força contra o idealismo: Esta disputa entre o monismo materialista e o idealista viria a ser criticada nas obras de Allan Kardec; 

1817-1860 Os temas da psicologia passam a ser investigados pela Fisiologia, Neurofisiologia e Neuroanatomia. Surgimento da máquina como referência para o funcionamento humano; São feitos os estudos sobre funcionamento do olho e percepção (psicologia) das cores - Descoberta da neuroanatomia dos reflexos. É desenvolvida a Lei de Fechner /Weber ("a resposta ao estímulo é proporcional ao logaritmo da intensidade do estímulo"). Gustav Feschner foi o fundador da psicofísica e é considerado "pai da psicometria". Delimita-se o campo de estudo, diferenciando-se da Filosofia e da Fisiologia, passando a definir objeto de estudo (o comportamento, a vida, a consciência); 

1858-1869 Allan Kardec cria a Revista Espírita - Jornal de Estudos Psicológicos. O espiritismo, que abrangia desde estudos sobre fenômenos psicofísicos tidos como sobrenaturais, até a filosofia cristã com sutil influência socrática/ platônica, foi altamente rechaçado nos anos seguintes na Europa e na América do Norte, devido a sua base filosófica dualista (ou pluralista) e devido aos charlatães que alegavam ser espíritas;

1855-1917 Começam os estudos da psicologia científica. Primeiro Laboratório experimental (estimulação sensorial) de Wilhelm Wundt; Apesar de defender uma psicologia individual (mais fisiológica) e uma völkspsycolgie (coletiva, cultural), Wundt foi considerado introspeccionista por psicólogos posteriores.

1880-1886 O fisiologista Josef Breuer desenvolve a "cura pela fala" ou "cura catártica" em sua paciente "Anna O." Breuer influenciou Freud que viria a criar a psicanálise; 

Em 1890, William James publicou o livro Princípios de Psicologia, uma obra pioneira que combinava elementos de filosofia, fisiologia e psicologia, abordando temas diversos como o fluxo de consciência, a vontade e as emoções. Embora inclua diferentes abordagens e métodos, James (influenciado por contemporâneos como Wilhelm Wundt e Gustav T. Fechner) declarou que Princípios de Psicologia é uma obra derivada do método da introspecção. Assim, o autor funda o funcionalismo

Edmund Husserl escreve Filosofia da Aritmética (1891) e Sobre Conceito de Número (1887); Em suas obras, passa a criticar a psicologia experimental que era objetiva: Sujeitos são mutáveis diante suas condições particulares; Critica a fragilidade do empirismo que estuda sujeito passivo; só descreve o que vê externamente; Critica o positivismo que nega a subjetividade, valorizando só a verdade do conhecimento objetivo; Formula-se uma nova metodologia/ base filosófica - a Fenomenologia;

Com o desenvolvimento dos primeiros motores movidos à combustível, com as descobertas sobre eletromagnetismo, a propagação do uso da eletricidade e com a produção em massa de veículos, entre a última década do séc. 19 e as duas primeiras do séc 20, o capitalismo se intensifica com uma nova fase industrial: Prioriza-se o aumento da produção e dos lucros de empresários (Fordismo, Taylorismo etc) e o setor privado passa a incitar desejos nas pessoas (provoca "necessidades" através de propagandas), criando o hábito de consumir mais do que o costume e mais do que o básico necessário; 

Neste momento da história (na última década do século 19 até a 1ª metade do século 20), a psicologia está, de certa forma, se dividindo em várias frentes e abordagens cujo criadores (Watson, Freud, Jung entre outros) discordam entre si, sejam contemporâneos um do outro, ou não. Não se trata de uma divisão voltada para as diferentes áreas de atuação, mesmo porque esta divisão também existe na psicologia - Se trata de uma diferença de bases filosóficas, ontológicas, de bases teóricas e de abordagens em relação aos pacientes/ clientes. Entende-se que existem 3 grandes frentes da Psicologia, cada uma com variadas abordagens... E tais frentes e suas respectivas abordagens requerem um outro texto para explicá-las; 

Bases Filosóficas (das Ciências...)

