terça-feira, 30 de novembro de 2021

Os Estudos e as Abordagens da Mente

 

Neste texto apresento uma lista resumida sobre os estudos da mente e/ ou do comportamento humano ao longo da história.

Psiquiatria - A Correção da Mente 

O termo psiquiatria significa correção (ou cura) da mente (do grego ψυχή, ou seja, psychê, que significa alma) e refere-se a uma especialização da medicina. Essencialmente, esta área de estudo surgiu de opiniões que consideravam os comportamentos diferentes do padrão da sociedade ocidental oriundos de alterações em determinadas partes do corpo - geralmente do sistema nervoso. Apesar de ser uma especialização da medicina, ao estudar (história das) psicopatologias e neurociências é possível notar que são citados os principais influenciadores da psiquiatria, mas nenhum fundador específico. Embora médicos da antiguidade sejam quase aclamados (Hipócrates e posteriormente, Galeno), a psiquiatria em si parece começar a surgir na era moderna, mais precisamente durante o iluminismo europeu (século 18, com grande influência do médico Philippe Pinel). A tentativa de humanizar os "hospícios", após o ano de 1778, marcaram o início desta área da medicina. Obviamente a humanização se deu pela diminuição da crueldade, da indiferença e da insensibilidade para com os pacientes "internados" (aprisionados, na verdade), pois gradativamente, foram-se banindo as seguintes práticas: acorrentamento, ducha gelada, choques elétricos etc. Embora começou-se a teorizar sobre doenças mentais nesta época, é importante notar que muitos dos pacientes ou prisioneiros, eram simplesmente gente rejeitada pela sociedade, como por exemplo, mendigos, prostitutas e pessoas que alegavam perceber frequentemente fenômenos sobrenaturais. 

Apesar das boas intenções de alguns médicos psiquiatras, muitas das classificações de comportamentos criadas neste campo de estudo foram altamente preconceituosas até as duas primeiras décadas do século 20. Em alguns lugares do mundo, hospícios permaneceram locais de confinamento com uma gestão que variava entre insensível e cruel até a segunda metade do século 20, pois as tentativas de humanizar os estudos e tratamentos de pessoas com problemas psíquicos ocorreram de maneira bem lenta durante cerca de 3 séculos. No Brasil, é possível considerar que, em linhas gerais, a reforma psiquiátrica se deu entre os anos de 1968 e 2001.

Após a década de 90 do século 20, a psiquiatria passou a sofrer clara influência da farmacologia. Em 2015, ao lançar o DSM-5 (5º Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais), a psiquiatria multiplicou o número de transtornos e diagnósticos de maneira exagerada, favorecendo de maneira proposital ou acidental o aumento do consumo (e obviamente do comércio) de medicamentos. 

Estruturalismo - 1855  (Teoria Germânica) 

Atribuída a Wilhelm Wundt, que foi o “pai” da psicologia experimental, o estruturalismo afirmava que o objeto de estudo deveria ser o pensamento mental consciente. Wundt pretendia, através da introspecção (autopercepção, de acordo com a tradução de Saulo de Araújo) estudar as emoções e os sentimentos de cada pessoa, permitindo a cada pessoa conhecer-se mais profundamente. Pode dizer-se que uma pessoa é constituída pelos seus sentimentos e sensações, que organizados constituem a sua consciência do ponto de vista estrutural. Visava os estados estruturais da consciência. Quais eram as estruturas do sistema nervoso central. 

Os Estudos Espíritas - A Mente além do Corpo (1857)

Em 1855, o tradutor e professor francês, Hippolyte Léon D. Rivail, se interessou sobre os fenômenos das mesas girantes. Após alguma experiência classificada como mediúnica (de contato com uma mente incorpórea) por volta de 1857, Rivail passou a assumir o pseudônimo de Allan Kardec, descrita como uma entidade que conhecera Rivail numa outra encarnação. 

Tendo iniciado a publicação das obras de Codificação em 18 de abril de 1857, quando veio à luz O Livro dos Espíritos, considerado como o marco de fundação do Espiritismo, após o lançamento da Revista Espírita / Jornal de Estudos Psicológicos (1 de janeiro de 1858), Kardec fundou, nesse mesmo ano, a Sociedade (Pariense de Estudos) Espírita(s). 

