sábado, 4 de julho de 2015

IDEOLOGIAS POLÍTICAS E ESTRUTURA DO ENSINO PÚBLICO

Encontrei este texto em um disquete (sim, um triássico disquete!) e embora simplista e imaturo, achei interessante essa postura pouco diferente (pelo menos nesse assunto) do meu eu de 25 anos, da postura do meu eu 10 anos mais velho, e foi o que me motivou a criar esse blog para fomentar a discussão e registrar nossas opiniões.

O texto (um tanto simplório e ingênuo) é um trabalho para a disciplina de Política e Organização da Educação Básica, da Faculdade de Educação, e foi escrito por volta de agosto de 2004:


            


Devo iniciar a discussão sobre o ensino público no Brasil pelos pressupostos da nossa sociedade, o que leva diretamente ao modo de produção desta, que no caso seria o capitalista, fortemente influenciado pela ideologia neoliberal, que não afeta somente a economia, mas a sociedade em geral.

Parte dos intelectuais da área de humanas, entram na discussão sobre o sistema econômico vigente e as ideologias que o movem, já que as pesquisas nessa área, que tentam desvendar a fonte e o processo histórico dos problemas de nossa sociedade (de ordem econômica, política, espacial, educacional, etc.) os conduzem à ela. Mas, por quê a política neoliberal, reconhecida como vilã por parte dos intelectuais, continua à ditar os passos de uma grande maioria de governantes? Estaria a crítica desses autores sendo vista como mero discurso ou fantasia? A ideologia neoliberal teria cegado nossos governantes para outras alternativas políticas? As elites beneficiadas pelo sistema exercem um poder de pressão tão grande à ponto de sufocar a autonomia dos governantes? As políticas sociais conseguem ser efetivamente benéficas para os setores excluídos da sociedade, mesmo dentro de uma política econômica neoliberal? Tais perguntas levariam a uma longa e interessante discussão, mas que por hora devemos focar no tocante ao ensino público atual.

Cunha (1980) esclarece muito bem a realidade do ensino público atual, ao desvendar seu processo histórico e suas raízes no liberalismo. Devo confessar que parte do discurso liberal é interessante (ao contrário do discurso neoliberal que Anderson nos mostra tão bem), principalmente por parte de Condorcet, Diderot e Lepelletier, mas como o próprio Cunha afirma ele dissimula a característica intrínseca do capitalismo: a desigualdade. Se atualmente acreditamos (ou mais acertadamente, nossos representantes políticos acreditam) que é necessário seguir as políticas do FMI para nos desenvolver, políticas essas que seguem a cartilha neoliberal, e portanto incutem em redução dos gastos estatais com o bem-estar social, como poderíamos possuir um sistema de ensino que ajudasse a criar melhores possibilidades de ascensão social e igualdade de oportunidades? Como Anderson (1995) afirma, o neoliberalismo objetiva a desigualdade como fomentador de crescimento econômico (o que aliás não ocorre no geral), se essa desigualdade é um princípio de nossa sociedade (mascarado na maior parte do tempo), não teríamos como objetivar um ensino igualitário, mas é a partir deste ponto que concordo com Cortella (1998) e sua concepção de otimismo crítico, onde os educadores devem estar cientes da função política da escola (de reprodução do status quo), mas também se utilizando da “autonomia relativa” que a escola proporciona para realizar “inovações”. Ou seja, se grande parte dos educadores assumirem uma postura de defesa da igualdade, seria possível formar jovens com consciência política ao menos, e dessas futuras gerações poderíamos esperar uma busca pela sociedade mais justa bem mais concreta do que a da nossa atualidade. A frase do pensador liberal, Horace Mann, parece se encaixar bem neste pensamento: “...Mas, se a educação for difundida por igual, atrairá ela, com a mais forte de todas as forças, posses e bens, pois nunca aconteceu e nunca acontecerá que um corpo de homens inteligentes e práticos venha a se conservar permanentemente pobre...”. Embora romântica em demasiado, o que deve-se ressaltar é que se conseguimos dar aos subjugados e dominantes de nossa sociedade, a consciência do que ocorre na realidade, pode-se esperar uma transformação social, pois a parcela da sociedade que conhece o que ocorre, é muito pequena, o restante fica por trás do véu alienador do cotidiano ou da ideologia. Me recordo aqui das palavras proferidas pela minha dentista se referindo à candidatura de Lula, quando eu afirmei que no segundo turno votaria nele: “Eu pensei em votar no Lula, mas não sei, ele tem aquelas idéias malucas de socialismo, tenho medo do que possa acontecer...”, doce ilusão, mas aqui existe algumas questões muito importantes: o medo a que ela se refere, é o de perder seus bens? Seu padrão de vida? (é importante citar que ela visitou Cuba, e comentou sobre a pobreza). Essa posição é proveniente pelo desconhecimento dos pressupostos capitalistas? Ou ela é consciente da miséria, mas não pode sacrificar seus privilégios? Ou aceitou a idéia de que a riqueza está distribuída de acordo com o mérito individual?

