quinta-feira, 15 de julho de 2021

As Relações das Áreas do Saber

 

Esta é uma reflexão breve sobre a “história do saber”. 

Voltando no tempo, podemos ver que a ciência já foi considerada unida com a filosofia e até mesmo com a religião: Alguns exemplos são a filosofia socrática/ platônica na Grécia Clássica e o bhakti-yoga na Índia medieval. 

De fato tal união pode ser considerada primitiva por ser uma fase de desenvolvimento com limites mal definidos entre os temas. Também pode haver um perigo da religião se apossar dos demais campos pelo fato de trabalhar mais os sentimentos e o lado emocional das pessoas. 

Mas o que temos hoje no ocidente é uma cisão profunda, onde restaram praticamente ataques de um lado ao outro. O nível desta relação é tão frágil que mesmo entre cientistas existem críticas fundamentadas em meras opiniões preconceituosas às áreas mais próximas da filosofia como as frentes psicanalíticas e fenomenológicas da psicologia. 

Além disto, as religiões em sua maioria pouco falam das questões sentimentais e espirituais. Sentimentos que têm sua importância desde o início da vida dos seres humanos. Parece que para entender os sentimentos e todas as experiências tidas como religiosas, sobrenaturais ou transcendentais, surgem as reflexões, os pensamentos e então, as filosofias. 

A filosofia sendo mais reflexiva e mais discutida do que a religião, acaba por se relacionar com questões da natureza, do cosmo e da matéria em geral. 

Daí surge a racionalidade voltada à praticidade e à natureza material. 

Teorizando as "pontes quebradas" entre áreas do saber...


Isto está mais ou menos documentado na história da “Grécia” antiga: As civilizações mais antigas daquela região do mundo, tiveram maior parte de seus registros destruídos, sendo relegadas predominantemente à mitologia (e à arqueologia, talvez também à história da arte). Após a destruição das civilizações “minóica” e micênica, surge a “idade das trevas grega”, onde poetas como Homero e Hesíodo espalham seus poemas, tidos como versões fantásticas da história e da religião, ou mitologia. 

O período a seguir vem com um “espalhamento” de questionamentos sobre esta mitologia - os filósofos pré-socráticos, seguidos finalmente por Sócrates, Platão e Aristóteles. Os filósofos desta era, provavelmente tiveram contato com o Império Persa Aquemênida que havia dominado a Babilônia, o Egito e as fronteiras com a “Índia”,além de ter libertado os judeus. O último dos 3 filósofos “socráticos” citados foi o mais racionalista e o que mais se adequou às questões terrenas, sendo aceito pela elite local, como tutor de Alexandre, o Grande. 

O período a seguir foi de grandes conflitos para a civilização grega: após uma rápida expansão, o império “greco-macedônico” fragmentou-se em disputas predominantemente internas, tornando-se vulnerável à expansão romana. Tal período parece ter sido o ápice “científico” da antiguidade “ocidental”: Erastótenes e Crates de Mallus divulgam a esfericidade da Terra, descrições astronômicas foram difundidas por filósofos posteriores à Anaxágoras, fora os trabalhos de Hipócrates, Pitágoras, Filolaus, Aristarcos, Arquimedes e outros… 

O Império Romano de alguma forma mostrou ter freado esta divulgação de conhecimentos. E o período a seguir não foi melhor neste quesito: A queda do Império Romano do Ocidente diante os povos hunos, germânicos e alanos, fez com que apenas a igreja católica sobrevivesse em sua extensão, já que o estado corrompido ruiu. Então nos séculos seguintes, a igreja monopolizou o que havia sobrado de conhecimento na região (Europa), começando a divulgar alguns conteúdos timidamente no século 12, com a construção das primeiras universidades após conflituosos contatos com o império árabe. 

Após variados conflitos políticos/ econômicos/ religiosos na Europa, a Renascença dá espaço à fomentação da arte e da filosofia, no século 15. A religião dominante (a instituição igreja católica) na Europa passa a ser questionada (novamente) dando origem às igrejas protestantes. 

