quinta-feira, 15 de julho de 2021

As Relações das Áreas do Saber

 

Esta é uma reflexão breve sobre a “história do saber”. 

Voltando no tempo, podemos ver que a ciência já foi considerada unida com a filosofia e até mesmo com a religião: Alguns exemplos são a filosofia socrática/ platônica na Grécia Clássica e o bhakti-yoga na Índia medieval. 

De fato tal união pode ser considerada primitiva por ser uma fase de desenvolvimento com limites mal definidos entre os temas. Também pode haver um perigo da religião se apossar dos demais campos pelo fato de trabalhar mais os sentimentos e o lado emocional das pessoas. 

Mas o que temos hoje no ocidente é uma cisão profunda, onde restaram praticamente ataques de um lado ao outro. O nível desta relação é tão frágil que mesmo entre cientistas existem críticas fundamentadas em meras opiniões preconceituosas às áreas mais próximas da filosofia como as frentes psicanalíticas e fenomenológicas da psicologia. 

Além disto, as religiões em sua maioria pouco falam das questões sentimentais e espirituais. Sentimentos que têm sua importância desde o início da vida dos seres humanos. Parece que para entender os sentimentos e todas as experiências tidas como religiosas, sobrenaturais ou transcendentais, surgem as reflexões, os pensamentos e então, as filosofias. 

A filosofia sendo mais reflexiva e mais discutida do que a religião, acaba por se relacionar com questões da natureza, do cosmo e da matéria em geral. 

Daí surge a racionalidade voltada à praticidade e à natureza material. 

Teorizando as "pontes quebradas" entre áreas do saber...


Isto está mais ou menos documentado na história da “Grécia” antiga: As civilizações mais antigas daquela região do mundo, tiveram maior parte de seus registros destruídos, sendo relegadas predominantemente à mitologia (e à arqueologia, talvez também à história da arte). Após a destruição das civilizações “minóica” e micênica, surge a “idade das trevas grega”, onde poetas como Homero e Hesíodo espalham seus poemas, tidos como versões fantásticas da história e da religião, ou mitologia. 

O período a seguir vem com um “espalhamento” de questionamentos sobre esta mitologia - os filósofos pré-socráticos, seguidos finalmente por Sócrates, Platão e Aristóteles. Os filósofos desta era, provavelmente tiveram contato com o Império Persa Aquemênida que havia dominado a Babilônia, o Egito e as fronteiras com a “Índia”,além de ter libertado os judeus. O último dos 3 filósofos “socráticos” citados foi o mais racionalista e o que mais se adequou às questões terrenas, sendo aceito pela elite local, como tutor de Alexandre, o Grande. 

O período a seguir foi de grandes conflitos para a civilização grega: após uma rápida expansão, o império “greco-macedônico” fragmentou-se em disputas predominantemente internas, tornando-se vulnerável à expansão romana. Tal período parece ter sido o ápice “científico” da antiguidade “ocidental”: Erastótenes e Crates de Mallus divulgam a esfericidade da Terra, descrições astronômicas foram difundidas por filósofos posteriores à Anaxágoras, fora os trabalhos de Hipócrates, Pitágoras, Filolaus, Aristarcos, Arquimedes e outros… 

O Império Romano de alguma forma mostrou ter freado esta divulgação de conhecimentos. E o período a seguir não foi melhor neste quesito: A queda do Império Romano do Ocidente diante os povos hunos, germânicos e alanos, fez com que apenas a igreja católica sobrevivesse em sua extensão, já que o estado corrompido ruiu. Então nos séculos seguintes, a igreja monopolizou o que havia sobrado de conhecimento na região (Europa), começando a divulgar alguns conteúdos timidamente no século 12, com a construção das primeiras universidades após conflituosos contatos com o império árabe. 

Após variados conflitos políticos/ econômicos/ religiosos na Europa, a Renascença dá espaço à fomentação da arte e da filosofia, no século 15. A religião dominante (a instituição igreja católica) na Europa passa a ser questionada (novamente) dando origem às igrejas protestantes. 

No século 17, filósofos iluministas se baseiam em algumas obras renascentistas e acabam separando novamente a filosofia da ciência, ao determinarem métodos de estudo. Estes métodos foram a grosso modo, o racionalismo (predominante na Europa continental) e o empirismo (predominante entre os britânicos). 

