quinta-feira, 31 de março de 2016

A perda de apoio dos moralistas e as atuais bases de sustentação do PT


Hoje é dia 31 de março, dia emblemático. Com manifestações marcadas para hoje e amanhã, estive perdido em reflexões que atrapalham a continuidade de algumas tarefas (como programar alguns exercícios em C# e o próprio projeto de mestrado), resolvi então colocá-las no papel (virtual) para analisá-las melhor e esvaziar a cabeça.

A primeira delas era sobre a perda da base de apoio moralista do PT. Eu estava pensando nas famílias de alguns amigos de classe média, cujos pais votavam no PT mas hoje não mais. É provável que a maioria dessas pessoas sejam pró-impeachment agora e com uma razão muito forte para elas: o PT traiu a confiança que esses eleitores depositavam no partido.

Essas pessoas, professores universitários (normalmente de cursos menos críticos do que Geografia e História, por exemplo), profissionais com ensino superior, etc. votavam no PT principalmente pela integridade moral do partido (na época) e pelo viés humanista de suas campanhas (eu me lembro da propaganda do PT que mostrava moradores de rua e afirmava: se você se comove com essa cena, você está conosco). Era fácil ver que os outros partidos (podemos dizer, os de direita) não estavam se importando muito com os pobres, os discursos estavam sempre protegidos pela máscara da importância do crescimento econômico e frases absurdas como "é preciso fazer o bolo crescer para poder dividir as fatias".

Tenho que fazer uma observação aqui sobre "cursos menos críticos do que Geografia e História, por exemplo", uma afirmação por tabela de que Geografia e História (e logicamente muitos outros como Sociologia, Economia (de base política, não neoclássica), Filosofia, etc.) são 'cursos críticos'. É claro que cada curso, em cada faculdade possui uma realidade distinta, mas há uma tendência, devido também a algumas correntes teóricas difundidas nesses cursos, de que os alunos que os cursam estudem a sociedade muito mais a fundo. Com o conhecimento dos 'motores' da sociedade, e claro, dentro de sociedades capitalistas o motor principal é o dinheiro, esses eleitores costumam ter uma visão mais complexa do porquê votar no PT (quando o fazem).

Então chegamos na segunda reflexão, sobre a perda de apoio de parte do eleitorado de esquerda. É claro que a divisão na esquerda sempre foi gigantesca. Parte dos alunos que se formam nos cursos críticos provavelmente nem se consideram de esquerda, podem considerar que foram 'forçados' a acreditar em algumas ideologias, ou escolheram focar nas bases tecnicistas dos cursos e no mercado de trabalho, ou acreditam em uma solução de centro: alternância de poder, políticas de acordo com as tendências econômicas, etc.

Dentro do grupo que se considera de esquerda o racha sempre foi enorme: sociais democratas, socialistas, comunistas, trotskistas, anarquistas, etc. As diferenças entre quais soluções são as melhores para os problemas da realidade brasileira e como alcançá-las sempre foram objeto de discussão infinita, entretanto havia uma convergência (que mesmo a direita afirma querer): reduzir a pobreza.

Quer queira, quer não, o PT foi eleito e resolveu boa parte do problema. Para mim, particularmente, é revoltante ver o que os governos anteriores fizeram para resolver isso: nada. Claro que há o discurso de que alguns desses governos estavam "lançando a base para a solução ... criando uma economia sólida ... blá ... blá ... blá", não me convencem. Eu reconheço algumas soluções, independentemente de quem as criou, e acho que foram boas políticas: plano real, lei do medicamento genérico, Bom Prato, etc. Não vou nem discutir as intenções por trás de cada uma (pode-se afirmar qualquer coisa de maneira leviana, sem provar, desde que FHC usou o plano real criado pela base do PSDB na gestão Itamar como trampolim político, Serra beneficiou conhecidos com sua lei ou Lula estaria 'comprando votos' com o Bolsa Família). O que importa aqui é que, Lula tirou milhões da fome, muita gente deixou de morrer, um problema crítico e vergonhoso da sociedade brasileira foi vencido.