No século 17, filósofos iluministas se baseiam em algumas obras renascentistas e acabam separando novamente a filosofia da ciência, ao determinarem métodos de estudo. Estes métodos foram a grosso modo, o racionalismo (predominante na Europa continental) e o empirismo (predominante entre os britânicos). 

Cisões e Clubismos 

As cisões, ou segmentações, aconteceram diversas vezes na história da humanidade, pois a necessidade de formar grupos provavelmente sempre existiu desde que o ser humano começou a se unir para superar dificuldades e formar sociedades. Resumidamente estes grupos se dividiram em certos momentos ou encontraram outros grupos com conflitos de interesse e destes conflitos entre grupos entende-se que formou-se o "clubismo". Às vezes afetaram religiões, outras vezes filosofias e até mesmo as ciências. Muitas destas cisões se apoiam num senso de identidade limitado, reducionista, preconceituoso, xenófobo e muitas vezes elitista ou punitivista.

Estudando psicologia, finalmente encontrei o cerne destas rixas entre as áreas do saber: Nestes meios o clubismo se intensificou com a cisão entre os métodos científicos, ou que, em termos mais chulos, inclui a cisão entre "a filosofia e a ciência". Mas porque dizer que a cisão entre a filosofia e a ciência é mais chula do que a cisão entre os métodos científicos? Simples, porque por séculos NÃO existia esta divisão. Tudo era estudo, pois todos estes estudos buscavam compreender as mais variadas questões. 

Apesar disto não considero que esta cisão foi totalmente nociva ou inútil: Ela teve sua serventia por mais de 3 séculos. Tal cisão começou no final do século 17 e perdurou acelerando o surgimento de campos de estudos especializados até o desenvolvimento da psicologia: Mais precisamente até o surgimento da fenomenologia e da psicanálise. O que veio depois disto foram seus frutos, como o desenvolvimento da tecnologia. 

Não, a tecnologia não é meramente fruto da competição insana das potências mundiais por recursos naturais e por armamentos. Mesmo que a competitividade e suas consequências comuns, as guerras, fomentassem alguns estudos, a rivalidade existente nestes momentos é essencialmente formada por ambição, ganância e violência desmedidas: A competitividade desmedida é um comportamento primitivo, rudimentar, que facilmente torna-se violência e obviamente traz mais malefícios do que benefícios. 

O lado ruim da cisão é que ela reforçou o que chamei de clubismo, mesmo dentro das áreas do saber e mesmo com tais separações, ainda não há clareza sobre o que é ciência, o que é método e o que é filosofia. Muitos empiristas desprezam o método fenomenológico de pesquisa, alegando que não se trata de ciência e sim de filosofia. Os mesmos afirmam que filosofia não é ciência, mas se estiverem certos, todos os estudos feitos com o método fenomenológico (seja na geografia, psicologia, filosofia, história etc) fazem parte deste grande campo apartado da ciência: A Filosofia. Neste cenário um tanto "separatista", teorias transdisciplinares como a hipótese biogeoquímica e até mesmo a teoria geral dos sistemas, surgida no campo da física subatômica e física teórica, permanecem em segundo plano. 

Outro detalhe importante do clubismo é o desprezo que é nutrido entre grande parte dos cientistas e dos religiosos. De fato, ciência e religião são coisas distintas, mas não são contrárias entre si. Os cientistas e os religiosos não deveriam odiar uns aos outros. O mesmo também acontece entre filosofia e ciência, o que é mais polêmico, já que esta transformação, apesar de acontecer gradualmente durante o iluminismo, gerou uma cisão profunda. Os movimentos ou métodos científicos foram surgindo a partir da filosofia, mais ou menos da seguinte forma: 

A filosofia natural do final do século 12, era inspirada em obras da Grécia antiga que estavam em mãos dos árabes até a época das primeiras cruzadas: a "filosofia" socrática/ platônica/ aristoteliana; Porém a filosofia natural não podia contrariar muito as religiões/ igrejas "cristãs", que eram muito poderosas na época; 

1539-1543 - "de revolutionibus orbium coelestium" viria a inspirar o racionalismo; 

Após a renascença, a filosofia ocidental deu espaço ao iluminismo e à ciência moderna com os seguintes movimentos, ou métodos de estudo (científicos) que foram surgindo: 

1632 - "diálogo sobre os 2 principais sistemas do mundo"; 

O racionalismo: 1632 - o "mundo ou tratado da Luz" e 1637 "sobre o método"; 

O racionalismo iniciou o iluminismo enfraquecendo as igrejas ocidentais; Por volta de 1666 a astrologia e a astronomia são separadas, sendo considerada ciência só a segunda. 