Em uma de suas revistas de 1861, Kardec escreveu: 

(…) o Espiritismo, restituindo ao Espírito o seu verdadeiro papel na criação, constatando a superioridade da inteligência sobre a matéria, apaga naturalmente todas as distinções estabelecidas entre os homens segundo as vantagens corpóreas e mundanas, sobre as quais o orgulho fundou castas e os estúpidos preconceitos de cor. O Espiritismo, alargando o círculo da família pela pluralidade das existências, estabelece entre os homens uma fraternidade mais racional do que aquela que não tem por base senão os frágeis laços da matéria, porque esses laços são perecíveis, ao passo que os do Espírito são eternos. Esses laços, uma vez bem compreendidos, influirão pela força das coisas, sobre as relações sociais, e mais tarde sobre a Legislação social, que tomará por base as leis imutáveis do amor e da caridade; então ver-se-á desaparecerem essa anomalias que chocam os homens de bom senso, como as leis da Idade Média chocam os homens de hoje… 

Por diversas causas, o espiritismo enfrentou enorme resistência desde cedo. Apesar de um dos principais motivos de críticas ser o charlatanismo de alguns médiuns, outros motivos eram as rixas entre religião e ciência e a imposição de métodos com pressupostos materialistas (como o empirismo) como única forma de aquisição e formação de conhecimento. Alguns cientistas tentaram provar a inexistência de espíritos e de eventos relacionados ao contato com uma "dimensão espiritual", porém seus métodos e bases de estudo sequer consideravam a possibilidade de uma mente (inteligência, sentimentos) capaz de viajar além do espaço-tempo, então os resultados destas "pesquisas" foram simples negações do espiritismo. 

Importante notar que o espiritismo surge como um método de estudo que admitia a religiosidade (na época pouco ou nada se dizia da palavra espiritualidade) e, desta forma, considerava as experiências religiosas como fenômenos oriundos dos espíritos ou de uma dimensão espiritual, manifestadas através de forças pouco entendidas até então, como o eletromagnetismo. 

Do ponto de vista religioso, o espiritismo tem base cristã, mas traz algumas semelhanças com outras religiões e filosofias que levam em consideração a reencarnação e dá grande importância ao progresso da humanidade. O espiritismo também foi posteriormente considerado racista, porém mesmo que alguns textos de Kardec tenham algum viés neste sentido, tais fatos não passariam do pensamento típico da civilização europeia de sua época. 

Nota-se que até então, todas as experiências descritas como sobrenaturais, sejam elas, visões de espíritos (inclui anjos e demônios), mediunidade (contato ou comunicação com espírito), cura pela imposição das mãos, exorcismos (desobsessões), sonhos proféticos, êxtases espirituais, milagres e tantas outras descritas através dos milênios, seriam classificadas como meras mentiras (charlatanismo) ou loucura (alucinação, esquizofrenia etc) caso não fossem classificadas pelos estudos espíritas. 

Obviamente, isto ocorreu porque a ciência em 1857 (e ainda em 2021) utiliza como base teórica / filosófica o monismo (materialista ou eliminativo) e como método, o empirismo. E claro, como já mencionei em outros textos, apesar de sua importância, tais bases e métodos praticamente não explicam possíveis seres transdimensionais (além da curvatura espaço-tempo), nem o que ainda não pode ser detectado pelos (cinco) sentidos humanos. A ciência com tais alicerces filosóficos e metodológicos ainda se mostra incapaz de explicar possíveis outras dimensões, e, por se basear na possibilidade de reproduzir / repetir experiências, deve permanecer incapaz de explicar seres ou inteligências capazes de viajar entre dimensões (que em prática seria aparecer e sumir).