Sabe-se que o padrão de vida das elites (e dos países ricos, como E.U.A.), não poderia ser sustentável se fosse comum à todas as pessoas, por volta de 70% dos recursos naturais mundiais são consumidos pelos E.U.A. Mas e se essa consciência política gerada no ensino conseguisse mexer com a moral de pelo menos parte satisfatória da elite? Já que as pessoas estariam cientes de que muitas outras estão passando fome para elas poderem passear de iate.

Por parte da população mais pobre pelo menos, essa consciência clara permitiria que se dissipasse a concepção de “ordem natural das coisas”, onde a desigualdade é atemporal, “sempre foi assim, ricos e pobres” e assim desaparecesse o conformismo. É comum ouvir no ônibus (e eu pego 4 por dia) pessoas comentarem “esses políticos são todos safados” ou “esses mendigos tinham é que levar uma surra pra deixarem de serem vagabundos e irem trabalhar”, a população pode reconhecer a ação do capitalismo na nossa sociedade através da criação de exército-de-reserva e das péssimas condições do sistema de bem-estar social (principalmente a saúde, onde posso afirmar com exatidão, já que sou usuário), mas ela não consegue relacionar um ao outro. É por isso que a educação pública representa a válvula de escape principal dos nossos problemas sociais, mas ela está severamente limitada. Quantas pessoas oriundas de famílias pobres, conseguem chegar na universidade pública? Quantas delas conseguem pagar uma universidade privada? Quantos cursos conscientizam seus alunos e não são puramente técnicos? Quantos alunos do ensino fundamental e médio adquirem alguma consciência política?

Embora a discussão política seja muito freqüente na Geografia, não creio que seja em boa parte dos cursos de nível superior, e é por isso que admiro a organização dos cursos de licenciatura na USP, que permite que essa discussão seja levada para os mais diversos setores do conhecimento acadêmico e os coloca frente a frente, mas embora, essa seja a faixa de alunos desejável para obter essa consciência (já que serão os futuros educadores), seria necessário que essa discussão se desse no nível do bacharelado em todas as áreas.

Por fim, devo ressaltar a importância dos movimentos sociais, essa forma de organização social é essencial para buscar mudanças na nossa sociedade, dado o alto grau de comprometimento do Estado com os interesses do capital. Eles também são capazes de prover a população com consciência política, e são outra válvula de escape para a nossa sociedade. Gonzáles Casanova (1995) chega até a afirmar que eles são os prováveis fomentadores de uma próxima revolução social contra o neoimperialismo, e Gohn ressalta a importância desses movimentos no Brasil ao reivindicarem ética, algo muito complicado no ambiente político brasileiro, com um histórico repleto de assistencialismo e outros problemas morais e éticos. A importância de certas ONGs na educação ambiental (tema com problemas de organização no sistema de educação), é relevante, e embora não se possa classificar todas como socialmente responsável, boa parte delas estão envolvidas com trabalhos sociais importantes.

Talvez o que possa mudar nossa sociedade para uma forma mais justa de existência nasça da educação formal e informal, através da conscientização dos diversos segmentos da sociedade, mas tudo isso dependerá ainda de uma coisa muito importante que existe no homem, e independe de educação, mas que a cada dia de existência nesse ambiente individualista, se perde um pouco: a bondade.


























Bibliografia



ANDERSON, Perry “Balanço do Neoliberalismo” In: SADER, Emir; GENTILLI, Pablo (orgs.), “Para além do neo-liberalismo”

Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995.



CORTELLA, Mário Sérgio “A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos”

São Paulo, Cortez, 1998.



CUNHA, Luiz A. “Educação e Desenvolvimento Social no Brasil”

Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1980.



GOHN, Maria da Glória “História dos Movimentos e Lutas Sociais”

São Paulo, Loyola, 1995.



GONZÁLEZ CASANOVA, Pablo “O Colonialismo Global e a Democracia”

Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1995



JACOBI, Pedro, NUNES, Edison “Movimentos Populares Urbanos, Participação e Democracia” In Ciências Sociais Hoje, 2, Movimentos Sociais Urbanos, Minorias Étnicas e Outros Estudos.

Brasília, ANPOCS, 1983.












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