Cisões e Clubismos 

As cisões, ou segmentações, aconteceram diversas vezes na história da humanidade, pois a necessidade de formar grupos provavelmente sempre existiu desde que o ser humano começou a se unir para superar dificuldades e formar sociedades. Resumidamente estes grupos se dividiram em certos momentos ou encontraram outros grupos com conflitos de interesse e destes conflitos entre grupos entende-se que formou-se o "clubismo". Às vezes afetaram religiões, outras vezes filosofias e até mesmo as ciências. Muitas destas cisões se apoiam num senso de identidade limitado, reducionista, preconceituoso, xenófobo e muitas vezes elitista ou punitivista.

Estudando psicologia, finalmente encontrei o cerne destas rixas entre as áreas do saber: Nestes meios o clubismo se intensificou com a cisão entre os métodos científicos, ou que, em termos mais chulos, inclui a cisão entre "a filosofia e a ciência". Mas porque dizer que a cisão entre a filosofia e a ciência é mais chula do que a cisão entre os métodos científicos? Simples, porque por séculos NÃO existia esta divisão. Tudo era estudo, pois todos estes estudos buscavam compreender as mais variadas questões. 

Apesar disto não considero que esta cisão foi totalmente nociva ou inútil: Ela teve sua serventia por mais de 3 séculos. Tal cisão começou no final do século 17 e perdurou acelerando o surgimento de campos de estudos especializados até o desenvolvimento da psicologia: Mais precisamente até o surgimento da fenomenologia e da psicanálise. O que veio depois disto foram seus frutos, como o desenvolvimento da tecnologia. 

Não, a tecnologia não é meramente fruto da competição insana das potências mundiais por recursos naturais e por armamentos. Mesmo que a competitividade e suas consequências comuns, as guerras, fomentassem alguns estudos, a rivalidade existente nestes momentos é essencialmente formada por ambição, ganância e violência desmedidas: A competitividade desmedida é um comportamento primitivo, rudimentar, que facilmente torna-se violência e obviamente traz mais malefícios do que benefícios. 

O lado ruim da cisão é que ela reforçou o que chamei de clubismo, mesmo dentro das áreas do saber e mesmo com tais separações, ainda não há clareza sobre o que é ciência, o que é método e o que é filosofia. Muitos empiristas desprezam o método fenomenológico de pesquisa, alegando que não se trata de ciência e sim de filosofia. Os mesmos afirmam que filosofia não é ciência, mas se estiverem certos, todos os estudos feitos com o método fenomenológico (seja na geografia, psicologia, filosofia, história etc) fazem parte deste grande campo apartado da ciência: A Filosofia. Neste cenário um tanto "separatista", teorias transdisciplinares como a hipótese biogeoquímica e até mesmo a teoria geral dos sistemas, surgida no campo da física subatômica e física teórica, permanecem em segundo plano. 

Outro detalhe importante do clubismo é o desprezo que é nutrido entre grande parte dos cientistas e dos religiosos. De fato, ciência e religião são coisas distintas, mas não são contrárias entre si. Os cientistas e os religiosos não deveriam odiar uns aos outros. O mesmo também acontece entre filosofia e ciência, o que é mais polêmico, já que esta transformação, apesar de acontecer gradualmente durante o iluminismo, gerou uma cisão profunda. Os movimentos ou métodos científicos foram surgindo a partir da filosofia, mais ou menos da seguinte forma: 

A filosofia natural do final do século 12, era inspirada em obras da Grécia antiga que estavam em mãos dos árabes até a época das primeiras cruzadas: a "filosofia" socrática/ platônica/ aristoteliana; Porém a filosofia natural não podia contrariar muito as religiões/ igrejas "cristãs", que eram muito poderosas na época; 

1539-1543 - "de revolutionibus orbium coelestium" viria a inspirar o racionalismo; 

Após a renascença, a filosofia ocidental deu espaço ao iluminismo e à ciência moderna com os seguintes movimentos, ou métodos de estudo (científicos) que foram surgindo: 

1632 - "diálogo sobre os 2 principais sistemas do mundo"; 

O racionalismo: 1632 - o "mundo ou tratado da Luz" e 1637 "sobre o método"; 

O racionalismo iniciou o iluminismo enfraquecendo as igrejas ocidentais; Por volta de 1666 a astrologia e a astronomia são separadas, sendo considerada ciência só a segunda. 

