domingo, 23 de junho de 2024

Como se constrói conhecimento: com cientificismo ou com ética?

O Empirismo não é Suficiente para a Psicologia: 

Vejamos as polêmicas que cercam a psicologia e a psicanálise. Uma das características da ciência tradicional, seja chamada de materialista, naturalista ou positivista, é a necessidade da reprodutibilidade na construção de conhecimento (típica do método empírico de investigação). Porém a reprodutibilidade não existe em psicoterapia alguma (seja qual for a abordagem: Análise do comportamento, TCC, Psicologia Analítica, Logoterapia, ACP, Daseinanálise etc): isto é um fato notável na prática clínica psicológica e nem deveria ser necessário citar uma fonte sobre tal assunto. Este fato da prática do tratamento psicológico, ou seja, da psicoterapia, poder usar o método empírico apenas parcialmente, explica porque Wilhelm Wundt afirmava que a psicologia é uma área interdisciplinar inseparável da filosofia. Pela necessidade da psicologia ser colocada em prática, ela abrangeria as "ciências naturais" em algum nível, ou seja, a construção de conhecimento objetivo, com métodos sensoriais (observação etc) e reprodutíveis. Porém, ao lidar com questões internas do ser humano, ela também se manteria ligada à filosofia e por causa deste último fator desvinculado ao método empírico, a psicologia deveria influenciar a epistemologia. 

Wundt não fez só um dos primeiros laboratórios de psicologia - ele buscou lançar bases sólidas para a psicologia e esta base era um assunto complexo por envolver temas como a construção do conhecimento e a relação mente-corpo, que eram discutidas no mínimo desde o século 17 após a publicação das obras de René Descartes. O trabalho de Wundt acabou predominantemente ignorado, pois na Europa, a "psicologia" foi colocada em prática principalmente por Sigmund Freud (1856-1939), fundador da psicanálise, que apoiou-se no tratamento criado pelo fisiologista Josef Breuer (1842-1925). Enquanto isso, os principais nome da psicologia nos EUA, como John B. Watson (1878-1958), buscavam uma psicologia estritamente experimental, ou seja, apoiada o máximo possível no empirismo. Como consequência lógica disto, Watson, priorizou somente o comportamento observável, desprezando fatores internos do ser humano, como os pensamentos, os sentimentos, as memórias, a lembrança, a imaginação, a intuição, a cognição etc. 

Isto é um dos indicativos que a psicoterapia, através da relação terapeuta-paciente/cliente, está mais próxima de um método filosófico de construção de conhecimento do que de o método empírico predominante na ciência (ou ao menos, predominante na ciência tradicional). 

Mas para estudar os fatores internos do ser humano, certamente foi necessário estabelecer parâmetros para se estudar o ser humano. É aí que Freud propôs uma "estrutura da mente", ou da psiquê, identificando que há algo além da consciência: o inconsciente. No inconsciente surgiriam os instintos e ficariam "armazenados" os conteúdos "recalcados" (reprimidos). Detalhando um pouco mais, Freud estipula o pré consciente onde haveriam lembranças mais fáceis de serem resgatadas, enquanto no inconsciente ficariam as "perdidas" ou mais difíceis de serem recordadas. Esta parte de sua teoria é simples e lógica, afinal não há corporealidade (ou materialidade) em desejos, lembranças e outras atividades ou elementos mentais - pode-se detectar alguns efeitos neuroquímicos/ eletroquímicos, mas efeitos no sistema nervoso não provam a inexistência de uma psiquê, seja ela "mente ou alma". Porém, talvez por buscar uma aproximação das ciências naturais, principalmente das áreas biológicas, Freud centrou sua teoria nas questões sexuais, afinal a teoria da evolução das espécies de Darwin e Wallace estava causando grande impacto nas ciências durante a 2ª metade do século 19. O impacto de Darwin foi tão grande que alguns pensadores (cientistas etc) passaram se aproveitar de sua teoria para apoiar visões de mundo cada vez mais biologistas/ materialistas: o materialismo se aproximando da condição de dogma nas ciências, facilmente deu abertura para estudiosos que cada vez mais desprezavam a ética, propagassem ideias racistas, precificadoras e objetificadoras do ser humano. 