A seguir, são citadas algumas pressupostos filosóficos que podem (ou não?) sustentar métodos de estudos científicos. Essas bases são "visões de mundo" relacionadas à teoria da mente, ou paradigmas, que se aproximam das áreas ontológicas (de estudo do ser) e epistemológicas (de estudo do conhecimento, ou simplesmente da "filosofia da ciência" que oferece pressupostos): 

Dualismo paralelista 

Alma e corpo representam duas espécies de realidade totalmente distintas e autônomas, independentes e ininfluenciáveis entre si. 

Uma e outra coexistem e transcorrem paralelamente, sem interações recíprocas. Sua fragilidade transparece no fato de inúmeros fenômenos clínicos e experimentais revelarem íntima relação entre fenômenos mentais e ocorrências cerebrais (posição defendida, p. ex., por Leibniz e possivelmente por Wundt). 

Dualismo epifenomenista 

O cérebro produziria ou causaria os fenômenos mentais que, por sua vez, seriam epifenômenos do cérebro, mas que não retroagiriam sobre ele. Tese defendida por Hobbes, T. H. Huxley e A. J. Ayer. A objeção a ela baseia-se na necessidade de se crer em uma mente ou espírito que se desprenderia do cérebro, passando a ter “vida” autônoma (tese espiritualista). Além disso, muitos fenômenos mentais produzem alterações funcionais e mesmo estruturais do cérebro. 

Dualismo interacionista 

Esta tese postula a possibilidade de ação recíproca e de influência mútua entre mente e processos cerebrais. É também chamada de dualismo psicofísico. Embora a alma e o corpo sejam duas realidades distintas, com certa autonomia, uma influencia a outra intimamente, havendo interação constante. Tal posição foi defendida, por exemplo, por Descartes, Herbart e possivelmente Oswald Külpe. Platão já fôra classificado como um monista espiritualista devido ao seu teor religioso e a importância dada ao "mundo das ideias", porém este autor da antiguidade clássica, assim como Allan Kardec durante a modernidade, esteve mais para um dualista interacionista. Outro detalhe, é que estes estudiosos que levam a espiritualidade/ religião em conta, podem ser considerados pluralistas. 

 Monismo materialista 

Trata-se de concepção materialista radical e absoluta. Só a matéria e o movimento são reais e eternos (filósofos do iluminismo, enciclopedistas, materialistas e positivistas do século XIX). Nada existe fora da natureza, a imaterialidade da alma é um mito. Os estados mentais são, na verdade, estados físicos. Sua fase mais marcante foi o final do século XIX (naturalismo monista): tudo se reduz à matéria, que obedece a leis naturais. A alma é puramente uma atividade fisiológica do cérebro. Uma forma de monismo materialista mais sofisticado, que também difundiu-se no século XIX, foi a chamada “teoria do duplo aspecto”. Nela se afirma que o organismo é unitário, revelando, porém, dois aspectos: um físico e outro mental, um não se reduzindo ao outro, nem sendo mais válido que o outro. Não há duas realidades, mas dois aspectos de uma só realidade (que, em última análise, é material). Alguns de seus representantes são La Mettrie, Montesquieu, Haeckel. 

Monismo eliminativo 

Nesta concepção, nada genuinamente verdadeiro pode ser chamado de “mental” ou “espiritual”. Nega-se, inclusive, a existência fatual dos fenômenos mentais. É a posição do behaviorismo radical de Skinner e Turing. Entretanto, Bunge (1989) afirma que “não nos livramos do problema da natureza da mente declarando que ela não existe, ou que não é possível estudá-la cientificamente”. 

Monismo idealista ou espiritualista 

É o oposto do monismo materialista. Trata-se de uma forma de idealismo subjetivista que indica que só a mente e/ou só o espírito é real. O essencial da realidade é a experiência interna imediata. Tudo se reduziria à experiência subjetiva ou mental do indivíduo (mentalismo). A tese acaba desembocando em um espiritualismo radical que nega a importância da matéria, o que é difícil de sustentar em estudos objetivos. Alguns de seus representantes foram Berkeley, Fichte, Hegel,Teilhard De Chardin. 

E Como a Psicologia Explica a Mente?

