domingo, 3 de setembro de 2023

Não Julgar - Um ato (também) de bem-estar psíquico

 

 Não julgar não é só um ato religioso/ espiritual

Como eu disse em um outro texto meu (https://nea-ekklesia.blogspot.com/2023/08/psique-e-importancia-dos-valores.html), tive a oportunidade de observar dezenas de crianças durante um período de 10 meses de estágio numa clínica para crianças com TEA (transtorno do espectro autista). Uma postura predominante das crianças que eu pude observar foi a ausência de julgamento. Mesmo diante diferenças de comportamentos e de dificuldades: por exemplo, as crianças com "nível menor de autismo" (ou comunicáveis) predominantemente não julgavam aquelas que demonstravam mais "sintomas" do transtorno. As poucas que pareciam emitir eventuais julgamentos eram as mais velhas entre as com "menos sintomas" do transtorno. Isto é um claro indício de que o julgamento (ao menos em maior parte) é aprendido - A criança nasce com pouca ou nenhuma tendência de julgar o próximo. 

A criança aprende a julgar essencialmente com os adultos, a começar com os familiares mais próximos (pais/ cuidadores), para depois possivelmente absorver tal atitude de colegas, professores e outros indivíduos com o decorrer do tempo. Obviamente, em algum grau isso serve como uma defesa contra possíveis ameaças - aprender a identificar comportamentos agressivos, nocivos etc. Porém, por um outro lado, também é evidente que muitos dos julgamentos que fazemos com o adquirir dos anos, não passa de opinião: sejam opiniões "conservadoras" (tradicionais, misoneístas entre outras) ou não. 

Nós, seres humanos, acumulamos uma quantidade gigantesca de informação adquirida ao longo da vida (também citei isto noutro texto, mas não colocarei o link aqui). Além dos inúmeros estímulos sensoriais, temos opiniões e conhecimentos formados a partir de uma quantia praticamente incalculável de dados recebidos e absorvidos ao longo da vida: Sejam através de diálogos, leituras, trocas afetivas/ emocionais etc. Tudo (ou quase tudo) isto pode ser resgatado pela memória com mais ou com menos dificuldades. Todas essas memórias, opiniões, conhecimentos, sentimentos (etc) formam nossa subjetividade e negar esta vastidão de nossa psiquê (seja alma ou aparelho psíquico) é no mínimo um reducionismo que ignora tanto nossas potencialidades, como nossas dificuldades (sofrimentos, suas causas etc). Conforme acumulamos este "conjunto de elementos racionais - sentimentais", tomamos decisões baseadas nele, seja de modo mais frequente ou menos frequente, ou, em outras palavras ele nos influencia, pois faz parte de nós. Sendo assim nossas escolhas podem nos fazer bem ou nos fazer mal e estas escolhas podem ser feitas a partir de nossos pensamentos e sentimentos internos ou diante a atitude de outros. É aí que frequentemente "entra o ato de julgar". A quantia gigantesca de informações e sentimentos que formam cada indivíduo torna desafiador conhecermos a nós mesmos então... Por que deveríamos julgar o outro, "o próximo"? Se possivelmente mal entendemos nós mesmos, como vamos entender o outro? E mais: Sendo o ser humano um ser social, ou seja, que não existe para se isolar do mundo, será que faz bem para nós mesmos julgarmos os outros, seja de modo conservador ou de qualquer outro modo? Certamente não. 

Como mencionei, nossa psiquê é constituída por um vasto complexo de memórias, sentimentos, opiniões, conhecimentos que podem se "mover" através de pensamentos e podem ser expressos por palavras ou por emoções... O julgamento do próximo, seja de maneira claramente preconceituosa, ou sob uma máscara de ponderação ou de racionalidade, não deixa de ser julgamento. Afirmar (mesmo em pensamento) fulano é isso, ciclano é assim ou beltrano foi assado, não é realmente uma leitura neutra, mais dificilmente ainda justa: Ela tem um viés e este viés é o de alguém que praticamente não conhece o outro/ a pessoa julgada - Justamente pelo fato da subjetividade de cada ser humano ser toda a sua vasta psiquê com todas suas respectivas experiências e sentimentos. 

Conjecturar sobre outras pessoas, a menos se necessário para o convívio, certamente torna-se um ato nocivo para a própria pessoa que julga, pois pode gerar fadiga mental certamente chegando a uma resposta imprecisa que não passa de um julgamento superficial sobre a pessoa analisada/ julgada. Mesmo se o julgamento sobre uma característica negativa da pessoa "julgada" estiver certo, se não existe o convívio entre o "julgador e o julgado" ou entre o "analisador e o analisado", tal situação não poderá ser expressa nem resolvida. Estas atitudes psíquicas então, se muito repetidas, podem estar ligadas ao desenvolvimento de uma depressão, esta por sua vez, pode assumir o caráter mais prejudicial à saúde mental da pessoa que se prende a tais pensamentos, o que se tratará de um transtorno psíquico... 

Este assunto é interessante para ressaltar a importância de perceber e (sempre que possível, através de algum esforço) vigiar os próprios sentimentos e principalmente os próprios pensamentos. Tal assunto é abordado na psicologia desde sua "gênese" no século 19, através das obras de Whillelm Wundt e desde muito antes em determinadas espiritualidades como o budismo etc (o auto conhecimento absorvido pela Terapia Cognitiva Comportamental séculos mais tarde). Perceber e observar os próprios sentimentos e pensamentos faz parte de cuidar do nosso bem-estar psíquico, ou seja, de nossa saúde mental. Isto pode ser levado à terapia psicológica ou tentado através da meditação. Talvez, mesmo a introspecção seja um caminho, contanto que vise o bem-estar psíquico, o que não deve ser separado de uma serenidade e de (uma busca por) um momento de paz consigo e com (a imagem d)os outros. E não há serenidade enquanto se julga, pois a serenidade é um estado interior(izado) de humildade

Além de não julgar 

Entendo que a partir de uma longa prática ou "esforço" de perceber e observar os próprios pensamentos/ sentimentos é possível desenvolver um "auto conhecimento". Isto deve ser um processo demorado e/ ou contínuo que serve não só no caso de julgar indivíduos com os quais não nos relacionamos, mas também serve para evitarmos nos prender a pensamentos/ sentimentos nocivos a nós mesmos (auto depreciação, crenças limitantes, vício em trabalho ou em qualquer outra atividade etc). Particularmente não sei se auto conhecimento é um termo claro e preciso, mas por enquanto o utilizo, pois sei que é aceito tanto em algumas espiritualidades como em algumas abordagens psicológicas... 

Os pensamentos e sentimentos sobre pessoas distantes então (sejam pessoas que passaram a viver em locais distantes, ou que faleceram) devem ser saudáveis quando nos trazem boas lembranças, nostalgia ou até mesmo inspiração. Pois se ficarmos trabalhando sentimentos ruins e/ ou pensamentos críticos sobre tais indivíduos, estamos apenas degradando nossa psiquê, dando valor ao que não faz bem, portanto fomentando possíveis sofrimentos psíquicos e/ ou adoecimento/ transtorno mental. Obviamente a pessoa que se prende a tal postura psíquica, raramente reconhece que faz mal à si mesmo (e devem ser muitas pessoas, mesmo que não existam estudos precisos sobre isto) e apesar deste blog não ter muitos leitores até então, eu espero que este humilde texto ajude nesta importante questão de bem-estar psíquico e saúde mental.

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