quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

As Bases dos Saberes x Fundamentalismo

 

Mais uma vez trago informações sobre minhas "escavações" nas origens da ciência e em estruturas da religião e até da filosofia. 

Como eu já citei em textos anteriores, a história da ciência remete à filosofia, pois surgiu desta. Por sua vez, a filosofia surgiu das religiões, como pode ser notado em variados momentos da história humana, por exemplo na Grécia clássica e na Índia medieval. 

Eu escrevei alguns textos investigando, explicando e criticando o cienticifismo que se apoia em alguns fundamentos. Resumidamente estes fundamentos são oriundos da filosofia (epistemologia e ontologia), pois é uma suposta base de estudos. A escolha desse fundamento foi sendo feita através de certas disputas filosóficas no decorrer do século 19. Essa disputa foi majoritariamente monista (entre materialismo e idealismo) rejeitando explicações mais plurais da teoria do conhecimento e do estudo da existência como o dualismo e o pluralismo. 

Usar um fundamento para explicar ou investigar algo não é errado em si, mas usá-lo para fins mesquinhos, para prejudicar o próximo ou enganar as massas, é. 

Fundamentalismo na Religião e na Espiritualidade 

Fundamentos são usados de forma errada praticamente há incontáveis anos na história da humanidade. Qualquer problema que a humanidade tem com o fundamentalismo NÃO é mera coincidência. O fundamentalismo é um movimento ou corrente de ideias que prioriza o fundamento, ou as fundações de um ensino ou doutrina qualquer. Obviamente ele surgiu primariamente na religião, pois se apoia em dogmas, verdades absolutas que não precisam ser explicadas em si: Um de seus marcos na história ocorreu durante o início do século 20, entre protestantes dos EUA. 

O grande perigo oriundo do fundamentalismo é pegar um fato ou argumento ainda não compreendido, transformá-lo em norma ou em lei, submetendo outras pessoas ao seu jugo. Além disto por sua ênfase na fundação de uma ideologia ou doutrina, o fundamentalismo é basicamente conservador, pois busca conservar as coisas como eram ou como estão, recusando mudanças, investigações etc. 

Particularmente eu vejo a palavra conservador bem insuficiente para explicar este tipo de movimento. Este "ato" de conservar que nega o desenvolvimento mental (intelectual e empático) e nega o acesso aos estudos e ao conhecimento, é ESTAGNANTE. Não se trata meramente de conservar, mesmo porque esta palavra dá a idéia de evitar estrago e evitar destruição, tanto que caiu nas graças de conservadores ignorantes e de conservadores manipuladores. No Brasil, aproximadamente do ano do impeachment da presidenta Dilma (tão apoiado por "evangélicos") para cá, muitos religiosos e simpatizantes passaram a se denominar abertamente de conservadores. Este conservadorismo em linhas gerais é estagnante/ paralizante, podendo ser classificado de modo mais preciso: "estagnismo" ou "paralizismo". 

É predominantemente distorcida a visão de que o cristianismo é conservador. Ao pregar amor ao próximo, o cristianismo não só incita a solidariedade, como de certa forma explica a onipresença de Deus que ama toda a sua criação. Tal argumento completa-se harmoniosamente com as passagem em que Jesus, como maior profeta das religiões cristãs, explica que é praticamente impossível os ricos amarem a Deus e serem aceitos por Deus. Se trata de equidade: o cristianismo não fala para todos viverem na pobreza, ele fala de distribuir oportunidades para todos (independentemente de suas crenças ou de suas origens) com humildade.* 

*(na Terra, ou seja, estas passagens se referem à pobreza e à riqueza materiais mesmo) 

E nas Ciências, há fundamentalismo? 

Bom, eu já mencionei em outros textos, que no meio acadêmico existem uma série de inconsistências, umas mais graves outras menos. Um ponto crucial a ser questionado é a manipulação de certas áreas de estudo, restringindo-as às normas de outras áreas. Como estudante de psicologia, constatei que ao menos duas frentes desta ampla área do saber são majoritariamente desprezadas como ciências: A psicanalítica e a fenomenológica. Detalhar como a imposição de uma base de estudos materialista impacta nas frentes da psicologia e em suas respectivas abordagens, renderá outro texto, e dos grandes, então tentarei me ater sobre o fundamentalismo nas ciências de modo geral. 

Pressupor que a matéria irá explicar toda a psicologia, ou mesmo pressupor que o materialismo (ou qualquer outra ontologia não plural, como os monismos) vá servir de base para estudar a mente (ou os comportamentos, como você preferir chamar) é reducionismo por si só. É por exemplo, classificar como patológicas todas as experiências chamadas de sobrenaturais, místicas ou religiosas. É concordar com uma base filosófica da medicina. Esta visão da existência (ontologia) monista que prioriza estudos objetivos, é ideal para estudar o corpo percebido pelos 5 sentidos humanos (visão, audição, olfato, paladar e tato). Alegar que uma psicologia com tais bases é capaz de usar o método empírico em todo seu processo é uma falácia. A conversação entre seres humanos não é empírica. Ninguém prova imediatamente se o fato contado por alguém é verdadeiro e ninguém lê o pensamento de ninguém (ao menos não na maioria dos casos e não para quem se apoia numa visão da existência onde apenas considera a matéria perceptível pelos 5 sentidos), portanto sentimentos e pensamentos geralmente não se comprovam empiricamente. E este é um dos motivos que deu força a fenomenologia servir de base para toda uma frente da psicologia. Ainda que a fenomenologia praticamente classifique os pressupostos científicos (naturalistas, materialistas etc) como preconceitos, seu questionamento é válido e necessário. Por exemplo, a fenomenologia serve para desfazer todos os argumentos pró mercado de psicofármacos. Serve para combater a mercantilização da saúde mental, para argumentar contra a permissividade de uma psiquiatria engolida por interesses financeiros de variados setores farmacêuticos, acabe ditando regras para a psicologia. 