Depende da "frente" da psicologia, que são três: A frente comportamental (com exceção da Terapia Cognitivo Comportamental) desenvolveu-se a partir do monismo ("só a matéria existe") e do método empírico, portanto apoia-se na possibilidade de experimentar usando os 5 sentidos humanos e na possibilidade de reproduzir as experiências estudadas. A frente psicanalítica apoia-se no racionalismo, no naturalismo e em algumas teorias que serviram de base para a fenomenologia (como as de Brentano etc) e parece utilizar uma base dualista. Por fim, a frente fenomenológica é estruturada pelo método fenomenológico e por filosofias do século 19 e 20, ignorando pressupostos e deixando a questão da estrutura da mente (ontologia) aparentemente em aberto. Além disto, cada uma destas 3 frentes da psicologia tem diversas abordagens com diferenças entre si. O termo abordagem significa aproximação, trazer à bordo ou chegar na borda (do outro), portanto na psicologia o termo deveria se referir apenas à prática profissional onde, por exemplo, o terapeuta e paciente se aproximam. A abordagem não deveria necessariamente se referir à base teórica. 

Espero que este texto tenha esclarecido um pouco da relação da ciência com a filosofia... Ou que ao menos tenha explicado a proximidade da psicologia com a filosofia. 

Bibliografia (incompleta) 

ANDERY, Maria Amalia. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica . 4. ed., rev. Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2014. 435 p. ISBN 8528300978 (broch.). 

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed.São Paulo, Moderna, 1993. 

BOCK, Ana M.B.; Furtado, O. e Teixeira, M.L. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo: Saraiva. 

KLEIN, Simone. «What is objective idealism?». Philosophy Questions. Philosophos. Cópia arquivada em 16 de julho de 2011

DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Artmed, 2008.

domingo, 26 de setembro de 2021

Miséria...

 

Negacionismo virou uma das mais novas modas no Brasil e em mais partes do mundo (ao menos nos EUA, com o movimento antivax). 

Mas esse "evento" abrange muito além de teorias da conspiração e de negação das crises políticas e econômicas. Falar de política antes da ascensão da ultra direita na América (EUA, Brasil...) e da Covid-19 já era difícil, hoje é quase impossível - é como balbuciar insanamente. Os poucos que se entendem fecham-se em bolhas e nem estou me referindo (somente) a baboseira da polarização. 

A pandemia de Covid-19 fez com que governos (mais lúcidos) buscassem implantar medidas de segurança e campanhas de saúde (vacinação em massa). É muito simples: se o governo não faz o mínimo para tentar cuidar de sua sociedade, trata-se de um governo genocida. Só que o mesmo vale para quem garante renda do trabalhador: Se a empresa tem condições de custear mão de obra e implementar medidas de segurança como homeoffice, ela deve fazer isto... Mas quem garante que o mínimo foi feito pelas empresas com mais condições na pandemia? Certamente ninguém. 

O número de desempregados disparou, assim como pessoas em situação de rua. Isto já seria ruim o suficiente para alarmar qualquer pessoa minimamente sensível ou empática, mas não parou por aí: A renda para uma grande parcela da população caiu (não vou atrás desses dados, mas eles devem ser fáceis de se achar na internet, a menos que tu prefira acreditar em "tios de Whatsapp" ou em grupos conservadores), as consequências do desmatamento e de outros crimes ambientais estão surgindo. Claro, claro, juntar tudo isto sem citar fonte, parece coisa de alarmista, mas não é. 

O fato é que a civilização humana sempre teve problemas e talvez ela tenha feito pouco para resolver estes problemas nos últimos anos: A maioria das notícias de crimes ambientais, cartéis, oligopólios, milionárias sonegações de impostos e furto de verbas públicas, não foram seguidas de uma resolução. Pelo contrário, foram seguidas pelo surgimento de consequências mais e mais problemáticas. 