O empirismo: 1690 - "an essay concerning human understanding"; 

1791 - "a crítica da razão pura", faz o meio termo entre empirismo e racionalismo? 

1837 - "teoria da ciência", 1851 - "paradoxos do infinito": começam a fomentar um novo método;

A fenomenologia: 1874 - "Psychologie von Empirischem Standpunkt ", 1911 - "Iden"; 

Neste último período, questões em torno da metodologia científica dividiram a psicologia em três frentes que parecem não "conversar" entre si. Já os filósofos, muitas vezes, correm o risco de não serem aceitos nem por supostos cientistas nem por supostos religiosos. 

Há quem diga que a divisão da psicologia seja pacífica e até pode ser... mas só para alguns. Para outros trata-se de difamar a abordagem alheia e idolatrar a de sua própria escolha como se fosse a detentora da verdade absoluta. 

Na virada do século 19 ao século 20, o método fenomenológico questiona a cisão causada pelos “métodos iluministas” (racionalismo e empirismo basicamente), mas não obtém um resultado claro: Muitos empiristas relegam o método fenomenológico à filosofia. Oras, se este método não é científico, mas sim filosófico, a filosofia não é uma mera ciência, já que está apartada desta, mesmo regendo estudos em diversas áreas do saber: Geografia, psicologia etc… A própria física teórica poderia ser considerada um campo filosófico quando usa a teoria geral dos sistemas ao invés do método empírico. 

Mas isto não é novidade, só está mais complexo do que antigamente, talvez intrincado, pouco esclarecido e mal divulgado: Se o método fenomenológico e todos seus estudos em variadas áreas, não são ciência, eles são todos filosofias. Teríamos então a física filosófica, a geografia filosófica, a psicologia filosófica… Bem como a versão (empírica) voltada a matéria perceptível aos 5 sentidos humanos: física científica, geografia científica etc. É assim que devemos definir os estudos atualmente? 

Não sei. Parece que não há consenso, só alfinetadas. 

A partir destas informações, vimos que a história é cíclica: As mesmas questões voltam à tona seguindo um certo padrão. 

No final não basta tentar descobrir se a solução é só separar ou unir ciência, filosofia e religião. Nem deve bastar definir se o saber empírico/ naturalista/ racionalista, o saber fenomenológico e o saber espiritual/ transcendental/ sobrenatural, são todos ciências. Mas é importante trazer clareza a todos os assuntos destes campos. Para obter tal clareza, é preciso aproximar todos esses assuntos das massas, é preciso cessar os clubismos e impedir a negação generalizada da ciência e da empatia voltada ao bem. Por fim, é preciso entender todos os (“três”) campos e que cada pessoa que esteja mais focada em um desses campos, respeite e converse com clareza com as pessoas de outros campos. Juntos. Em busca de evolução, de progresso, sem abandonar a humildade e a solidariedade.

quarta-feira, 7 de julho de 2021

A Alma - Um tema talvez inconclusivo, mas não negável

 

Negar por Negar é Reducionismo 

 Reducionismos existem de várias maneiras, de vários jeitos e são propagados por qualquer um. Infelizmente. 

Atualmente o mais preocupante é a negação generalizada da ciência tão propagada pelas redes sociais e por líderes populistas conservadores e capitalistas (sim, crentes do comércio desregulado e defensores da desigualdade socioeconômica e dos mais milionários). 

Mas voltando ao mundo dos estudiosos e cientistas, reducionismo é coisa antiquíssima… Data no mínimo o século 5 anterior à Cristo. Mas porque falar de reducionismo e não sobre a tal alma? Pois bem, a alma já foi motivo de discussão e discórdia, no mínimo desde a época dos filósofos socráticos da Grécia Clássica e falar dela geralmente é falar da possibilidade da imortalidade. Sempre foi. 

Na transição da Grécia Clássica ao Período Helenístico, Aristóteles tentou reduzir a alma à mente humana, ligada ao cérebro e que se dissipava (ou morria) com a morte do corpo. E tantos outros apresentaram conceitos parecidos com este, seja chamando o objeto de estudo em questão, de mente, de psique ou de alma. O problema desta visão é que ela nega várias das experiências tidas como transcendentais, ou sobrenaturais, contadas por todas as pessoas ao longo de toda a existência humana na Terra (isso resultaria em, no mínimo, uns 222.000 anos de contos e experiências). Claro, há quem diga que testes científicos foram realizados, negando a existência da alma e/ou de espíritos. Aí temos um problema científico: A ciência não nega coisa alguma. Negar não é científico. Refutar é, mas refutar não é negar. 