A ética é um assunto abstrato, afinal ninguém faz contato sensorial com a ética: ela é uma ideia, mas uma ideia que deve ser colocada em prática, para beneficiar não somente um indivíduo sobre os demais, ou pequenos grupos sobre a maioria dos indivíduos. A ética busca trazer a importância de um valor universal que deve ser entendido e assumido pelos indivíduos e colocado em prática coletivamente para o convívio e para o bem da civilização. Por mais utópica que pareça esta ideia, ela é discutida ao longo da história justamente por causa de sua importância. Não se trata de discutí-la através da retórica, ou seja, não é uma questão de ser meramente convincente e sim, uma questão de desenvolvimento humano. Pois o intelecto não se desenvolveu isoladamente do sentimento e da empatia. Estes atributos psíquicos não se contradizem entre si, afinal, se fosse assim, o ser humano não teria ambos atributos e sim, somente um deles. Logo é possível convergir intelectualidade/ racionalidade com empatia e sentimentos. A academia surge na história justamente com o desenvolver da ética, por Platão (428 aC - 347 aC), ao tratar a ideia/ forma (eidos) do Bem/ do belo (kalos). Antes de Platão e de seu mestre, Sócrates, fundadores da filosofia ocidental, o conceito da ética (da virtude, do bem etc) era pouco ou nada estudado e por esta razão os filósofos anteriores ("pré socráticos") eram chamados de "filósofos naturalistas". 

Infelizmente, ao longo da história, a filosofia foi sendo afetada pelo materialismo niilista durante o século 19. Embora deva ter sido um fenômeno gradual, talvez iniciado no final do século 17, ele pode ser notado mais nitidamente quase 2 séculos depois, com a ascensão de autores como Nietzche e Comte. Durante o século 19 por exemplo, o termo filósofo natural foi substituído por cientista, demarcando publicamente a separação entre filosofia e ciência. Certamente este assunto é complexo por envolver uma série de autores influenciados uns pelos outros ao longo de 2 ou 3 séculos da era moderna, então não detalharei ele aqui. 

O fato é que o naturalismo que tanto difundia o materialismo como dogma durante o século 19, foi enfrentado e questionado pela fenomenologia do matemático e filósofo, Edmund Husserl (1859-1938). Husserl criticou o subjetivismo/ psicologismo, que priorizava a questão interna do ser humano e também o naturalismo, que priorizava a realidade externa/ sensorial, esta última que ganhara muita força durante o século 19, como já mencionado. Partindo de questões filosóficas sobre a matemática, como por exemplo, a questão se esta era uma invenção humana ou se era um elemento essencial da natureza, Husserl propôs um novo método rigoroso que estuda os fenômenos, como um conjunto composto por elementos externos e internos (a captação pelo observador). Isto porque, todo ser humano tem uma intencionalidade: Um movimento natural da consciência do indivíduo, que é constantemente direcionado à algo. 

Este seria um modo menos abstrato de fazer filosofia - uma (re)aproximação deste saber com a ciência. Com o conceito de epoque, ele busca suspender os pressupostos filosóficos (naturalista/ positivista/ materialista-niilista vs idealista/ psicologista/ subjetivista) aos quais os acadêmicos de seu tempo tanto se agarravam. Pré supor algo seria um preconceito, porém como todo ser humano tem alguma forma de ver a realidade (visão de mundo, cosmovisão, weltanschauung) a suspensão seria feita não ignorando todas as visões de mundo, mas testando uma a uma. É uma proposta que gerou algum resultado e afetou a psicologia, pois os questionamentos de Husserl tratavam da mente humana e a consciência. Da fenomenologia surge a "frente fenomenológica" da psicologia com variadas abordagens como a Daseinanálise, a Gestalt terapia, a Logoterapia e a Abordagem Centrada na Pessoa. 