Entre os anos de 2014 e 2016 eu li as seguintes notícias (procurem as fontes): 

Fiscalização indica que mais de uma barragem das mineradoras do conjunto "Vale / Samarco" estão com altas possibilidades de romper (e romperam...); 

Escândalo do CADE causa um dos maiores rombos nos cofres públicos do Brasil (grandes empresários sonegando impostos); 

Operação Zelotes encontra contas de diversas grandes empresas em paraísos fiscais (mais sonegação multimilionária); 

Fora os "desvios de verbas" feito por políticos em Minas Gerais, Rio de janeiro, Goiás e tantos (possivelmente todos) outros estados brasileiros; 

 Enfim, o que podemos fazer em relação a esses poderosos? Por enquanto nada. Nada porque o povo está muito mal informado e desunido para agir. No quesito econômico, não só o Brasil, como diversos outros países "estão pegando fogo" (aumento da inflação, mais desemprego, miséria, fome...). Não se trata de políticos nem de grandes empresários - não adianta mais ver notícias sobre os que estão por cima da situação. Esses se descolaram da realidade e clamar por (e fazer) justiça está mais difícil do que antes. 

A retomada econômica que alguns pregam pelas mídias é para quem? Quantos do que perderam tudo irão se recuperar? E entre aqueles que recuperam um trabalho, o quanto ele perdeu de capacidade de compra? O estrago está feito e que estrago! 

Então só nos resta "tapar o Sol com a peneira". E sim, isso é muito melhor do que fazer nada. Como citei anteriormente, não se trata de alarmismo, é realidade: Tem muita gente precisando de auxílio, não só de esmolas, mas de doações, ajuda mais significante e/ou mais frequente. Certamente não iremos desfazer o estrago, mas o esforço para ajudar os mais necessitados, numa crescente crise mundial, não é só empático, é lógico. Negar isso também é negacionismo - ignorância e egoísmo. 

Fiz inúmeros textos citando a importância dos bons sentimentos... Seja receptividade, amor ou esperança, tanto faz: Eles estão por trás da empatia (a que serve ao mais necessitado). Não vivemos momentos adequados para indiferença e me causa profundo sofrimento imaginar que nenhum parente, amigo ou mesmo colega ou mero conhecido, esteja fazendo um esforço mínimo neste sentido. Sei que alguns têm menos condições de ajudar, mas também sei que às vezes os esforços, ainda que individuais e pequenos, valem a pena.

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Teorizando a Importância do Progresso Mental

 

"Vício pela Carne" - Sexismo ou Materialismo? 

Quando falamos em carne podemos pensar nas carnes de animais criados para o abate, o mercado alimentício e o consumo. Porém também utiliza-se o termo "prazeres da carne" como algo relacionado ao ato sexual. Particularmente ao coito e ao prazer físico que tal ato proporciona. Obviamente é possível ter tal prazer juntamente com o prazer psíquico ou mental: O prazer de estar junto a uma pessoa que se ama. 

Mas o ato sexual como busca para satisfazer os desejos particulares deve existir desde tempos imemoráveis. O problema é quando isto se torna um discurso de incentivo. Torna-se um problema por se caracterizar como um discurso sexista que põe o prazer próprio e o padrão de beleza do corpo como assuntos mais importantes do que o convívio em sociedade, do que o desenvolvimento da empatia e do intelecto. Este tipo de assunto é o que corre pela "boca do povo" e raramente é registrado ou estudado. Tal discurso pró-sexo deve ter ressurgido ou ganhado força nas sociedades ocidentais como um argumento contemporâneo, mas dissonante, dos movimentos feministas, antirracistas e pró paz e amor dos anos 60 do século 20. Neste mesmo período emergia o conceito de amor livre que facilmente foi apropriado por sexistas. Por exemplo, a palavra amor passa a ser propagada como sinônimo de sexo em diversos gêneros musicais. Todos têm (ou deveriam ter) direito ao prazer, mas há uma grande malícia nos argumentos sexistas que serviram bem ao gênero dominante na maioria das sociedades. Serviu bem aos homens em posição de poder (seja econômico, político ou até religioso) que se interessavam em manter o patriarcado e propagar uma falsa naturalidade do domínio do homem na Terra. Um discurso relativamente fácil de se propagar tendo em vista que o período de maior dominância da mulher nas sociedades humanas perdeu grande parte de sua força num passado muito distante: Na história pré-escrita. Na história da arte é possível ver a predominância do feminino em esculturas e artes do oriente médio até a "Grécia" minóica. Dominância esta que deve ter sido suprimida gradativamente por lideranças masculinas com a propagação das atividades agrícolas e da metalurgia (Idades do cobre e do bronze). 

