sexta-feira, 24 de julho de 2015

Ciências Sociais - Segmentação Conveniente.

Olá a todos.

Este primeiro parágrafo carimba o meu aceite ao honroso convite de contribuir com este espaço de exposição de ideias e discussão sobre sociedade. Mas antes de qualquer pseudo crítica que eu venha a escrever acho importante esclarecer alguns pontos gerais sobre minha formação e minha percepção inerente sobre a sociedade.

Não sou um cientista político, sociólogo, geógrafo, economista ou historiador, sou contador; e como tal, as pessoas me olham como se eu fosse uma calculadora ou uma espécie de “help” do programa de IRPF do governo, portanto, não sou formalmente considerado um “especialista” da área social (se é que eles existem). Adicionalmente, não é tão comum que um contador tenha interesse (e muito menos conhecimento) sobre os conceitos que definem o macro ambiente econômico e social.

No entanto, os axiomas do parágrafo acima sempre foram bastante curiosos ao meu ver, tanto a associação às atividades que não são mandatórias para a formação do contador, quanto o desinteresse geral dos profissionais da área pela ciência social como um todo.

Sobre o pressuposto de que há o completo domínio dos contadores sobre o conhecimento do arcabouço tributário, ou sobre as minúcias do cálculo do Imposto de renda, basta dizer que embora façam parte da disciplina contábil, não são conhecimentos fundamentais ou tampouco prioritários para execução da profissão. Posso aliás, assegurar sobre o IR de pessoas físicas que essa matéria quando abordada não cobre nem 1% do conteúdo programático de um curso de graduação em ciências contábeis, embora eu admita ter visitado seu conceito principal durante o curso técnico de contabilidade.

Você deve estar aí se perguntando “qual a finalidade de um contador então?”. Sinto em decepcionar, mas fora o que será posto de maneira tácita nesse texto, essa questão vai ficar pra outra oportunidade.

Por isso vou dedicar o conteúdo dessa postagem à outra constatação inicial, a qual revela que o profissional da contabilidade não tem nenhuma relação próxima com as disciplinas sociais conceituais.

Conforme já sabido pela maioria, durante o decorrer do curso de graduação em contabilidade temos aulas de economia, sociologia e direito - disciplinas que tratam das entidades e dos relacionamentos sociais agregados de uma forma mais ampla - e não à toa; as premissas desses campos de conhecimento são introduzidas no esforço de “linkar” a ciência contábil (que pode ser traduzida aqui nessa resenha, e em muitas outras situações, como o “estudo do patrimônio”) às necessidades impostas por essas outras disciplinas mais generalistas. Mas pelo óbvio descaso da maioria dos colegas de profissão sobre esses tópicos, só posso concluir que esse esforço tem falhado miseravelmente através dos anos...

A verdade, é que nós contadores estamos nos afogando nos tecnicismos criados por nós mesmos na tentativa de impor a apreciação patrimonial a cada mísera unidade contábil passível de valoração, sobre as mais diversas formas jurídicas existentes no mercado. Os antigos guarda-livros se tornaram os novos guarda-regras, porta-vozes da discussão sobre o sexo dos anjos, e fadados à prisão desse emaranhado de normas.

Não se trata de estar atacando de forma gratuita a minha própria classe, o que quero mostrar é que embora nossa “paixão” pelas regras e normatizações seja importante (e como), ela não deveria nos cegar, nem nos deixar esquecer que a contabilidade é informação, antes de regulação; lógica, antes de mecânica; e enfim o mais importante: é essência sobre a forma...

Aonde quero chegar? Vou lhes falar: Se uma simples revisão sobre as peças contábeis (balanço, demonstrativo de resultado e caixa) de uma empresa, deve oferecer informações substanciais sobre a situação de uma empresa, a análise sobre estas mesmas informações agrupadas de um determinado setor pode dizer muito sobre seu nicho econômico; e consequentemente o agrupamento dessas informações dos diversos setores pode oferecer uma “foto” panorâmica da economia como um todo.

Para sustentar essa premissa e alcançar o objetivo desse post, vou utilizar o esplêndido trabalho de Thomas Piketty em “O Capital no Século XXI”, talvez a pesquisa de maior profundidade e repercussão já feita nesse sentido.

O economista francês (pois é, senhores contadores) faz uma análise assombrosa - no sentido de amplitude de amostras – dos últimos três séculos sobre os dados contábeis dos países mais ricos; utilizando nada mais nada menos que a contabilidade; inicialmente com dados do imposto de renda e nos períodos mais recentes sobre os ativos e passivos empresariais e governamentais, conforme disponibilidade desses dados.

Mas não fiquem lisonjeados senhores economistas, é aqui que minha resenha deslancha, e os protagonistas não poderiam ser outros, senão vocês: os visionários da nossa realidade.

Se o contador moderno é um sujeito míope, o economista (particularmente os neo-clássicos) é um grande ilusionista. Com suas teorias mirabolantes e fórmulas “complexadas” (sim, entenda como quiser) os “matematizadores” das ciências humanas distraem suas vítimas, e transformam o simples e óbvio nas mais intrincadas sequências de algorítmicos imagináveis. Mas no fim não sabem responder a diferença conceitual do que é o Ativo e Passivo contábil...........