Funcionalismo - 1890 (Teoria Estadunidense) 

O funcionalismo foi criado a partir das obras de William James, que defendia que os psicólogos deveriam utilizar a introspecção, de maneira a estudar o funcionamento dos processos mentais e outros temas como os processos mentais das crianças, dos animais, a anormalidade e as diferenças individuais entre as pessoas. Na opinião de William James, o homem realizava as suas ações, com base na função que desempenhava na sociedade. O estudo da consciência se fazia presente. Embora, assim como o behaviorismo, esta teoria da mente tivesse a mesma base da psicologia experimental de Wundt, ela se desenvolveu de modo independente, pretendendo eliminar as tendências eliminativas.

Psicanálise - 1891 (Abordagem "Austríaca/Checa/Morávia") 

A teoria da psicanálise, também conhecida por “teoria da alma”, foi criada pelo neurologista austríaco Sigmund Freud (1856 – 1939). De acordo com Freud, grande parte dos processos psíquicos da mente humana estão em estado de inconsciência, sendo estes dominados pela libido. Esta "energia psíquica" é composta pelas pulsões de vida (principalmente desejos sexuais) e de morte (desejos de eliminar ameaças e competidores). Os desejos, as lembranças e os instintos reprimidos estariam “armazenados” no inconsciente das pessoas e, através de métodos de associações, o psicanalista – profissional que pratica a psicanálise – conseguiria analisar e encontrar os motivos de determinadas neuroses ou a explicação de certos comportamentos peculiares dos seus pacientes, por exemplo. 

Em 1880, o médico Josef Breuer, aliviou os sintomas de depressão e hipocondria (chamada de histeria na época) de sua paciente Bertha Pappenheim, após induzí-la a lembrar-se de experiências traumatizantes sofridas por ela em seu passado. Para isso, Breuer utilizou a hipnose e seu novo método chamado de terapia da conversa. O psiquiatra e neurologista austríaco, Sigmund Freud, passou a estudar este caso juntamente com Breuer e entre os anos de 1893 e 1895, estruturou as bases da psicanálise. Freud percebeu que muitos pacientes escondiam de si mesmos (reprimiam) pensamentos, desejos e sentimentos que eram difíceis de lidar, seja por vergonha, por nojo ou por pressões sociais. Esta repressão de elementos psíquicos, juntamente com o estudo dos sonhos, ajudou a Freud teorizar o inconsciente da mente humana. 

Ainda que Freud buscasse uma aproximação com a biologia ao dar ênfase às pulsões de vida (como a sexualidade sendo manifestação da libido, uma necessidade da reprodução da espécie) ele parece ter se apoiado em uma base filosófica dualista (ao menos aparentemente), pois a mente não estava localizada em parte alguma do corpo (cérebro, por exemplo) nem nas relações, como afirmam teorias de base monista. Este foi um dos principais pontos da psicanálise criticados por psicólogos experimentais (e posteriormente pelos behavioristas).

Como Freud buscava se aproximar das ciências biológicas, mesmo com sua base ontológica dualista, ele desconsiderou a possibilidade da existência das experiências espirituais (êxtase, mediunidade, visões religiosas etc).  Além disto, ao estudar a sexualidade e ao considerar o homossexualismo e o bissexualismo como coisas naturais, Freud sofreu forte rejeição dos conservadores, seja entre cientistas ou entre outras classes da sociedade de seu tempo. Apesar das críticas, a psicanálise foi crescendo e sendo aceita por vários médicos, entre eles o jovem suíço Carl Gustav Jung.

Associacionismo - 1899 (Teoria Estadunidense) 

O associacionismo foi criado por Edward Lee Thorndike e é resultante de um processo de associação de ideias, das mais simples às mais complexas, resultando assim nas diversas ações humanas. Nesta teoria da aprendizagem, surgiu a lei de causa-efeito, e acerca dela, Edward Lee Thorndike realizou diversas experiências com animais, com vista a conseguir prová-la. Nas suas experiências, ele observou que se desse alguma recompensa aos animais conseguiria que eles fizessem o que ele queria, e na sua opinião, o comportamento humano, nesta vertente, assemelhava-se ao comportamento animal. Esta teoria é contemporânea de John B. Watson e influenciou o behaviorismo.