Enquanto isso, a psicanálise lançada por Freud crescia em propagação e em novos autores. Porém alguns destes autores passam a questionar certos pontos da teoria psicanalítica, principalmente no que se refere ao modelo de desenvolvimento humano proposto por Freud: Carl Gustav Jung (1875-1961), Alfred Adler (1870-1937) e Otto Rank (1884-1939), foram autores influentes na psicologia que separaram-se da psicanálise para trabalhar em suas próprias teorias e abordagens. Estas separações não questionavam as estruturas mais básicas entendidas por Freud como o consciente e o inconsciente e sim, questionavam a ênfase na sexualidade, como a centralidade que o fundador da psicanálise deu ao complexo de Édipo. A partir das novas teorias e abordagens, considera-se o surgimento da frente psicanalítica de psicologia. 

Por fim, nos EUA, Burrhus F. Skinner (1904-1990) desenvolve a análise do comportamento diferindo um pouco de Watson, fundando também o radical behaviorism. Skinner classifica seu comportamentalismo radical como uma filosofia, embora contradiga várias obras filosóficas que tratam da mente como um elemento abstrato ou como espírito. Para Skinner só existem fatores biológicos (observáveis e internos), históricos e sociais, ou seja, sua visão de mundo monista não difere em nada do materialismo niilista que foi dominante nas ciências durante o século 19. Para não negar a importância dos processos internos (psíquicos) do ser humano, Skinner classificou pensamentos e sentimentos como "comportamentos secretos". A partir de sua obra surge a frente behaviorista de psicologia (comportamentalista em tradução livre). 

A filosofia ocidental em sua origem, fundada por Platão, não discute o ser, ou o que existe, de maneira determinista. Estas questões são tratadas da maneira mais ampla possível, sem perder o senso crítico, pois o método de investigação platônico é composto essencialmente de um diálogo e de reflexões analíticas, baseado na maiêutica de seu mestre Sócrates. A ontologia de Platão não discute se existe só a matéria ou só a psiquê; ela esta centrada numa busca contínua da melhor maneira das coisas serem, como mostrado no texto Fédon; Platão não escolheu dar abertura ao abstrato por acaso: Esta foi a maneira de trazer a ética para o centro da construção de conhecimento como mencionada anteriormente. 

Esta ruptura ou negação feita por Skinner, em relação às origens da filosofia ocidental, mostrou-se uma visão extremista que viria a ser desafiada em algum nível dentro dos EUA, com o surgimento da Terapia Cognitiva Comportamental de Aaron Beck em 1963 e das ciências cognitivas, mais ou menos na mesma época. Assim "a mente voltava a ser uma possibilidade", ainda que com um viés um tanto racionalista/ "computacional". 

Diferentemente dos cognitivistas, o fundador da Abordagem Centrada na Pessoa, Carl Rogers (1902-1987), entendeu que Skinner privilegiou conceitos como controle e previsibilidade, dando pouco valor a conceitos como liberdade e realização pessoal. Skinner defendeu um modelo de educação que parte do meio para o indivíduo enquanto Rogers defendeu que a educação deve ser feita do indivíduo para o meio. A abordagem de Rogers considera o modelo de educação e controle de comportamento de Skinner excessivamente mecanicista e determinista. Por fim, com o passar dos anos, surgiram vertentes mais recentes do comportamentalismo que tentaram integrar práticas mais humanas que dessem mais importância às esferas humana e social. 

Revisitando a história do nascimento da ciência moderna a partir da filosofia 

Como já mencionado, a visão de mundo materialista, que servia de pressuposto filosófico para maior parte das ciências, vinha ganhando força desde muito antes de Darwin e Freud. John Locke ao propor o empirismo como único método verdadeiro para se construir conhecimento no final do século 17, começou a propagar a visão de mundo materialista (intencionalmente ou não) junto de alguns outros autores de seu tempo e no início do séc. 19, Auguste Comte viria a reforçar muito essa ideia através de sua ideologia positivista. Isto era natural de se acontecer em uma época de cultura antropocêntrica (típica do iluminismo) e com limitações de meios para se investigar a realidade (durante o séc. 19, os telescópios eram menos potentes e as medições menos precisas se comparadas com o séc. 20). Apesar dos avanços feitos posteriormente, no decorrer do século 20, a ciência continua predominantemente presa ao modelo onto/epistemológico tradicional (materialismo/empirismo) praticamente seguindo os pressupostos filosóficos de Newton, Locke, Comte... 