O discurso sexista e pró "carnalidade" então relaciona-se com os poderes dominantes no ocidente: O poder econômico na forma do sistema neoliberal/ capitalista e as igrejas. Trata-se de um discurso não só materialista, mas também um discurso de poder. Quem faz mais sexo é "mais homem", quem deve dominar a família e a sociedade é o homem e esse tipo de desigualdade e opressão. É um discurso de esfriamento emocional, que combina com um monte de idiotices (de idiota: que não sabe viver em sociedade) como "homem não chora", "homem tem que ter carro", "mulher não sabe dirigir" e tantas outras excrescências. O discurso sexista é fortemente utilizado de modo popularizado pelo patriarcado machista no mínimo desde o início da pós modernidade nos "anos 1960". Tal discurso apropriado pelo patriarcado, facilmente se afasta do conceito de amor livre e reforça o conservadorismo: Diz que o homem pode trair a mulher e frequentar prostíbulos porque é o (suposto) provedor da família (conservadora), mas diz que a mulher tem que ser fiel ao traidor. Enfim, o discurso sexista até consegue se disfarçar de libertário quando aberto ao público em geral, posando como sensualidade e sexualidade ativa supostamente saudável, mas retorna ao machismo patriarcal retrógrado quando discutido apenas entre homens por exemplo. Isto ocorre porque o ato sexual pode ser feito com emoções (como mencionado anteriormente), mas é essencialmente corporal. Por esta razão, é muito fácil reduzi-lo apenas ao prazer físico, ignorando ou até mesmo menosprezando os sentimentos/ emoções positivas, que são elementos tão importantes nos relacionamentos. 

Sexismo é um discurso fácil de se propagar porque é materialista: O ato sexual não é algo interno de cada pessoa (subjetividade) como os sentimentos e os pensamentos, ele requer uma relação entre corpos. É notório que discursos materialistas são fáceis de se propagar e de serem aceitos porque lidam com a objetividade, priorizando a realidade externa ante a interna de cada pessoa. O consumismo por exemplo abrange diversas áreas de trabalho e de estudo e se apoia na criação artificial de "necessidades". Tais necessidades artificiais surgem em vários setores do comércio/ mercado: Alimentos, roupas, eletroeletrônicos e até veículos de transporte. Em todos os casos, o discurso consumista não visa prioritariamente o bem-estar das pessoas, ele visa o lucro constante e crescente de uma minoria de donos das maiores empresas do mundo. 

 Materialismo gera Progresso Real? 

Em outro texto (https://nea-ekklesia.blogspot.com/2021/08/as-farsas-contra-empatia-e-o-bem-estar.html) eu descrevi um resumo da história do capitalismo. Ele é um sistema, ou uma estrutura por trás de sistemas e não uma força da natureza (muito menos uma força divina). O materialismo na academia se refere a uma pressuposto filosófico da ciência, o que pouco ou nada difere de um paradigma das áreas do conhecimento. Mais precisamente ele é uma "visão de mundo" (weltanschauung) que serve de base para o empirismo. Assim, o materialismo é o argumento/ ponto de partida dos métodos de estudo que descartam tudo que não pode ser detectado pelos 5 sentidos humanos (já explicado em outros textos). 

Aqui, utilizo este termo como uma ideologia ou conjunto de doutrinas que giram em torno da "matéria" perceptível pelos 5 sentidos humanos. Portanto é nítido que o capitalismo e todos sistemas sociais e/ou econômicos que utilizam dinheiro, são materialistas. Note que diferentemente de todos os produtos "físicos", os estudos, as artes e a ciência são os mais difíceis de se precificar. Isto ocorre porque tal movimento é contra a ordem natural das coisas. Explico: O ser humano é livre (ao menos relativamente) para pensar e para sentir desde que surgiu na Terra. As unidades monetárias deveriam medir tais valores? Obviamente não. As epidemias de depressão e ansiedade que vêm crescendo após a industrialização e a digitalização do mundo do trabalho e do comércio estão aí para provar isto. O ser humano não é uma máquina e portanto não é só o corpo. Ele têm necessidade de relacionar-se com outros desenvolvendo seus pensamentos e sentimentos e a liberdade destas atividades mentais sim, é natural. Limitar ou manipular tal liberdade psíquica é extremamente nocivo como pode-se notar com tais epidemias. 