A ciência começa seus estudos, seja lá qual for o método, assumindo-se a possibilidade de descobrir algo. Não descobrir, não é refutar, nem negar. Não descobrir faz parte de um trabalho/ pesquisa inconclusiva, onde não foi possível chegar a uma conclusão. Ou seja: inconclusivo - Este é o resultado mais comum quando se investiga fenômenos considerados transcendentais ou “sobrenaturais”, como a imortalidade da alma. Refutar faz parte de um estudo que prova que um outro estudo está equivocado em algum ponto. E geralmente isto faz com que o estudo anterior seja substituído por outro que explique o fenômeno de maneira mais completa/ precisa, ou apenas faz com que este último seja classificado como inconclusivo. 

Uma pesquisa inconclusiva não é inútil, muito menos um motivo de vergonha para os pesquisadores ou para a ciência. Afinal ela pode vir a colaborar futuramente para que mais pesquisas sejam feitas sobre o assunto inconclusivo. 

O Conflito entre Ciência e Religiosidade 

O que parece ter acontecido frequentemente, foram alegações de empiristas (no sentido de aceitarem apenas o método empírico), que profundamente incomodados por tais assuntos, atacaram toda e qualquer tentativa de explicar o "sobrenatural'' e o “transcendental”. As causas podem ser diversas: charlatões místicos, chantagistas e vigaristas de instituições religiosas etc. Tudo isso pode incomodar cientistas, céticos e pessoas que priorizam o conhecimento. Porém a ferramenta utilizada para atacar aqueles que tentam explicar os fenômenos sobrenaturais/ transcendentais, é a mesma que os charlatões e vigaristas “religiosos” utilizam: O negacionismo. A diferença é que o primeiro grupo geralmente é composto por estudiosos que negam tudo o que parece ser espiritual, religioso etc… As pessoas deste primeiro grupo geralmente alegam ser cientistas e podem até estar no meio de pesquisa, mas são notoriamente apegados (para não dizer fanáticos) do método empírico, descartando todo e qualquer outro método de pesquisa. 

 Já o segundo grupo é mais óbvio: Em geral, são pseudo-cristãos, pseudo-espíritas e outros falsos religiosos, que querem conservar a ignorância, impedir o progresso científico e social. Importante lembrar que muitos destes religiosos se tornaram corruptos pela própria institucionalização de suas respectivas religiões. Esta institucionalização não se refere às obras sociais e sim às buscas por poder e às burocracias nas igrejas, que as afastaram da ideologia original (por exemplo, afastaram dos ensinamentos de Jesus Cristo), favorecendo o acúmulo de riquezas materiais num ciclo vicioso: As igrejas cristãs tornaram-se instituições de poder logo no início da era medieval (entre os séculos 5 e 10) e suas segmentações posteriores que se tornaram populares (como a igreja ortodoxa do leste europeu e a protestante de Lutero), obviamente também atraíram indivíduos corruptos e fascinados pelo poder para seus postos de liderança. 

O poderio dessas religiões institucionalizadas do ocidente só começou a ser questionado de modo significativo durante o iluminismo europeu, por volta do século 18. Ainda assim, elas continuaram instituições poderosas por muitos anos, praticamente até os dias de hoje, no início deste século 21. No caso de religiões que não chegaram a se institucionalizar tanto, como o espiritismo, o que ocorre não é tão diferente, só menos opressivo: São charlatões espalhando mentiras para impor suas ideias ou para se aproveitar da ingenuidade alheia. Portanto, até é compreensível um medo, uma raiva, uma desconfiança por parte dos estudiosos da área científica. Porém, simplesmente negar todas as descrições de uma série de fenômenos é rebaixar-se à postura fanática e nada científica. Não há absurdo algum em tentar desvendar sobre as possibilidades acerca da alma, dos espíritos, ou até de outros mundos ou dimensões, sejam eles espirituais ou não. Mesmo porque, muitas das descobertas da ciência surgida no período iluminista, eram ridicularizadas ou tidas como absurdas em sua época, como as possíveis utilizações da eletricidade e o desenvolvimento de combustíveis… 

 Geralmente as negações de tais assuntos, são alicerçadas em sentimentos como medo da mudança ou ódio ao desconhecido. O psiquiatra suíço, Carl Gustav Jung, cita este sentimento em “O Homem e Seus Símbolos", classificando-o como misoneísmo, uma espécie de fobia/ ódio ao novo. Isto é curioso pois vemos uma suposta aceitação às mudanças tanto na comunidade científica como em algumas comunidades religiosas e místicas. 