Para indicar a limitação de tal modelo de construção de conhecimento e de "visão de mundo", mostra-se válido observar as descobertas da física: Durante o século 20 foram feitas obras revolucionárias de estudiosos como Einstein, Rutherford, Heisenberg, Eddington e Minkowski. O termo revolucionário aqui não é empregado de maneira fútil, pois indica uma quebra com modelos anteriores - descobertas que geraram um impacto que abalou a física newtoniana e toda a "filosofia da ciência": A visão de mundo (ou weltanschauung) monista materialista e a eliminativa foram, no mínimo, abaladas reabrindo uma possibilidade da construção de conhecimento se apoiar em outros pressupostos filosóficos, sejam eles o dualismo, o mentalismo, o idealismo ou o espiritualismo. O astrofísico e divulgador científico inglês, Arthur S. Eddington, indica isto em seu livro The Nature of Physical World particularmente mostrando como o modelo Newtoniano da física ficou obsoleto diante as teorias da relatividade e as descobertas sobre o átomo (posteriores a Rutherford). A exposição do modelo quadrimensional do tempo e da baixa relevância das partículas na constituição e percepção dos corpos* mostram como o pressuposto filosófico monista materialista da ciência não cobre toda a explicação da realidade. 

*Einstein sugere que os campos (eletromagnéticos, por exemplo) sejam o fator determinante da "matéria"; Eddington explica que a inferência é inevitável na construção de conhecimento, mesmo em áreas "exatas" como a física e a matemática.

Porém ainda hoje, cerca de 100 anos após a "revolução da física", certos indivíduos no meio acadêmico utilizam-se de critérios de "filósofos" como Popper para acusar áreas de estudo como a psicanálise de pseudociência. Tal "filósofo da ciência" acusou Freud de cometer "erro epistemológico", ou seja, um erro de método para se construir conhecimento... 

Primeiramente deve-se saber se a psicanálise realmente foi proposta como uma área da ciência, pois a construção de conhecimento é anterior a ciência, seja ela apoiada em pressupostos e métodos do iluminismo (materialismo-empirismo) ou do século 20 (teoria geral dos sistemas por exemplo). 

Os psicanalistas que romperam com Freud (Otto Rank, Adler e Jung citados anteriormente) não usam argumentos sequer parecidos com os de Popper, para criticar determinados pontos da psicanálise e invocar argumentos de Popper contra Freud é insistir em argumentos já criticados por diversos outros mais recentes como os de Adolf Grunbaum etc. Particularmente entendo que usar a filosofia do século 20 para criticar qualquer frente da psicologia não seja o mais adequado: Os estudiosos da psicologia contemporâneos de Freud (citados anteriormente) sim tiveram uma vivência na psicanálise e possuíram algum repertório para discordar do "pai da psicanálise" e tecer críticas à sua teoria. 

O pressuposto filosófico obsoleto (materialista-niilista) refutado pela consequência filosófica da teoria da relatividade de cientistas como Einstein e Eddington, continua dominante em áreas como medicina, neurologia, genética, behaviorismo e neuropsicologia. Quando Eddington explica como a noção de espaço-tempo absoluto de Newton foi refutada por Einstein, esta refutação não é meramente da área da física: ela faz parte das descobertas que apontam inconsistências na cosmovisão newtoniana, ou seja, nos pressupostos filosóficos materialistas/ niilistas: há possibilidade de dimensões ou realidades além da tridimensional perceptível pelo sistema sensorial humano. Entender e aceitar o impacto das descobertas de Hermman Minkowski, Albert Einstein e Arthur Eddington, não é necessariamente aceitar uma cosmovisão mentalista, nem é ter que crer em espíritos ou em Deus. É a necessidade de se deixar tais questões em aberto, não ignorando, mas admitindo uma maior amplitude de construção de conhecimento. 