Fenomenologia - 1907 (Filosofia Germânica/ Frente Psicológica

A Fenomenologia, de Husserl, ao invés de apenas racionalizar ou experimentar, busca entender como o fenômeno ocorre, a essência das coisas e a própria consciência): Rompe (nasce do contra-ponto) com as bases filosóficas anteriores da ciência, buscando uma renovação. Afinal a verdade não está no “meu pensamento”, como afirmaria o racionalismo nem na experiência como indicaria o empirismo. 

Husserl publica Ideen em 1907, onde explica o método da redução eidética, e Da Filosofia Fenomenológica em 1913; A fenomenologia não é precisamente uma teoria psicológica, mas serviu de base para diversas abordagens psicológicas como a Daseinanálise, a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), a Logoterapia e a Gestalt Terapia. 

Embora a fenomenologia proponha estudar fenômenos (como diz a própria etimologia da palavra), não parece haver um consenso se sua teoria e seu método de investigação fazem parte da ciência ou da filosofia.

Psicologia Analítica (Abordagem "Suíça") 

Jung começou como um pupilo de Freud, mas ambos cortaram relações após Jung tirar a ênfase do desenvolvimento sexual da libido em 1913. Freud também não concordava com a ideia de Jung de que fenômenos religiosos devessem ser estudados com a possibilidade de não serem patológicos. Isto possivelmente fez de Jung (e a sua psicologia analítica) o primeiro profissional da saúde mental a não categorizar toda vasta gama de experiências "religiosas/ transcendentais" como doença (ou, mais especificamente, transtorno), deixando a questão em aberto. Jung alega usar o empirismo quando for possível estudar determinado fenômeno desta maneira, caso contrário ele usa investigações mais reflexivas. Ele também notou que o inconsciente esconde muito mais do que desejos reprimidos e impulsos de vida e de morte. De acordo com Jung, os sonhos que ocorrem no inconsciente, não eram apenas fachadas como Freud dizia: eles podem conter significados, indicando uma busca de equilíbrio entre a vida consciente e desejos/ necessidades inconscientes de cada pessoa. Além disto, Jung teorizou um inconsciente mais profundo, onde grupos de seres humanos poderiam compartilhar elementos psíquicos, possivelmente de origem genética. 

O inconsciente humano também poderia ter elementos que independem do espaço/tempo e concentrar variados complexos (e não só o complexo de Édipo da psicanálise). Estes complexos podem ter origem mais antiga do que a infância e a vida intra uterina, surgindo do inconsciente coletivo e/ou de fatores genéticos. Assim, os complexos seriam configurações de interpretações e gostos que podem crescer até tomar parte significante da mentalidade do indivíduo. 

As bases da psicologia analítica são vastas, mas em suma, Jung também considerava deixá-las de lado (suspensas) durante os tratamentos/ terapia conforme a necessidade de cada paciente. Assim era possível priorizar o paciente e sua realidade, em geral, buscando fazer com que este concluísse o processo de individuação, atingindo um significado em sua vida, a partir de um equilíbrio entre elementos do inconsciente com a consciência. 

Comportamentalismo (Behaviorismo, Frente Psicológica Estadunidense) 

Esta teoria também conhecida como teoria de estímulo-resposta foi criada por John Watson (1878-1958) numa época em que dominava a filosofia e o estudo do consciente. John Watson defendia que a psicologia se deve limitar ao estudo dos comportamentos observáveis, portanto um dado estímulo pode ser a causa de determinada resposta e essa mesma pode ser precedida deste. John Watson acreditava que um estímulo provoca sempre a mesma resposta pelo que não só seria possível prever os comportamentos, mas igualmente controlar a produção desses comportamentos. Ele defendia também que a genética não tem qualquer influência sobre os seres vivos, mas sim apenas e só o meio em que estão inseridos (o ser humano nascia como uma "tabula rasa", sem predisposições). 