E é aqui que as coisas começam a complicar, o PT foi reeleito, e reeleito, e reeleito de novo! Resolvido esse problema mais gritante, o governo foi implantando suas políticas, como qualquer outro anterior (aqui podemos, é claro, incluir uma enorme discussão: cotas, pró-uni, casa para todos, aumento do salário mínimo, etc. Governos de outros partidos fariam a mesma coisa? Não sei.). O fato é que, são medidas que podem ser questionadas tanto pela esquerda como pela direita, por exemplo, alguém de esquerda poderia dizer "O Pró-Uni aumenta a quantidade de vagas no ensino superior, mas com qualidade questionável!" e alguém de direita poderia bradar "Essas políticas assistencialistas não são sustentáveis!". A verdade é que a gente gosta de bater no governo, isso vem de longa data, é só buscar programas televisivos. Como a sociedade é governada através da representatividade, é inevitável que o descontentamento da população recaia sobre os representantes.

Isso fica muito mais grave com um desgaste devido ao longo tempo no poder e a incitação acumulada de grupos midiáticos. Veja bem, o governo do PT geriu a máquina estatal de maneira muito ruim em vários pontos, principalmente na área de meio-ambiente e no tratamento dos povos indígenas. O partido inflou, absorvendo quadros absolutamente questionáveis (vide Delcídio de Amaral), moralmente falando, já haviam membros questionáveis desde o início (Palocci? Zé Dirceu?). Geriu o país, em muitos pontos, como os velhos partidos faziam, toma-lá-dá-cá, corrupção (pode-se até questionar uma condenação com algo tão 'forçado' como a Teoria do Domínio de Fato, mas que a corrupção continuou 'comendo solta' todos sabemos), lentidão. Mas o que realmente conflagrou a guerra ao PT foi a incitação da mídia, é ela que decide o que mostrar, quando mostrar, e com que frequência.

Aqui chego na terceira reflexão: com o desgaste natural, a equalização (mesmo que apenas em alguns setores) do PT com os partidos governantes anteriores, a anti-propaganda midiática e o mais agravante, um judiciário que inspira pouca confiabilidade, é sábio parte da esquerda assumir posição pró-impeachment?
Podemos questionar várias coisas aí: Esse setor de esquerda pró-impeachment tem alguma relevância numérica? O impeachment é legal ou não? Quem se beneficia com a culminação do impeachment?
É verdade que a relevância numérica do PSTU e da Conlutas pode não ser muito grande, mas nesse momento específico qualquer fato que a mídia resolva explorar pode ter um impacto profundo. Vários juristas estão se digladiando sobre a legalidade do impeachment, bem, eu fico do lado dos que acham o impeachment baseado nas 'pedaladas fiscais' ilegal. E aqui o ponto mais importante: quem se beneficia do impeachment NÃO é o PSTU, nem a Conlutas, nem o trabalhador (pode aguardar a aceleração da destruição da CLT assim que Temer assumir - e não amiguinho, políticas neoliberais para a suposta melhora da economia não irá resultar em melhoria alguma na sua qualidade de vida).

O PT perdeu boa parte da base de sustentação, até mesmo dentro do próprio partido, e o que o sustenta hoje é um misto de crédulos, sindicatos, beneficiados pelas suas políticas e na atual conjuntura, aqueles que acreditam que a disputa está se resumindo à esquerdaXdireita, estado de bem-estar socialXneoliberalismo e os que acreditam que a disputa chegou ao ponto de democraciaXestado de exceção, nacionalismoXentreguismo.
Não, o PT não representa mais parte dessas bandeiras, eu nem acredito em boa parte delas, mas fui obrigado a tomar um lado, meu lado sempre foi contra a fábula de que o sistema capitalista recompensa os inteligentes e trabalhadores, sempre foi contra a hipocrisia de setores que se dizem "neutros" mas selecionam tudo o que mostram, e embora encare a democracia ocidental como falha e hipócrita, sempre serei contra o atropelamento da democracia para favorecer os setores de bolso cheio da nossa sociedade.

Por isso estou no grupo do dia 31, às ruas!

sexta-feira, 4 de março de 2016

Smart phones - Apocalipse Social?


É muito comum ver por aí, principalmente nas redes sociais, uma crítica severa ao uso de smart phones como ferramenta de 'zumbificação': aquele cara que usa seu celular de modo que pareça um zumbi rastejando atrás de um cérebro.

É claro que ninguém gosta de um zumbi esbarrando cegamente e atrapalhando o trânsito de todos, em uma estação de trem, por exemplo. Mas as críticas vão mais a fundo, e com certa razão, a última que eu li era referente ao show dos Rolling Stones em São Paulo, e é fácil concordar com quase todas elas. Mas aqui começo a ter meus momentos de advogado do diabo (e esse é só o começo, pretendo defender o diabo com mais veemência mais a frente, e esse diabo, acreditem ou não, é o capitalismo).