Se a ciência em geral, ou, se estas áreas mencionadas em específico optarem por permanecer pesquisando somente o mensurável e perceptível sensorialmente, então há de se admitir que tais pesquisas pertencem a um segmento notoriamente limitado do conhecimento. Um segmento que ignora sentimentos, pensamentos, memórias, lembranças, intuições (etc); Um segmento que nega de maneira dogmática a (possibilidade da) existência do espírito e de uma dimensão espiritual. Um segmento que ignora dimensões além das três perceptíveis pelo nosso "sistema sensorial" - que não admite que exista nada além do espaço tridimensional... 

Obviamente as áreas científicas, já separadas da filosofia, no mínimo, desde o século 19, não são obrigadas a estudar tais questões, mas devem ter uma postura respeitosa e ética perante tais saberes. 

Esta postura é uma questão ética, e portanto, central da filosofia. Assim, se a ciência rejeita estudar questões filosóficas, ela ainda deve ao menos manter um vínculo central em pontos essenciais para o progresso individual e coletivo interdependentes entre si. Este vínculo é uma postura coerente com a ideia de construção de conhecimento, pois tal construção compreende um percurso histórico de relações entre estudos, descobertas e revisões, sempre tendo em pauta a ética e seu valor universal. 

A postura ética de construção de conhecimento deve admitir a tão falada inclusão das culturas ameríndias e afrodescendentes e suas respectivas cosmovisões. E inclusão não é só alegar externamente que tais cosmovisões/ culturas/ saberes são tolerados na academia e/ ou na sociedade - é não criar nem manter hierarquias dos saberes e das culturas. Não adianta dizer que, por exemplo, mazatecas ou iorubás são equivalentes da cultura ocidental centrada na Europa e EUA e excluir seus pontos de vista da academia. 

Esta inclusão não é simplesmente misturar conhecimentos sem parâmetro algum. É buscar entender quais são suas relações e como e quais áreas podem ser inter-relacionar. Muitas das questões mais culturais, antropológicas, psicológicas destas culturas por exemplo, devem dialogar com as áreas das humanas e da filosofia. Portanto é essencial que a filosofia ocidental seja aberta como já foi em sua origem proposta por Platão. 

Raízes e cerne da filosofia ocidental: Um diálogo plural centrado na ética

Ao estudar as obras de Platão, é possível notar que o autor trata de uma ampla gama de temas e que estes temas não são apresentados somente baseado em suas reflexões. 

Primeiramente, Platão baseou-se nos diálogos de seu mestre, Sócrates. Sócrates não deixou obras escritas, pois difundiu conhecimentos exclusivamente de maneira oral, através de diálogos conduzidos por seu método, a maiêutica. Assim o filósofo fomentava a busca e o desenvolver da virtude, ou seja, de um valor universal. Eis a razão, de Platão ter tratado da ética em suas obras: foi preciso combater a propagação da retórica em seu tempo, tão utilizada pelos sofistas da Grécia clássica. Ou seja, a filosofia organizada pelo autor, foi contra o uso da linguagem com ênfase na persuasão para a aquisição de vantagens particulares. Assim, a filosofia ocidental em sua origem, não era relativista, pois não ignorava a importância da ética e da aplicação desta na forma de leis de maneira inclusiva para a sociedade, ainda que houvessem limitações culturais de sua época - o século 4 a.C. 

Secundariamente, é admitido que Platão desenvolveu seu próprio pensamento, indo além de Sócrates. Neste desenvolver podem ser notadas influências variadas: Ao discutir seu conceito de "eidos" (idéia/ forma) o filósofo mostra que dialogou com os argumentos de Parmênides; Ao tratar eventualmente da matemática em suas obras, Platão deve ter dialogado com filósofos pitagóricos, bem como traça os conceitos de Nous e de sua ontologia, alternando entre citações e refutações das ideias de Anaxágoras. Pitágoras e Anaxágoras possivelmente trouxeram conhecimentos de regiões mais distantes para as pólis helênicas ("Grécia"), como do Egito e do Império Persa que havia dominado a Babilônia, parte da Fenícia, até as fronteiras da "Índia". 