A partir dos estudos de Watson e do fisiologista Ivan Pavlov, Skinner (1904-1990) desenvolveu a Análise do Comportamento, cuja tinha como base a filosofia denominada de Behaviorismo Radical. Embora pareça que Watson usou o dualismo como base ontológica, e Skinner, o monismo materialista, muitos estudiosos citam que ambos usaram o monismo eliminativo. Para Skinner, que buscou apoiar-se no modelo evolucionista publicado no século 19 por Darwin, a mente é uma ficção (psíquica), uma analogia com que se passa no ambiente físico. Skinner chamou os processos internos da mente de comportamento e foi crítico dos conceitos de livre arbítrio e da psicanálise, especialmente de Freud. 

Estes autores são considerados os principais da "1ª onda do comportamentalismo", embora a 2ª onda, chamada de Terapia Cognitiva Comportamental (TCC), não suprimiu os estudos e as práticas baseadas nos autores anteriores.

Em suma, a TCC separa-se da base ontológica / teórica da Análise do Comportamento, pois foca nos processos internos da mente, assumindo um modelo aparentemente dualista da mente (uma porção abstrata formada por interpretações e informações e outra física, ligada ao cérebro, ao sistema nervoso etc). Após a TCC, surge uma 3ª onda, mas que ainda não se propagou de maneira tão ampla como as anteriores, então não será abordada neste texto.

Logoterapia, a Terapia do Significado ("Abordagem Austríaca") 

Viktor Frankl era um psiquiatra quando foi preso nos campos de concentração alemães durante a segunda guerra mundial. Após escapar com vida desta experiência muito sofrida, ele desenvolveu a Logoterapia, uma abordagem psicológica com base no método fenomenológico. 

Em seu livro Em Busca de Sentido, ele traz alguns relatos de sua vivência nos campos nazistas: 

..." presenciei algo que, embora me fosse de certa forma afim do ponto de vista profissional, eu jamais conhecera na vida normal: uma sessão espírita. O médico-chefe do campo, que teve o palpite de que eu era um psicólogo profissional, convidou-me para uma reunião altamente secreta no pequeno compartimento em que morava, na enfermaria. Reuniu-se ali um pequeno círculo no qual também se achava (em flagrante infração do código) o suboficial de saúde de nosso campo. Um colega estrangeiro começou a conjurar os espíritos numa espécie de reza. O secretário da enfermaria estava sentado frente a uma folha de papel em branco, devendo segurar um lápis sobre a mesma, sem qualquer intenção consciente de escrever. No curso de dez minutos - ao fim dos quais a sessão foi interrompida com a alegação de terem falhado os espíritos ou o médium - seu lápis foi traçando muito lentamente algumas linhas sobre o papel, as quais podiam ser claramente decifradas como VAE VICTIS. Afiançou-se que o secretário jamais aprendera latim nem tampouco teria ouvido as palavras VAE VICTIS (ai dos vencidos!)." Se alguém me perguntasse, eu diria que, sem saber, ele já devia ter ouvido estas palavras alguma vez em sua vida, assim como também a respectiva tradução; e a nossa situação de então, poucos meses antes da nossa libertação, ou seja, do final da guerra, ensejava ao "espírito" (espírito do seu subconsciente) pensar justamente nessas palavras..." 

No início deste parágrafo Viktor Frankl tinha um interesse profissional em sessões espíritas. A informação que Frankl tinha do evento era que o secretário da enfermaria (o possível médium diante a folha de papel) não conhecia o idioma latim e nem conhecia as palavras escritas no papel. Porém a opinião de Frankl mostra uma visão mais científica empirista deste evento: Sem evidências perceptíveis pelos 5 sentidos humanos, ele opta por negar a possibilidade do contato mediúnico, ao afirmar crer que o secretário da enfermaria deve ter escutado tais palavras alguma vez na vida; por outro lado ele não nega o inconsciente, dizendo que o secretário devia saber do resultado ou das consequências da guerra que estava prestes a acabar em alguns poucos meses. 

A fuga para dentro de si 

Apesar de todo o primitivismo que toma conta da pessoa no campo de concentração, Viktor Frankl percebeu alguns indícios de uma expressiva tendência para a vivência do próprio íntimo. 

