quarta-feira, 30 de junho de 2021

É Possível Instruir as Massas?

 

Esta é uma reflexão feita a partir de variadas observações particulares e mais uma vez tento usar uma linguagem informal, mais simples do que a que usei em alguns textos meus: 

 Linguagem e Clareza no Ensino e na Comunicação 

Uma atriz de teatro me contou que ao apresentar peças com a intenção de ensinar sobre política e sociedade nas periferias, os espectadores reclamaram da linguagem usada. Os moradores da periferia que assistiam às peças teatrais diziam que os atores usavam palavras difíceis, porém quando os atores perguntavam se eles entenderam a peça, eles alegavam que sim e que mesmo assim não gostavam da linguagem dos atores. Isto provavelmente aconteceu por se sentirem distantes da realidade dos atores ou por se sentirem menos inteligentes do que os atores; 

Outra observação é a seguinte: Prega-se pelas redes sociais que a ciência, principalmente as ciências humanas que são mais voltadas para resolver os problemas da sociedade, deveriam se aproximar dos mais pobres de maneira clara, pois eles são a maioria da população… 

Pois bem, minhas observações apontaram que não só há variados desafios para ensinar a maior parte da população do país, mas há uma combinação terrível de dificuldades: Além da linguagem ter que ser mais simples, o conteúdo a ser passado é muita coisa. E não se trata só de ensinar sobre as leis mais básicas (direitos no trabalho, por exemplo)... É preciso esclarecer como funciona a política, quais foram as conquistas políticas importantes, para que servem etc. É preciso ensinar até mesmo um básico de economia, ao menos para a população entender sobre de onde vem e para onde vai o dinheiro. Mesmo porque a economia é quase inseparável do emprego, do mundo empresarial e portanto inseparável do trabalho e das leis trabalhistas também. E daí fica nítido o quanto é desleal lutar contra as mentiras espalhadas pela internet e pela televisão: Consiga mais “likes” nas redes sociais, “Seja um empreendedor”, “O Agro é Pop”, “conspirações gayzistas e comunistas'', atos contra a família e contra Deus e tantas outras mentiras maliciosas. 

Muitos acadêmicos podem achar que essas mentiras são meras idiotices, mas na verdade a maioria destas mentiras usam as esperanças e a autoestima das pessoas. Essas mentiras usam desejos e sentimentos das pessoas e às vezes até incentivam e criam os desejos nas pessoas. É uma verdadeira era de manipulação mental cada vez mais ampla, pois está em todos principais lugares que as pessoas olham frequentemente: Whatsapp, Facebook, Instagram, Rede Globo, Sbt, Tv Record, Band, Jovem Pan etc etc… As verdades que surgem nestas mídias parecem minoria, pois em variados momentos são menos mostradas do que as mentiras. Não me refiro só às “fake news” que são basicamente boatos sensacionalistas, conspiratórios ou difamatórios, me refiro a manipulação mencionada anteriormente que são opiniões e propagandas vendidas como verdades. Então podemos concluir que há uma inversão dos valores em larga escala que já está fazendo um estrago que vai muito além do Brasil. 

 Para instruir a população de maneira mais rápida e ampla seria necessário tomar ao menos uma dessas mídias tão usadas pelas pessoas. Porém isto beira o impossível, afinal tais mídias servem a quem tem mais dinheiro. 

 E quem são os mais ricos? Como eles vivem? Bom, os mais ricos são multimilionários, pois não estamos falando de pessoas que ganham 6000,00 R$ ou 30.000 R$ por mês. Multimilionários acumulam facilmente dezenas ou até centenas de milhões de reais por ano, ou quem sabe até mesmo, por mês. Eles não gostam de se expor muito, mas é fácil achar alguns textos e fotos sobre eles em revistas que puxam o saco deles, como a Forbes e algumas outras. 

 Os donos das maiores empresas, os pastores milionários e por fim, os políticos e militares que aceitam propina dos empresários mais milionários, geralmente são os causadores de grandes problemas no mundo, pois eles são os corruptores e os corruptos. Tais problemas são sociais, econômicos ou até mesmo ambientais. Afinal eles controlam para onde vai o dinheiro e querem cada vez mais, que todas as coisas só sejam acessíveis por quem tem dinheiro. Isto parece esquisito para algumas pessoas, mas não é uma atitude sem sentido: É um desejo de ter cada vez mais dinheiro e bens, fazendo com que outros se esforcem por esta aquisição de fortunas. Sim, um tipo de escravidão, mas disfarçado de um sistema onde as pessoas conseguem coisas devido ao seu próprio mérito. A tal meritocracia que é mostrada como algo “natural”, mas não tem nada de natural, sequer devia ser chamada de meritocracia, já que é um sistema onde o mais rico compra as leis e pode cada vez mais, enquanto os pobres podem cada vez menos. 