Portanto o que gera o progresso na humanidade não é o materialismo nem é o dinheiro. O dinheiro foi inventado há muito tempo, mas foi reinventado após crises socioeconômicas. Longe de ser uma ciência exata e mais longe ainda de uma verdade absoluta, o dinheiro chegou a deixar de existir no colapso da era do bronze e teve seu lastro modificado nas crises da modernidade e da pós-modernidade, certamente devido a interesses econômicos das classes mais enriquecidas e não devido a busca de um progresso social, ético ou moral. A garantia de um valor real para as moedas (lastro) foi modificada várias vezes durante a história, sendo alguns exemplos sua aplicação na Inglaterra em 1783, a crise da moeda de prata e das cédulas (1750-1870), o estabelecimento do dólar-ouro em 1944 e a quebra do lastro do dólar com o ouro em 1971.

O progresso surge da intenção de construir e de transformar. Ele requer dos seres humanos a boa intenção, a extensibilidade (hoje popularizada como "empatia"), a liberdade e a busca pelo entendimento. Oras, se todos tivessem livre acesso aos estudos, as ideias se multiplicariam. Os estudos seriam muito maior em número e com mais gente estudando toda produção intelectual crescente (seja científica, artística etc), a qualidade dos estudos poderia melhorar com mais facilidade. Com a liberdade de escolha, aqueles que não gostam de estudar, arrumariam outra ocupação, não produzindo coisas forçosamente nem de qualidade dúbia. Nada disto que descrevo refere-se a permitir discursos de ódio, pelo contrário: O progresso, seja intelectual ou sentimental, se dá através de atividades que constroem e não daquelas que destroem. Se dá através de inovações e transformações que são coisas diferentes de destruir. 

Acesso à Ciência, à Filosofia e à Fé não-institucionalizada 

Quantas pessoas conseguem ingressar no meio acadêmico/ científico? 

Quantas têm acesso à filosofia? 

Quantos fiéis se aproximam dos ensinamentos dos grandes profetas? 

A resposta para todas essas perguntas é: Pouquíssimas pessoas. A minoria da humanidade. 

Mas porque o acesso a estes campos do saber é tão difícil? 

 Isto parece um problema recorrente na civilização humana. O acesso torna-se difícil por variados motivos: desconfiança, conflito de interesses etc. 

Entende-se que o mais antigos destes campos é o religioso. Isto porque é o campo que lida com o desconhecido de maneira mais intuitiva e através do sentir. Práticas xamânicas datam a idade da pedra, antecedendo as religiões mais formais de povos sedentários/ urbanos. 

Se conhecimento é poder, tal fato não era diferente nas antigas civilizações. Com o desenvolvimento da agricultura no final da idade da pedra, houve tempo o suficiente para alguns grupos de seres humanos monopolizarem os conhecimentos. Nesta transição que durou alguns séculos (talvez até 2 milênios, entre 5500 aC e 3500 aC), deve ter sido dificultado o acesso ao conhecimento. A liderança de antigas civilizações que detinham o conhecimento da agricultura e da navegação (consequentemente também tinham o conhecimento das estações do ano e da astrologia) foi composta por religiosos como os patesis, faraós e sacerdotes. Ao menos alguns grupos destes religiosos não tinham o menor interesse em liberar o acesso a tais conhecimentos. Claro, que havia a necessidade de muitos trabalhadores braçais e portanto o acesso aos conhecimentos naturalmente seria apenas para uma parcela da civilização, mas também é ingenuidade pensar que não houveram interesseiros (e egoístas) na liderança religiosa e política das antigas civilizações. 

Com o passar dos milênios os campos do saber se desenvolveram, até que durante o período da revolução industrial e do iluminismo, ele se dividiu de maneira mais decisiva. A revolução industrial também se "desenvolveu": Após sua primeira fase, essencialmente marcada pelos motores à vapor, foi descoberto o motor à combustão, dando origem aos veículos motorizados. A eletricidade passou a ter uso prático e fábricas foram construídas pelo planeta até que o setor da computação / informática foi se desenvolvendo. 