"Pessoas sensíveis, originalmente habituadas a uma vida intelectual e culturalmente ativa, dependendo das circunstâncias e a despeito de sua delicada sensibilidade emocional, experimentarão a difícil situação externa no campo de concentração de forma, sem dúvida, dolorosa; esta, não obstante, ter para elas efeitos menos destrutivos em sua existência espiritual. Pois justamente para essas pessoas permanece aberta a possibilidade de se retirar daquele ambiente terrível para se refugiar num domínio de liberdade espiritual e riqueza interior. 

Esta é a única explicação para o paradoxo de às vezes, justamente aquelas pessoas de constituição mais delicada conseguirem suportar melhor a vida num campo de concentração do que as pessoas de natureza mais robusta. 

Para tornar este tipo de experiência mais ou menos compreensível, vejo-me outra vez obrigado a reportar-me a coisas pessoais. Recordo-me de quando saíamos do campo, de manhã cedo, marchando rumo à "obra". Ouve-se uma voz de comando: "Grupo de trabalho Weingut, marchar!!! Esquerda, 2, 3, 4, esquerda, 2, 3, 4! Cabo de fila, lateral! Esquerda - esquerda - e - esquerda - boinas fora!" 

Estes os brados que a memória faz ressoar em meus ouvidos. Ao grito de "Boinas fora!" passamos pelo portão do campo. Os refletores estão focados sobre nós. Quem não marchar ereto e bem alinhado na fileira de cinco homens, pode contar com um pontapé – e haverá algo pior para quem, pensando em se resguardar do frio, ousar cobrir de novo as orelhas com a boina, antes que a voz de comando o autorize. Prosseguimos na escuridão, aos tropeços, sobre as pedras e longas poças d'água na zona de acesso ao campo. Os guardas de escolta ficam berrando e nos espicaçam com a coronha de seus fuzis. Quem tem os pés muito feridos, dê o braço ao seu companheiro ao lado, cujos pés doem um pouco menos. Mal e mal trocamos alguma palavra; o vento gelado antes de nascer o sol não o permite. Com a boca escondida atrás da gola da capa o companheiro que marcha ao meu lado murmura de repente: "Se nossas esposas nos vissem agora...! Tomara que estejam passando melhor no campo de concentração em que estão. Espero que não tenham idéia do que estamos passando." E eis que aparece à minha frente a imagem de minha mulher." 

Quando nada mais resta 

Viktor Frankl continua contando que aos tropeços, ele e os demais detentos seguiram vadeando pela neve ou resvalando no gelo, constantemente se apoiando um no outro, erguendo-se e arrastando-se mutuamente quilômetros a fio. Eles não conversavam mais durante esse percurso, preferindo pensar em seus respectivos entes queridos. 

Frankl diz que seu espírito se agarra a "imagem" de sua mulher com uma fantasia incrivelmente viva, que ele não conhecera antes em sua vida normal. Ele "conversava em pensamento" com a esposa e a via responder e sorrir. Real ou não, o olhar de sua esposa exigia e o animava ao mesmo tempo. Viktor Frankl considerou pela primeira vez na vida estar experimentando a verdade daquilo que tantos pensadores ressaltaram como a quintessência da sabedoria: a verdade de que o amor é, de certa forma, o bem último e supremo que pode ser alcançado pela existência humana. Ele passou a entender as coisas últimas e extremas que podem ser expressas em pensamento, poesia - em fé humana: a redenção pelo amor e no amor! 

Passou a compreender que a pessoa, mesmo que nada mais lhe reste neste mundo, pode tornar-se bem-aventurada - ainda que somente por alguns momentos - entregando-se interiormente à imagem da pessoa amada. Na pior situação exterior que se possa imaginar, numa situação em que a pessoa não pode realizar-se através de alguma conquista, numa situação em que sua conquista pode consistir unicamente num sofrimento reto, num sofrimento de cabeça erguida, nesta situação a pessoa pode realizar-se na contemplação amorosa da imagem espiritual que ela porta dentro de si da pessoa amada. 

Nesta experiência, Frankl diz que entendeu a afirmação: "Os anjos são bem-aventurados na perpétua contemplação, em amor, de uma glória infinita. . ." 