Mas como é que um profissional que se propõe a fazer a leitura exata (quando não o prognóstico) de um cenário econômico, não sabe como funciona a unidade básica da economia? A empresa. Bom, não é culpa deles, vocês lembram daquela história sobre ignorar o que está sendo ensinado na sala ao lado, justamente o que acabei de colocar na análise do aprendizado do contador? É exatamente a mesma coisa (nesse caso com uma dose a mais de empáfia e uma a menos de desinteresse).    

Em outras palavras o contador não se mete com a economia e o economista não se mete com a contabilidade, tudo fica bem, cada qual com seu guarda roupas e seus respectivos cabides.... sem saber, ou simplesmente ignorando o fato que esses campos de estudo são dependentes um do outro.

O contador comum afrontado por essa realidade se apequena, se reprime, não sabe, não quer saber e tem raiva de quem sabe economia; o economista se ofende, pois acha que é superior, afinal como tal repertório teórico com sua profusão de modelos estatísticos poderia simplesmente ser subjugado pela aritmética básica da contabilidade?

E quem poderá confrontá-los, quem tem igual ou superior base teórica e bagagem de conhecimento??? Quem poderia combalir tais teoremas néo-liberalistas dogmáticos??? Ninguém, senão um deles, respeitado em seu meio acadêmico que é inacessível aos leigos e às prostradas pessoas comuns.

Tomo a liberdade então de divulgar uma breve passagem de seu livro-tese já citado nesse texto, onde o autor discorre sobre o mesmo tom em que lhes escrevo, sem se importar com os “lados”, lobbys, corporativismos ou eventual viés acadêmico ao qual poderia muito bem ter se apoiado.

Deste ponto em diante, apenas Monsieur Piketty:

"Devo dizer que desfrutei do 'sonho americano' aos 22 anos, quando fui contratado para lecionar em uma universidade perto de Boston, logo após por meu diploma de doutorado no bolso. Essa experiência foi decisiva em mais de um sentido. Era a primeira vez que botava os pés nos Estados Unidos, e o reconhecimento precoce da minha pesquisa acadêmica não foi desagradável. Aí estava um país que sabia atrair os imigrantes que desejava reter! Todavia, logo me dei conta de que queria voltar para a França e para a Europa, o que fiz ao completar 25 anos[...]

Um dos motivos mais importantes para a minha escolha tem relação direta com este livro: não fui convencido pelo trabalho dos economistas americanos. É claro que todos eram muito inteligentes e ainda tenho vários amigos que pertencem a este universo. Mas havia algo estranho: eu estava bem ciente de que não sabia nada sobre os problemas econômicos do mundo.
Minha tese consistia em alguns teoremas matemáticos relativamente abstratos. E, no entanto, eu era bastante admirado naquele meio. Logo me dei conta de que nenhum trabalho empírico de peso sobre a dinâmica de desigualdade fora realizado desde a época de Kuznets (foi a isso que me dediquei quando voltei para a França) e, ainda assim, continuavam a alinhar resultados puramente teóricos, sem nem mesmo saber quais fatos explicar, e esperavam que eu fizesse o mesmo.

Sejamos francos: a economia jamais abandonou sua paixão infantil pela matemática e pelas especulações puramente teóricas, quase sempre muito ideológicas, deixando de lado a pesquisa histórica e a aproximação com as outras ciências sociais. Com frequência, os economistas estão preocupados, acima de tudo com pequenos problemas matemáticos que só interessam a eles, o que lhes permite assumir ares de cientificidade e evitar ter de responder às perguntas mais complicadas feita pelo mundo que os cerca. Ser um economista acadêmico na França tem uma grande vantagem: nós não somos tão respeitados nos meios intelectuais e acadêmicos, tampouco pelas elites políticas e financeiras.  Isso obriga os economistas a abandonar o desprezo que sentem pelas outras disciplinas e a pretensão absurda a uma legitimidade científica superior, ainda que não saibam quase nada sobre coisa alguma. Esta aí, aliás, o charme da disciplina e das ciências sociais em geral: parte-se do início, bem do início, às vezes, o que permite a esperança de fazer progressos importantes. Na França, os economistas são, creio eu, um pouco mais incitados do que nos Estados Unidos a convencer seus colegas historiadores e sociólogos - sem falar no mundo fora da academia - de que aquilo que estão fazendo é de fato interessante (embora nem sempre sejam bem sucedidos nessa tarefa).

[...] Na verdade, eu adoraria que tanto os especialistas, os cientistas sociais, quanto o público geral encontrassem algo de interessante neste livro, a começar por todos aqueles que dizem "não saber nada de economia", mas que com frequência têm opiniões muito fortes sobre a desigualdade de renda e da riqueza, o que é natural.

Na realidade, a economia jamais deveria ter tentado se separar das outras ciências sociais; não há como avançar sem saber o que se passa nas outras áreas. Coletivamente, o conhecimento das ciências sociais é demasiado pobre para que se perca tempo com picuinhas, pequenas disputas de território sobre quem deve estudar o quê."

Bom, acho que esse trecho reforça o que eu estava querendo explicar, por isso, fora o comentário de que esse panorâma sobre os acadêmicos americanos pode ser muito bem estendido para o nossa amada realidade interna, qualquer coisa que eu acrescente, será mera redundância.

Au revoir.


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