sábado, 6 de agosto de 2022

Aporofobia: Como surgiu e o que é

 

Eu devo ser um cara privilegiado, mas não com os privilégios materiais que muita gente deve imaginar: Eu e meus dois irmãos somos filhos de um operário e de uma "dona de casa". Então alguém poderia perguntar: Que privilégio há nisso? 
 Bom... posso dizer que se não há privilégio, há ao menos uma prevenção. Eu fui protegido contra uma das piores doenças da psiquê humana (alma): a ganância - o ato de querer mais e mais para si mesmo. 
Embora desde pequeno ouvi frases do tipo: "Se você não estudar, vai puxar carroça quando adulto" ou "Se não procurar um bom emprego, vai virar mendigo (etc), eu ao menos, não cresci entre admiradores das fortunas e dos ricos e nunca vi muito sentido na busca enlouquecida por dinheiro ou por status. 
Estes discursos se espalharam pela nossa sociedade por sabe-se lá quantos anos. É o discurso que alega quem não estuda ou não consegue um bom emprego, tem mais é que se ferrar. Muitas pessoas (como alguns parentes meus que nunca chegaram perto de enriquecer) repetiam isto automaticamente, sem saber o porquê e sem se interessar sobre os motivos desta ideia de descartar seres humanos. Afinal, o descarte deve parecer natural para a maioria das pessoas que não estudou história ou geografia e/ ou não desenvolveu uma empatia solidária. O descarte de seres humanos faz parte dos sistemas capitalistas, ou seja, do conjunto de regras e leis que priorizam quem tem mais dinheiro. É um discurso fomentado pelos mais gananciosos, e portanto, muitas vezes pelos mais ricos. 

Um Breve Resumo Histórico
O liberalismo que teve seu início lá na Europa iluminista entre os séculos 17 e 18, sempre foi um sistema de regras e leis que protegiam os mais enriquecidos (burgueses), dando algumas chances de uma minoria da população ocidental enriquecer, para parecer um sistema natural e com oportunidades sedutoras de enriquecimento. Porém no século 20, após a 2ª guerra mundial, os enriquecidos decidiram aumentar as mensagens de sedução diante as enormes massas das baixas classes sociais (pobres). As mídias de massa (TV, rádio e jornais) possibilitaram o crescimento de propagandas e campanhas publicitárias de uma maneira jamais vista antes na história da humanidade e isto começou a incentivar o consumo exagerado de produtos, que muitas vezes, sequer eram úteis ou necessários. Nos anos 60 então, surgem diversos protestos contra o consumismo e seus efeitos nocivos. Porém se houve alguma eficácia na crítica ao consumismo gerado pelas campanhas publicitárias que buscavam seduzir as massas numa busca desenfreada por comprar mais e mais, essa eficácia durou pouco. Nos anos 80, defensores dos bilionários estadunidenses espalham a ideologia neo-liberal, convencendo governos de vários países a adotarem medidas de abandono do bem-estar social, ou seja, descarte de seres humanos. Isto agilizou a queda dos regimes socialistas e destruiu diversos setores da infraestrutura de diferentes países, prejudicando adivinha quem? Os pobres. E os pobres aqui não se trata só de desabrigados ou de desempregados: é toda uma classe trabalhadora mal remunerada, ou seja, que ganha pouco (o clássico salário mínimo). Mas como os milionários e bilionários escaparam impunes por tanto tempo? A resposta não é difícil: Enquanto a humanidade não se torna mais solidária, ela é facilmente comprada por determinadas quantias de dinheiro e facilmente fascinada pelo luxo e pelo discurso de sucesso que os defensores dos mais ricos espalham por aí. 

Aporofobia nos dias atuais
Na virada do século 20 para o 21, campanhas meritocráticas, defendiam os mais ricos diretamente ou indiretamente, mas agora pela internet e pelas mídias sociais. Exceto pelas táticas obscuras e invasivas (algoritmos, bolhas sociais e venda de informações pessoais), pouco mudou: É a idolatria dos ricos, ou seja a plutocracia, o governo dos multimilionários. Estes multimilionários, na maioria das vezes nem são políticos - Eles são empresários e sócios-proprietários de grandes corporações, seja do mercado imobiliário, do petróleo, das finanças (bancos), das mídias (emissoras de tv e mídias sociais) ou das indústrias de alimentos. E quem é o oposto dos mais ricos/ dos multimilionários? Os mais pobres, é claro. 
Assim, os desempregados, os vulneráveis, ou desabrigados/ pessoas em situação de rua são acusadas de serem a escória da civilização. São tratados como vagabundos, desprezíveis, repulsivos, enfim... algo a ser escorraçado/ expulsos para não "poluírem" as ruas dos indivíduos "bem sucedidos", da classe média alta, dos ricos e afins. Isto é o que vem sendo chamado de aporofobia apenas há alguns anos - a fobia, aversão ou ódio aos pobres. É o resultado de tudo o que citei até então: É cria do capitalismo neoliberal, dos discursos de meritocracia, da idolatria do luxo, da concentração de renda e da plutocracia. Não só isso, é também a criação de um inimigo para se descarregar ódio e para por a culpa de problemas geralmente inventados por quem está numa situação mais confortável. 
Ora, alguém pode falar: Os mendigos são desprezados desde o Império Romano ou desde a antiguidade clássica. É verdade, mas eles não eram produzidos arrancando o emprego, a renda e os bens básicos para sobrevivência de centenas de milhares de pessoas. Na antiguidade não existiam tecnologias como hoje, no século 21, que poderiam facilitar a vida da maior parte ou de toda a civilização. Não existia distribuição de energia elétrica, nem veículos motorizados, nem eletrodomésticos etc. 
A solução vendida pelos gananciosos então, não é eliminar a pobreza, distribuindo condições razoáveis nem oportunidades de trabalho digno às pessoas mais pobres. A solução oferecida pelos gananciosos é o abandono e a morte dos mais empobrecidos. Ou seja, ao invés de eliminar a pobreza, querem eliminar o pobre. Para isso, eles desprezam e atacam quem pratica a solidariedade e caluniam os discursos a favor da equidade. A tática dos multimilionários e dos gananciosos é a mesma do passado, pois eles só renovam as palavras e os meios por onde propagam as mentiras e a injustiça. Este ato de desprezar os mais pobres e culpá-los de sujar a cidade, infelizmente se espalha dos mais ricos até a classe média e alguns dos pobres que ainda têm um lugar para morar. Assim se espalha a aporofobia, mais um deplorável preconceito da humanidade. 
Por fim, com o grande aumento de pessoas desempregadas no Brasil (e certamente no mundo), a aporofobia tomou proporções mais descaradas - A arquitetura hostil: Donos de estabelecimentos estão colocando obstáculos que impedem não só as pessoas em situação de rua a deitarem em busca de um local para dormir ou de um abrigo da chuva ou do frio, mas que também impedem qualquer cidadão até mesmo de sentar em certos locais, como degraus e muretas! 
Além disto tudo, o aumento do desemprego aliado a este preconceito, corre o risco de gerar um novo genocídio - Uma matança de todas famílias e todas as pessoas que perderam as condições de sobreviverem. Ainda que os gananciosos mal ordenem a utilização de armas contra as pessoas em situação de rua, o objetivo da aporofobia não deixa de ser uma matança, pois os favorecimentos dos mais ricos e o abandono gradual e disfarçado dos mais pobres, acaba deixando mais e mais pessoas com uma única opção: A de morrerem sem um lar, sem alimento e sem direito algum.

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