Em um momento, quando seus companheiros caem e o guarda avança castigando-os, a vida contemplativa de Viktor Frankl é interrompida por alguns segundos. Mas ao abrir e fechar de olhos mais uma vez, ele direciona sua consciência salvando-se mais uma vez do aquém, da existência prisioneira, para um além que retoma mais uma vez o diálogo com o ente querido: "Eu pergunto - ela responde; ela pergunta - eu respondo." Frankl e seus companheiros chegam ao local da obra. E, sob ofensas dos guardas, todos se precipitam para dentro do galpão às escuras para arrebanhar uma pá jeitosa ou uma picareta mais firme. Eles voltam ao exterior e começam a trabalhar calados e sofrendo com o frio. Mais uma vez a mente (Viktor usa o termo espírito) se apega à imagem da pessoa amada e continua falando com ela, e ela continua falando com ele. De repente ele percebe que não sabe se sua amada está viva e naquele momento entende que o amor pouco tem a ver com a existência física de uma pessoa. Pois durante o período do campo de concentração não se podia escrever nem receber cartas. "Ele (o amor) está ligado a tal ponto à essência espiritual da pessoa amada, a seu "ser assim" (nas palavras dos filósofos) que a sua "presença" e seu "estar aqui comigo" podem ser reais sem sua existência física em si e independentemente de seu estar com vida".  De qualquer maneira, as circunstâncias externas não conseguiam mais interferir em seu amor, em sua lembrança e na contemplação amorosa da imagem espiritual da pessoa amada. Viktor Frankl concluiu essa experiência da verdade com a seguinte citação: "põe-me como selo sobre o teu coração... porque o amor é forte como a morte." (Cântico dos Cânticos 8.6). 

Viktor Frankl segue seus relatos citando mais casos de dificuldades e sofrimentos dos prisioneiros. Aqueles que se agarram a algo que os aliviam psiquicamente, se agarram ao futuro ou a alguma forma de espiritualidade. Boa parte dos relatos soam poéticos ainda que trágicos se formos priorizar a vida destas vítimas da guerra na Terra. 

Na situação extrema de miséria e opressão nos campos de concentração da 2ª guerra mundial, os prisioneiros que não se agarravam ao futuro/ à espiritualidade, ou adoeciam e morriam no desespero ou se tornavam animalescos, competitivos e egoístas. Um pequeno número destes últimos recebiam uma "promoção" dos nazistas ao posto de capo", uma espécie de capataz dos campos de concentração. A maioria esmagadora destes dois últimos grupos, adoecia e morria em algum tempo: Era praticamente uma sentença de morte direcionar expectativas ao mundo material em condições de miséria tão extrema, onde faltavam-lhes alimento, higiene, sono, afeto, tranqüilidade e, portanto, saúde: Uma hora as condições psíquicas decaíam tanto a ponto de acelerar o processo de adoecimento, trazendo a morte... 

A Logoterapia de Viktor é uma terapia alternativa de base fenomenológica. Ela foi considerada pelo próprio autor, como adequada às pessoas que estão passando por um significante sofrimento psíquico, mas não para casos mais graves considerados psicopatológicos. Além disto, Frankl diz que ela pode ser usada em conjunto com outras abordagens, como por exemplo, a psicanálise, pois não foi feita para substituir nenhuma abordagem psicoterapêutica. 

Gestalt Terapia (Abordagem) 

Gestaltismo foi desenvolvido por Kurt Koffka, Max Wertheimer e Wolfgang Kohler pela necessidade da existência de uma teoria que, não esquecesse o valor e a necessidade da experimentação científica. Os seus fundadores consideravam o objetivo da Psicologia como sendo o estudo da experiência de um organismo, no seu todo, com ênfase na percepção, ocupando-se da análise dos elementos essenciais que existem nos processos de organização, reunindo os elementos da experiência numa unidade complexa. A compreensão do ser humano se dá pela totalidade. “O todo é mais que a soma das partes”. A partir do gestaltismo, o psicanalista Fritz Perls e o grupo dos 7 fundaram a gestalt-terapia em 1951. 

