sexta-feira, 4 de março de 2016

Smart phones - Apocalipse Social?


É muito comum ver por aí, principalmente nas redes sociais, uma crítica severa ao uso de smart phones como ferramenta de 'zumbificação': aquele cara que usa seu celular de modo que pareça um zumbi rastejando atrás de um cérebro.

É claro que ninguém gosta de um zumbi esbarrando cegamente e atrapalhando o trânsito de todos, em uma estação de trem, por exemplo. Mas as críticas vão mais a fundo, e com certa razão, a última que eu li era referente ao show dos Rolling Stones em São Paulo, e é fácil concordar com quase todas elas. Mas aqui começo a ter meus momentos de advogado do diabo (e esse é só o começo, pretendo defender o diabo com mais veemência mais a frente, e esse diabo, acreditem ou não, é o capitalismo).

As relações humanas são deterioradas pelo smart phone, ou isso é somente um passo na escala de deterioração dessas relações? (e aqui não dá pra defender muito o diabo, só o celular dele)

Acreditar que éramos mais legais uns com os outros 20 anos atrás me parece muito ingênuo. Aliás, o processo de proteção à ambientes hostis, para mim, começou por volta de 1990, com um walkman vermelho trazido do Paraguai (ok, na época eu não sentia tanta necessidade de proteção ao ambiente, estava mais é maravilhado com o fetichismo da mercadoria).

Com um walkman você já podia se isolar no trem ouvindo rádio ou uma fita k7 (com pilhas alcalinas talvez desse até para ida e volta), pastores poderiam pregar, pedintes mendicar, vendedores propagandear, pessoas discutir, e nada disso importava.

Toda a falta de interação social aqui poderia ser creditada ao diabo: é um convívio forçado, com pessoas estranhas, a maioria se deslocando forçadamente para um lugar que não queriam ir (trabalho, escola ...), em horários que castigavam sua biologia e com ausência de conforto.

Claro que essa é uma realidade urbana, lugar onde a alma do diabo se solidificou, e talvez os felizardos que vivem em um ambiente rural sejam poupados disso. Não cabe aqui me aprofundar no assunto por falta de experiência ( o máximo que pude experimentar foi viver no interior, em uma cidade de porte médio, por um ano, onde aliás, havia mais relações sociais).

O que quero enfatizar aqui é que o diabo é mais culpado do comportamento humano hoje, do que seu instrumento (o smart phone). O que o diabo criou - megalópoles, alienação do trabalho, migalhas a serem disputadas pelos trabalhadores, lavagem cerebral midiática, ideologias de divisão - é o verdadeiro núcleo da deterioração das relações sociais.

Na verdade, isso tudo não fugiu muito das críticas encontradas por aí - sociedade do espetáculo, consumismo, blablabla - tudo isso, obviamente é direcionado ao diabo, e não ao seu celular, embora esse aparelinho seja um foco e tanto.

Mas aqui tenho que defender o diabo de maneira mais notória: o diabo não inventa tudo isso do nada, ele não sai de seu troninho de obsidiana pela manhã pensando "hoje vou fazer o Rodriguinho ignorar a família no jantar jogando Candy Crush", não, ele trabalha com o que existe, ele trabalha com o que as pessoas querem.

Mas a gente quer isso o tempo todo? Para sempre? Não importa as consequências? Quero um jatinho mesmo sabendo que os recursos desviados para sua construção irão acarretar em alguém passando fome?

Claro que é uma situação hipotética e absurda, forçada, mas vale para induzir à reflexão: o capitalismo existe, porque a gente quer algo? A gente sempre quis isso ou alguém nos induziu a querer?

Não vale à pena aprofundar a discussão nessa direção agora, mas vale pegar o início disso e trabalhar outra ideia: Ninguém quer ver o outro passando fome. Ninguém quer ver o outro sofrendo (tudo bem vai, talvez um pouco, mas não tortura eterna).

Mas daí, a ser santo, é algo complicado. Quem teve uma formação católica sabe que este é o objetivo dessa religião, particularmente, eu consegui carregar isso por um tempo após a Crisma, mas esse é o tipo de objetivo que você não pode almejar a perfeição, tem que se contentar com o que conseguir.

O efeito que essas matérias de críticas aos smart phones causam em mim é basicamente esse: você não está conseguindo ser santo. Daí eu ter que me aliar ao diabo nesse momento, ou me martirizar para sempre.

Será que eu realmente tenho que ouvir opiniões absurdas em filas de banco? Xeretar a vida dos outros que conversam no metrô? Discutir inutilmente em uma mesa de bar quando um dos lados não está propenso a dialogar?

Será que eu não posso diminuir a tortura que é usar transporte coletivo, ouvindo música ou lendo um livro no celular? (Isso é rebeldia ao sistema! Você está usando um tempo que foi tomado de você para fazer algo que você quer). Filmar uma música que gosto muito em um show, e guardá-la para sempre? (nunca confiei na minha memória - embora nunca tenho feito isso em um show)

Enfim, eu não irei me juntar aos exércitos críticos nessa cruzada contra os zumbis, não dessa vez. Interação social é importante sim, politização, debates, mas há o equilíbrio, você precisa ter um tempo para a sociedade e um tempo para você, no fim, algo difícil de explicar, e aberto à interpretações e críticas é a solução para mim: bom senso.

4 comentários:

  1. Só pra deixar bem explícito: o diabo É o capitalismo, preferi uma abordagem mitológica do que ficar recorrendo às palavras capitalismo e sistema, para deixar o texto mais divertido.
    p.s.: ok, ok, meu senso de humor é singular.

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    1. Esse seu "apêndice" pode ser importante para alguns... em certo momentos o texto de fato parece ter uma abordagem quase religiosa, rsrsr..

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  2. Imagem tirada do Google inserida posteriormente...

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  3. O trecho "...estava mais é maravilhado com o fetichismo da mercadoria", está mais para o efeito psicológico do fetichismo da mercadoria, já que na perspectiva marxista, o fetichismo da mercadoria é explicado com base no valor de uso, valor e valor de troca. (Este vídeo do Orientação Marxista certamente é indicado para quem quer entender o significado: https://www.youtube.com/watch?v=1_FtWE_Os4s)

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