Com a digitalização e a universalização da internet, a dificuldade ao acesso a qualquer área do saber perdeu o sentido. A "sub propagação" de informação útil ao desenvolvimento geral da humanidade é majoritariamente baseada em egoísmo e mentiras. Não há mais razão para materialismo exacerbado desde então: é preciso distribuir oportunidades para o desenvolvimento mental das pessoas.

Os três campos do saber mencionados foram trabalhados pelos filósofos da Grécia Clássica, como citei anteriormente em meus textos. 

Ainda que muito dos argumentos de Sócrates e Platão fossem racionais, ao buscar o Bem maior em seus ensinamentos, eles buscavam despertar o bem, ou mais precisamente os bons sentimentos, nas pessoas. A beleza verdadeira que citavam estava vinculada ao seu conceito do Bem, de Deus (sim, único, onipresente, como Nous a mente cósmica) e de justiça. Assim, naturalmente quem buscava o conhecimento, a verdade e a Deus desenvolvia e praticava um tipo de devoção. Esta justiça mencionada por Sócrates (e/ou por Platão) formava a base de seus ideais de governo e de sociedade, como mostrado em "A República": 

Artesãos e trabalhadores em geral formariam a classe básica da sociedade onde participariam de um sistema econômico com alguma semelhança a social-democracia: O sistema mercantil seria regulado pela classe governante, constituída de filósofos, mas estes não participavam das atividades comerciais, bem como a classe militar (portanto entende-se que nenhuma destas duas classes poderia enriquecer). A classe militar e de defensores seria constituída de guerreiros. Indivíduos que prezam a bravura e a honra, mas que teriam que balancear sua educação esportiva/ combativa com uma educação artística. Os guerreiros não podendo participar do comércio de maneira alguma, receberiam alguns benefícios para compensar isto, mas para compartilhar com toda sua classe. A guarda e criação dos filhos/ crianças também seria compartilhada entre todos. Por fim os filósofos que governariam a sociedade seriam cientistas e líderes religiosos também, afinal os filósofos socráticos tinham alguma semelhança com os pitagóricos, tendo grande respeito pela matemática, geometria e astrologia. A astrologia era indissociável da astronomia desde antes de Sócrates, até aproximadamente 2065 anos após a sua morte. Sócrates menciona que essas ciências consideradas importantes por ele, não deveriam ser usadas apenas para medições, para estratégias e para aplicações materiais. Tais ciências tinham por objetivo principal o desenvolvimento da mente, em busca da verdade, do Bem e de Deus. Mesmo aqueles que não fossem filósofos, como as classes dos guerreiros e dos trabalhadores, poderiam ser bons ao se devotarem às suas respectivas atividades. 

Embora seja praticamente impossível saber se o sistema proposto seria bem sucedido se aplicado à sociedade humana, alguns pontos se destacam na "República". Estes pontos podem ser resumidamente interpretados da seguinte forma: 

O interesse no progresso coletivo, buscando respeitar capacidades individuais; 

A ciência e a religiosidade não se excluíam; 

 Propostas revolucionárias para época (século 4 antes de Cristo); 

Essencialmente todas propostas buscavam esclarecer os fatos e buscavam maior entendimento, nunca deixando o bem de lado. Isto é trabalhar o progresso. Não há progresso nem ciência sem todo esse exercício essencialmente mental. Ainda que houvesse conceitos estranhos para nossa cultura do século 21 nas propostas socráticas/ platônicas, como a divisão bem delineada de 3 classes sociais (e até espirituais), não havia maior sectarismo nem segmentação favorecendo rixas ou obscurantismo. A sociedade em que vivemos hoje parece muito mais dividida do que o exemplo proposto por Sócrates: Há rixas entre estados, entre empresas, entre tribos sociais, entre religiões, e também há rixas de religião vs ciências, corporações vs estados etc... 

Concluindo de modo simples, nem a verdadeira ciência nem o verdadeiro progresso deveriam causar tantas divisões como temos hoje na humanidade. Progresso e união se dão pelo exercício da mente que não trata outros seres como meros objetos; se dão no ato de pensar no todo e nas demais mentes, ou seja, na coletividade e na individualidade que gera a diversidade.