O empirismo: 1690 - "an essay concerning human understanding"; 

1791 - "a crítica da razão pura", faz o meio termo entre empirismo e racionalismo? 

1837 - "teoria da ciência", 1851 - "paradoxos do infinito": começam a fomentar um novo método;

A fenomenologia: 1874 - "Psychologie von Empirischem Standpunkt ", 1911 - "Iden"; 

Neste último período, questões em torno da metodologia científica dividiram a psicologia em três frentes que parecem não "conversar" entre si. Já os filósofos, muitas vezes, correm o risco de não serem aceitos nem por supostos cientistas nem por supostos religiosos. 

Há quem diga que a divisão da psicologia seja pacífica e até pode ser... mas só para alguns. Para outros trata-se de difamar a abordagem alheia e idolatrar a de sua própria escolha como se fosse a detentora da verdade absoluta. 

Na virada do século 19 ao século 20, o método fenomenológico questiona a cisão causada pelos “métodos iluministas” (racionalismo e empirismo basicamente), mas não obtém um resultado claro: Muitos empiristas relegam o método fenomenológico à filosofia. Oras, se este método não é científico, mas sim filosófico, a filosofia não é uma mera ciência, já que está apartada desta, mesmo regendo estudos em diversas áreas do saber: Geografia, psicologia etc… A própria física teórica poderia ser considerada um campo filosófico quando usa a teoria geral dos sistemas ao invés do método empírico. 

Mas isto não é novidade, só está mais complexo do que antigamente, talvez intrincado, pouco esclarecido e mal divulgado: Se o método fenomenológico e todos seus estudos em variadas áreas, não são ciência, eles são todos filosofias. Teríamos então a física filosófica, a geografia filosófica, a psicologia filosófica… Bem como a versão (empírica) voltada a matéria perceptível aos 5 sentidos humanos: física científica, geografia científica etc. É assim que devemos definir os estudos atualmente? 

Não sei. Parece que não há consenso, só alfinetadas. 

A partir destas informações, vimos que a história é cíclica: As mesmas questões voltam à tona seguindo um certo padrão. 

No final não basta tentar descobrir se a solução é só separar ou unir ciência, filosofia e religião. Nem deve bastar definir se o saber empírico/ naturalista/ racionalista, o saber fenomenológico e o saber espiritual/ transcendental/ sobrenatural, são todos ciências. Mas é importante trazer clareza a todos os assuntos destes campos. Para obter tal clareza, é preciso aproximar todos esses assuntos das massas, é preciso cessar os clubismos e impedir a negação generalizada da ciência e da empatia voltada ao bem. Por fim, é preciso entender todos os (“três”) campos e que cada pessoa que esteja mais focada em um desses campos, respeite e converse com clareza com as pessoas de outros campos. Juntos. Em busca de evolução, de progresso, sem abandonar a humildade e a solidariedade.

2 comentários:

  1. Usando o viés fenomenológico de levar em conta o cotidiano e as experiências pessoais: nos anos na Geografia da USP, não percebi esse repúdio à Teoria Geral dos Sistemas, ela era aplicada com frequência nas disciplinas de Geografia Física e nunca vi uma abordagem questionando sua contribuição para a ciência.

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    1. Particularmente contra a teoria geral dos sistemas eu não tenho certeza. Só me lembro de um texto do Hawking falando sobre algum tipo de conflito na física teórica... Mas na psicologia, a deslegitimação principalmente da fenomenologia e da psicanálise é frequente. Seja através de insinuações enrustidas ou abertas.

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