De maneira mais clara é um sistema onde o mais egoísta ganha mais. Por ser um sistema social e econômico que favorece o mais egoísta e o mais ganancioso, talvez nem adiante eliminar o dinheiro ou todo o sistema em si, pois a maioria do povo cairia outra vez no discurso que o dinheiro (ou algum substituto do dinheiro) ainda é necessário. Daí a importância não só da instrução racional, como também da instrução dos sentimentos e suas respectivas expressões (as emoções). Isto é o que eu já mencionei em textos anteriores: Os verdadeiros estudos, a verdadeira ciência não pode ser separada do Bem. E não é difícil entender que o bem é a solidariedade, a equidade (igualdade de oportunidades), a justiça etc. 

 Isso seria uma utopia? Um sonho ingênuo? Talvez, mas a ideia não é nova, porque alguns filósofos mencionaram tal ideia há mais de dois mil anos atrás… 

 O que é Instrução e o que é necessário para se Instruir? 

 Se procurarmos em dicionários podemos achar as seguintes definições sobre o que é instrução: Ensino, ação de instruir, estudo, conhecimento, ciência, saber… Aqui temos definições gerais, ou seja, não tão precisas, mas sabe-se que tanto o ensino, como a ciência, possuem métodos para a construção do saber ou dos conhecimentos. 

Uma das condições básicas de todos os métodos para se estudar, para aprender ou para construir qualquer conhecimento, é deixar de lado os pré-julgamentos, evitando-se assim as opiniões influenciadas por criação (família etc), gostos, aversões etc. Isto tem muito em comum com a postura de humildade, de assumir que devemos aprender, porque não conhecemos suficientemente o determinado assunto a ser estudado em questão. Tudo isto não difere da postura básica necessária para a pesquisa científica, porém ainda assim, pouco se fala sobre a importância de não pré-julgar e de manter-se humilde para qualquer tipo de estudo, seja o estudo fundamental, médio ou acadêmico/ científico. Isto ocorre porque tais conceitos de humildade e receptividade (o ato de não pré-julgar) são tidos como muito “subjetivos” ou são tidos como sentimentos “muito individuais” de cada pessoa. Bom, se alguém pensa que trata-se de um assunto muito particular de cada ser humano, pensou errado. Seria particular se não afetasse o seu entorno, mas no ensino e na construção de conhecimento, afeta. E muito. 

 Na verdade estas questões foram abordadas e debatidas sim, durante parte do desenvolvimento das ciências, no mínimo, desde o século 17. Mas sua importância veio sendo diminuída gradualmente, possivelmente desde o momento em que o método empírico se chocou com a filosofia e com o surgimento da psicologia, no século 19. 

 Não é função deste texto aprofundar-se como o choque entre os cientistas empiristas e os cientistas fenomenólogos dividiu a psicologia, mas sim mostrar os caminhos que se formaram na construção do conhecimento. Parece complexo (e até é), mas basicamente estas separações aconteceram não só por causa da necessidade de entender as coisas (a natureza, a mente etc), mas também por causa das tendências de certos estudiosos e seus estudos, ou seja, as cisões aconteceram também por causa de opiniões. Até aí pode não ser absurdo, afinal o ser humano é falho, mas há alguns pontos de interesse sobre o que se diz e o que se pensa sobre opinião. 

 A opinião é discutida, definida e separada da ciência, já no período considerado como o surgimento da filosofia no ocidente, na Grécia clássica do século 4 antes de Cristo. De acordo com os filósofos socráticos, a opinião é mais relevante do que a ignorância, porém menos relevante do que a busca pelo saber/ conhecimento. 

23 séculos depois Husserl cria o método fenomenológico, mostrando que estudar só o que se percebe fisicamente (o método empírico) e o que pode ser reproduzido, já é um método com viés. Afinal, instruir as pessoas apenas sobre coisas que podemos ver, ouvir, tocar e cheirar, ignora muitos campos de estudo e tende ao tecnicismo, mostrando-se um método de ensino que prioriza a profissão, a produtividade e o mercado. Muitos dos motivos que fazem o ser humano tomar decisões são baseados em sentimentos, em crenças e interpretações, que quando ignoradas, geram distorções dos fatos, as quais chamamos vulgarmente (e muitas vezes, precisamente) de mentiras. 

Ser técnico é importante muitas vezes para entender e explicar determinados temas, mas muitas outras vezes, não é suficiente: Não explica os porquês de normas sociais e dos sistemas sócio-econômicos, e nem trabalha a importância da empatia, das relações sociais, das relações afetivas e dos sentimentos. Em outras palavras, afirmar que o estudo técnico e o método empírico são mais importantes ou mais verdadeiros que outros métodos, faz parte de um grande movimento reducionista pois se adequa bem ao discurso da competitividade desenfreada e de que tudo é naturalmente oriundo do mérito. 