A fenomenologia pode ter imperfeições ou insuficiências (como qualquer teoria e método), mas surgiu da necessidade real de combater erros e exageros de uma ciência naturalista, materialista e insensível durante a virada do século 19 para o 20. Necessidade tão real, que a fenomenologia apresentou semelhanças com a teoria geral dos sistemas que surgiria poucas décadas depois: Para objetos de estudo que não podem ser completamente compreendidos ou detectados (ainda), estipula-se e estuda-se as possíveis e variadas relações do "objeto" (ou fenômeno) em questão... 

Afirmar que toda verdade só será descoberta por estudos que têm uma base ontológica e epistemológica materialista/ monista etc, é um fundamentalismo. 

Sim, a ciência com essas bases realizou grandes feitos e ainda realizará muitos outros, mas não deve determinar normas e regras para a espiritualidade, para a filosofia, nem para a psicologia. A psicologia é uma área que transita entre diversas ciências (psicopatologia, psiquiatria, neurologia) e entre a filosofia e toda sua amplitude. A filosofia por sua vez não é objetiva como as ciências, tanto que fez a transição do saber religioso ao científico na história da civilização humana. A filosofia trouxe propostas de explicações religiosas e espiritualistas e também lançou possíveis bases para ciência, como a ontologia e a epistemologia (tanto é assim, que esta última "área" de estudo é chamada de filosofia da ciência). 

A fenomenologia é aceita como ciência na física, mas ainda encontra ilógica resistência na psicologia, sendo considerada uma filosofia. Fundamentalismos como esses já deveriam ter sucumbido ao tempo: A psicologia não é mera ciência objetiva alicerçada no monismo (seja eliminativo ou materialista). Se a fenomenologia é filosofia para a psicologia, deveria ser para a física, para a geografia e para tantas outras ciências. Mas se ela é um conjunto de teoria e métodos científicos, então deveria ser assim em todas áreas da ciência. Se trata de clareza e lógica. Clareza esta, diga-se de passagem, que refere-se em explicar as coisas, buscar entender e divulgar teorias e práticas, o que contradiz qualquer rixa baseada em opiniões individualistas e qualquer fundamentalismo. 

Qual seria a melhor Base/ Fundamento para as áreas do Saber? 

O que deveria servir de base para o saber (seja religioso, filosófico ou científico) é o bem. Estamos no ano de 2022 do calendário gregoriano e será que ainda não sabemos o que é o bem? 

 Buscar progresso requer divulgar conhecimento, torná-lo acessível para o maior número de pessoas. Para torná-lo acessível, distribui-se condições, ou seja, equidade e estrutura de base para as sociedades. Estas estruturas de base da sociedade por sua vez, são as condições mínimas e dignas para a vida: ninguém vive sem água, sem alimento, sem saúde, sem capacidade de locomoção, sem exercitar a mente, seja através do acesso ao estudo ou pelas variadas expressões (seja nas artes ou nas relações) etc. Estas coisas todas não constituem o bem? 

Então porque a base materialista das ciências permite absurdos como a mercantilização da saúde física e mental? Os estudos científicos saem da área acadêmica sendo aplicados para o bem de toda humanidade? Quantas pessoas se beneficiam de barragens de mineradoras privadas que se rompem e destroem povoados e ecossistemas inteiros? Quantas realmente se beneficiam da tecnologia aplicada à criação de automóveis ou de celulares? É a maioria dos seres humanos? Não. 

Então porque quase toda essas áreas das ciências alicerçadas no monismo está submissa às pessoas que têm mais "poder aquisitivo"? Porque atendem às demandas do "mercado", como se este sistema fosse lógico, científico ou humanitário? 

O poder aquisitivo é o bem? Não. O poder aquisitivo está separado e isolado de qualquer conceito ou elemento do que entende-se por bem: Não se trata de humildade, nem de justiça, nem de solidariedade, nem de instrução - Nada disso. Poder aquisitivo pertence a quem acumulou mais bens de troca (geralmente dinheiro) - independentemente como esse acúmulo foi realizado, seja trabalhando honestamente ou enganando, furtando, burlando leis etc. 

Observemos um dado estatístico público e notório para tirar essa dúvida: As pessoas que trabalham muito enriquecem? Elas compram mansões, carros caríssimos, helicópteros e iates? Aparecem em revistas como a Forbes? Não. 

Em geral, o cara que trabalha demais morre no máximo em uma "classe média", sem que 99% da população mundial saiba de sua existência. 

Quem está no topo do sistema capitalista, ou seja, os que enriqueceram mais, não são o bem nem querem ser. Geralmente são o oposto disto e ditam as regras, não só da economia ou da política, como também (indiretamente ou diretamente) ditam os fundamentos da ciência. 

Já não passou do tempo de mudar isto?

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