Quem define o que é ciência? Quem define o que é verdade? 

Em epistemologia, pressupostos dizem respeito a um sistema de crença, ou Weltanschauung, e são, ao menos, supostamente necessários para que um valor fundamental, existencial e/ou normativo faça sentido. A própria palavra pressuposto, em sua etimologia, significa supor algo anterior. 

O bule de chá de Russell, eventualmente chamado de bule celestial, é uma analogia criada pelo filósofo Bertrand Russell (1872–1970) para defender a ideia da falseabilidade. Este último foi um conceito proposto pelo filósofo Karl Popper na década de 30, contra o raciocínio que se apoia em indícios para chegar a uma causa... É possível que tais argumentos foram desenvolvidos meramente para defender o ateísmo e o monismo materialista como base filosófica para as ciências. 

Os críticos do argumento do bule afirmam que a analogia do Bule de Russell não se sustenta porque parte de uma premissa errada. Respondendo à invocação do "Bule Celestial" de Russell como evidência contra a religião, o filósofo Peter van Inwagen argumenta que, embora o bule de Russell seja uma bela peça de retórica, sua forma lógica de argumento é menos do que clara... Enfim, existem diversos críticos a esta "base filosófica" que não parece priorizar nem a possível vastidão de conhecimento (além do espaço-tempo etc) nem o bem da humanidade. Afinal os argumentos destes filósofos do início do século 20, menosprezam práticas profissionais e teorias e de estudo que deixam questões em abertas: A psicologia analítica (e possivelmente todas as psicoterapias da frente psicanalítica e fenomenológica), a teoria geral dos sistemas etc. Também não é difícil ver como a psiquiatria passou a se apoiar nesse sistema de crenças para classificar todas as experiências "transcendentais" (mediunidade, psicografia, êxtase espiritual etc) como patológicas. 

 Mesmo os estudos empíricos feitos com base no monismo materialista, foram capazes de descobrir e explicar diversos fenômenos desde o século 18, SEM o auxílio destes pressupostos (a falseabilidade e a peculiar retórica do bule celestial). Afinal, métodos de estudo alicerçados no monismo materialista (empirismo por exemplo), são apropriados para estudar a matéria perceptível pelos 5 sentidos humanos, é óbvio. Porque o empirismo (ou qualquer método monista materialista) deveria explicar qualquer coisa relacionada a Deus, a fé, ou os pensamentos e sentimentos? Como já mencionei em algum outro texto, tais métodos e bases de estudo, talvez nem consigam explicar o que há por trás e/ou além de distorções no espaço/tempo. Qual a utilidade de um cientista querer provar a inexistência de espíritos, de outras dimensões ou de Deus? Oras, se há uma crítica importante a se fazer ao meio religioso, os métodos objetivos devem apontar problemas no mundo material, no espaço-tempo conhecido, e não "no além". Todos sabem que a corrupção seja na economia, na política ou na religião, visa benefícios para certos indivíduos aqui na Terra, em vida, então as críticas devem ser feitas a tais indivíduos ou as relações de poder e não às experiências transcendentais nem às teogonias etc. 

Sendo assim, uma crítica importante é: Estes argumentos do bule celestial e da falseabilidade que servem de verdade absoluta e dogmática para muitos dos cientistas materialistas (desde o início do século 20), ainda são necessários? 

Ao invés de uma estúpida disputa entre ciência, religião e filosofia, todos esses campos do saber seriam úteis e verdadeiros se servissem para o bem da humanidade. 

Espero que a humanidade descubra isso e abandone o fanatismo, seja na religião, no ateísmo disfarçado de ciência ou em qualquer outra base filosófica / argumento. 

ANDERY, Maria Amalia. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica . 4. ed., rev. Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2014. 435 p. ISBN 8528300978 (broch.). 

FRANKL, Viktor E., Em Busca de Sentido. LeLivros, 1984. 

JUNG, Carl G., Fundamentos da Psicologia Analítica. Tradução de Araceli Elman; Vozes, 1985. 

BOCK, Ana M.B.; Furtado, O. e Teixeira, M.L. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo: Saraiva.

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