As relações humanas são deterioradas pelo smart phone, ou isso é somente um passo na escala de deterioração dessas relações? (e aqui não dá pra defender muito o diabo, só o celular dele)

Acreditar que éramos mais legais uns com os outros 20 anos atrás me parece muito ingênuo. Aliás, o processo de proteção à ambientes hostis, para mim, começou por volta de 1990, com um walkman vermelho trazido do Paraguai (ok, na época eu não sentia tanta necessidade de proteção ao ambiente, estava mais é maravilhado com o fetichismo da mercadoria).

Com um walkman você já podia se isolar no trem ouvindo rádio ou uma fita k7 (com pilhas alcalinas talvez desse até para ida e volta), pastores poderiam pregar, pedintes mendicar, vendedores propagandear, pessoas discutir, e nada disso importava.

Toda a falta de interação social aqui poderia ser creditada ao diabo: é um convívio forçado, com pessoas estranhas, a maioria se deslocando forçadamente para um lugar que não queriam ir (trabalho, escola ...), em horários que castigavam sua biologia e com ausência de conforto.

Claro que essa é uma realidade urbana, lugar onde a alma do diabo se solidificou, e talvez os felizardos que vivem em um ambiente rural sejam poupados disso. Não cabe aqui me aprofundar no assunto por falta de experiência ( o máximo que pude experimentar foi viver no interior, em uma cidade de porte médio, por um ano, onde aliás, havia mais relações sociais).

O que quero enfatizar aqui é que o diabo é mais culpado do comportamento humano hoje, do que seu instrumento (o smart phone). O que o diabo criou - megalópoles, alienação do trabalho, migalhas a serem disputadas pelos trabalhadores, lavagem cerebral midiática, ideologias de divisão - é o verdadeiro núcleo da deterioração das relações sociais.

Na verdade, isso tudo não fugiu muito das críticas encontradas por aí - sociedade do espetáculo, consumismo, blablabla - tudo isso, obviamente é direcionado ao diabo, e não ao seu celular, embora esse aparelinho seja um foco e tanto.

Mas aqui tenho que defender o diabo de maneira mais notória: o diabo não inventa tudo isso do nada, ele não sai de seu troninho de obsidiana pela manhã pensando "hoje vou fazer o Rodriguinho ignorar a família no jantar jogando Candy Crush", não, ele trabalha com o que existe, ele trabalha com o que as pessoas querem.

Mas a gente quer isso o tempo todo? Para sempre? Não importa as consequências? Quero um jatinho mesmo sabendo que os recursos desviados para sua construção irão acarretar em alguém passando fome?

Claro que é uma situação hipotética e absurda, forçada, mas vale para induzir à reflexão: o capitalismo existe, porque a gente quer algo? A gente sempre quis isso ou alguém nos induziu a querer?

Não vale à pena aprofundar a discussão nessa direção agora, mas vale pegar o início disso e trabalhar outra ideia: Ninguém quer ver o outro passando fome. Ninguém quer ver o outro sofrendo (tudo bem vai, talvez um pouco, mas não tortura eterna).

Mas daí, a ser santo, é algo complicado. Quem teve uma formação católica sabe que este é o objetivo dessa religião, particularmente, eu consegui carregar isso por um tempo após a Crisma, mas esse é o tipo de objetivo que você não pode almejar a perfeição, tem que se contentar com o que conseguir.

O efeito que essas matérias de críticas aos smart phones causam em mim é basicamente esse: você não está conseguindo ser santo. Daí eu ter que me aliar ao diabo nesse momento, ou me martirizar para sempre.

Será que eu realmente tenho que ouvir opiniões absurdas em filas de banco? Xeretar a vida dos outros que conversam no metrô? Discutir inutilmente em uma mesa de bar quando um dos lados não está propenso a dialogar?

Será que eu não posso diminuir a tortura que é usar transporte coletivo, ouvindo música ou lendo um livro no celular? (Isso é rebeldia ao sistema! Você está usando um tempo que foi tomado de você para fazer algo que você quer). Filmar uma música que gosto muito em um show, e guardá-la para sempre? (nunca confiei na minha memória - embora nunca tenho feito isso em um show)

Enfim, eu não irei me juntar aos exércitos críticos nessa cruzada contra os zumbis, não dessa vez. Interação social é importante sim, politização, debates, mas há o equilíbrio, você precisa ter um tempo para a sociedade e um tempo para você, no fim, algo difícil de explicar, e aberto à interpretações e críticas é a solução para mim: bom senso.