E o que mais se adequa aos movimentos reducionistas? Os discursos apoiados em tradições, as externalizações toscas e as religiões punitivistas ou frias. Nenhum destes 3 exemplos são métodos de ensino nem de pesquisa, mas vão direto ao encontro da necessidade de sentimentos e de crenças, dando alguma motivação às pessoas. Assim, o desempregado, o desiludido e o pobre, sentem-se acolhidos num grupo (ao menos) aparentemente amigável. Obviamente, grande parte desses grupos, liderados por pastores, por exemplo, apenas enganam e extorquem seus seguidores e seus fiéis, dando em troca, breves discursos consoladores e talvez espaços para desabafos com choros e abraços. Outras vezes os discursos tradicionalistas ou “religiosos” quando são reducionistas, dão motivações bem torpes às pessoas, como criar rivalidade entre grupos e inventar inimigos. As externalidades são aqueles argumentos que alegam que um determinado fator não tem importância dentro de um tema. Por exemplo, ao conversar sobre meio ambiente, dizer que a falta de fiscalização das empresas que poluem ou desmatam, é um outro assunto menos importante. Por fim, a institucionalização nociva da religião é a demonização das outras fés, a criação de hierarquia e de autoridades absolutas em assuntos que deveriam ser essencialmente espirituais. 

Tudo isso é baixo? Covarde? Repulsivamente aproveitador? Provavelmente tudo isto, mas citei estes exemplos apenas para mostrar que é o outro lado que completa a doutrina reducionista baseada em materialismo, insensibilidade e imediatismo: 

De um lado o tecnicismo ignora sentimentos, crenças e interpretações incentivando a produtividade, e do outro lado, os cultos tradicionalistas e punitivistas, manipulam os sentimentos, crenças e interpretações, favorecendo os mais multimilionários e mais poderosos.

Métodos de ensino, do fundamental ao acadêmico/ científico, que sejam baseados apenas em tecnicidades, deixam uma falha enorme na construção dos indivíduos e das sociedades formadas por esses indivíduos. E muitos dos estudos feitos por métodos tidos como supostamente mais objetivos, foram feitos com motivações não exatamente nobres, nem ao menos foram concebidos pensando no bem da sociedade ou da maioria dos habitantes de uma nação ou da Terra. 

 Segmentação e Reducionismo - Como Combater 

Então, o reducionismo no ensino e nas pesquisas, nem sempre foi acidental. Seria possível vasculhar a história dos métodos científicos e analisar quais dos seus criadores e contribuintes estavam interessados em se beneficiar, quais se interessavam e beneficiar a poucos e quais tinham uma visão mais ampla, preocupando-se com grupos maiores de pessoas. Destes últimos, poderíamos ver quais tiveram uma postura de humildade em suas pesquisas, e quais eram mais receptivos às outras áreas do saber, seja desenvolvendo acidentalmente, ou intencionalmente, uma empatia com o próximo. 

Porém, aprofundar-se na história dos métodos científicos e de seus criadores é um assunto extenso, para não dizer profundo, e terá que ficar para um possível futuro. 

O que está sendo tratado aqui é o seguinte: Segmentação é reduzir a grupos com pouco ou nenhum contato entre si. E esta redução é um reducionismo (óbvio). 

Estes grupos de estudiosos tinham em comum um linguajar supostamente científico, ou supostamente técnico. Um linguajar difícil, que a maior parte das sociedades, pobre e com pouco ou nenhum estudo, simplesmente não entendia. E ainda não entende. 

Hoje, neste início do século 21, temos divulgadores científicos, mas que concorrem na internet com youtubers e tantos outros conteúdos aleatórios, muitas vezes intrusivos e de viés consumista (propagandas aos montes, por exemplo). Esta concorrência é difícil, possivelmente até desleal, já que algoritmos priorizam para que as pessoas vejam mais propagandas e conteúdos imediatistas na internet, lucrativos para seus anunciantes. Então quais seriam outros meios necessários para a instrução das massas? 

Algumas medidas já foram tomadas, mas correm o risco de serem canceladas e desaparecerem: Programas de bolsas de ensino para que as pessoas estudem de graça em faculdades. Outras medidas parecem longe de serem tomadas: A facilitação do linguajar técnico e científico, tanto para maior entendimento das leis dos países, como para o desenvolvimento de pesquisas científicas. Esta facilitação vem sendo discutida há anos, mas aparentemente nada foi resolvido ainda. 

A maioria da população mundial é formada por pessoas com pouco dinheiro e pouco estudo. Enquanto o conhecimento se manter separado/ distante da maioria das pessoas, estas permanecem servindo de marionetes para quem tem mais poder, seja econômico, político, militar ou até religioso. 

As ciências como conhecemos hoje, de maneira resumida, se desenvolveu há cerca de 4 séculos. E continua isolada, elitista, numa frágil bolha inacessível pela maioria pobre, e frequentemente desprezada, quando não manipulada, por outros círculos de poder como os mencionados há pouco: Os poderes econômicos, religiosos, políticos e militares. A ciência e os estudos em geral não devem ser alienados nem alienantes. Eles devem conversar com a maioria das pessoas e integrá-las na sociedade. Isto não é um discurso meramente “pró achatamento de camadas sociais”, é um discurso a favor da verdade e do desenvolvimento intelectual e empático dos seres humanos…