No diálogo Fedro, ao incluir temas sobre experiências de espiritualidade e estados alterados da mente (mania, transe e êxtase), Platão dialoga com a consciência mística típica das oráculos nas pólis helênicas (gregas) de seu tempo. Tal consciência mística, apoiada na cosmovisão que aceita uma dimensão espiritual, também pode ser encontrada em diversas outras culturas ao redor do mundo. 

No Banquete (ou Simpósio), o autor trata de eros, o desejo/ a paixão e desenvolve um sentido para este, perpassando os conceitos de amizade (a paixão pelas psiquês) e ágape (a paixão por todas as psiquês, pelas leis e tudo que é bom e belo). 

Nos diálogos Filebo, A República e Político, o autor utiliza-se de releitura dos mitos helênicos para abordar não só temas da espiritualidade, mas também da matemática e da cosmologia. 

Com estas observações, conclui-se que Platão não era meramente um racionalista: sua consciência combinava o aspecto racional com o mítico e o mágico/ místico. Tudo isto utilizando o rigor de seu método dialético/ reflexivo (maiêutico) constantemente apoiado por sua ontologia de sempre buscar a melhor maneira das coisas serem (na era moderna esta ontologia certamente seria chamada de teleologia). Sua ontologia é condizente com sua ideia central: kalos - o bem/ belo, um valor universal, ou seja, ético. 

A ética parece ter sido esquecida na construção de conhecimento desde o "racismo científico" da era iluminista, perpassando o darwinismo social da virada do século 19 ao 20, a psiquiatria excludente que condenava e torturava os diferentes e as minorias até a criação de armas químicas e de destruição em massa das guerras mundiais/ fria. Somente após essas atrocidades surgiram indícios que o ser humano está começando a entender que não é sendo determinista nem excludente que ele alcançará algum progresso ou bem-estar. Isto porque a ética não deveria ser mero adorno na construção de conhecimento, muito menos uma "externalidade": a ética faz parte do rigor da construção de conhecimento, pois ela não é exclusivamente um conceito abstrato vinculado a um fator interno do ser humano: ela também deve ser colocada em prática para a sociedade como um todo - isto faz parte de sua universalidade. 

Eis as razões porque substituir o reducionismo (típico do materialismo niilista) e o cientificismo da academia pela ética e pela universalidade. Ética e universalidade não descartam métodos rigorosos de construção de conhecimento: só abandonam o determinismo ao priorizar a busca, o desenvolvimento e a aplicação de valor(es) universais.

Fontes:

Bill E. Forisha, Frank Milhollan (1978). Skinner X Rogers. Maneiras contrastantes de encarar a educação 8 ed. São Paulo: Summus. 196 páginas. 9788532300355

Schultz D.P., Schultz S.E. (1992). História da Psicologia Moderna. São Paulo: Cultrix. 9788522106813

Araújo, Saulo de F. Uma visão panorâmica da psicologia científica de Wilhelm Wundt - 06/2009 https://www.scielo.br/j/ss/a/YpGvJRjbDNyJzzrkS7wN8jp/?lang=pt acessado em 20/09/2023

https://www.youtube.com/watch?v=UOXrNXr_slo&t=1s acessado em 17/08/2023

Wozniak, Robert H., Mind and Body - From Descartes to William James. (1992);

 Platão, Fédon. Tradução de Edson Bini, Edipro (2020)

Platão, Fedro. Tradução de Edson Bini, Edipro (2020)

Platão, O Banquete, Tradução de Edson Bini, Edipro (2020)

Platão, A República. Tradução de Pietro Nasset, Martin Claret (2015) 

Eddington A.S. The Nature of Physical World (2008)

 

 

 

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