 Na comunidade científica parece-me até desnecessário dizer que a aceitação às mudanças deveria ser dominante. Afinal o que seria uma ciência que tem medo ou ódio de descobrir coisas? Certamente nada. Mas então, qual é a dificuldade de abordar o assunto da mente incorpórea, ou da alma? Qual é o problema de teorizar sobre a alma e sobre sua existência imortal? 

Além da óbvia falta de evidências materiais, um dos grandes incômodos que envolvem a alma imortal é a mudança/ a revolução no comportamento humano diante o desconhecido. Tudo aquilo que aparece como horrível para os misoneístas. Pois admitindo esta verdade, a vida já não nos inquieta como antes. Os prazeres materiais perdem seu protagonismo e, talvez, a sua atratibilidade, dando mais espaço ao dever. O corpo já não pode ser tudo, pois é temporário, mostrando-se apenas como uma parcela da existência. A alma torna-se importante levantando questões antiquíssimas como: Então Deus realmente existe? Há um criador por trás de toda a criação? Temos missões em nossa existência? Está tudo bem em fazer mal aos outros na vida terrena? Como será o julgamento de nossas almas? A morte não é mais o fim, mas uma passagem, então para onde vamos? A imortalidade da alma confirmada mostraria uma profundidade enorme em nossa existência, que só não despertaria o interesse de quem perdeu todo o sentimento. Nosso destino pautaria nossas ações. 

A imortalidade da alma não é uma história inventada para impedir o progresso ou a ciência: Praticamente em todas as épocas, em diferentes locais da Terra, o ser humano teve como patrimônio comum a noção da imortalidade da alma, que não é só um consolo, mas também teve usos em diversas civilizações, servindo de apoio para a justiça e para a vida em comunidade. Isto possivelmente ocorre desde antes da história escrita, porém todas essas culturas tiveram seus sistemas religiosos taxados de mitologia com a ascensão do monoteísmo no mundo. Isto não é uma crítica ao monoteísmo em si, pois o que deve ser criticado é a religião como instituição de poder, que, no ocidente começou a se consolidar entre o fim da antiguidade e o início da era medieval. As civilizações/ culturas celta, nórdica, egípcia, yorubá, asteca, hindu e tantas outras ao redor do mundo, tentavam lidar com a “dimensão espiritual” de diferentes formas. Pode-se notar então, que tal patrimônio é anterior a todo sacerdote, a todo legislador e a todo escritor, existindo em povos tidos como bárbaros e em complexas civilizações urbanizadas. 

Então pergunto, porque temer uma existência além daqui? Você fez mal aos outros? Sente algum tipo de remorso? Não se conforma em perder seus bens materiais? Não vê sentido em uma existência sem prazeres materiais? Tudo bem que algumas coisas podem ser difíceis, mas muitas outras não são. Ao menos não para quem não é egoísta. 

 Aqui volto a levantar pontos citados em outros textos meus: A ciência não deve ser neutra em assunto algum. Neutralidade é invencionice. É desculpa para negar a importância de uma classe, de um assunto ou de uma cultura da qual você sente qualquer tipo de aversão. Tudo existe por relações. Uma existência única que não se relaciona, independente de tudo mais, é a mais pura essência da negação, um negacionismo em proporções inimagináveis. Seria o contrário da constatação pura de todas as coisas que existem. Seria negar a expansão cósmica, o universo, as estrelas, os planetas, todas formas de vida, suas relações, suas evoluções etc. 

Então a ciência serve a alguém. Assim como a religião e a espiritualidade devem servir a Deus e/ou ao descobrimento de Deus. Não importa se você chama de Jeová, Brahman, Nous, Kether, Akasha, Rá, o Cosmo, Krishna ou qualquer outro nome. É o “conceito” máximo de onipresença que se relaciona com tudo e a mais suprema mente que tem todas informações para fazer o que fez: O universo e talvez mais. 

Então a quem a ciência deve servir? Um grupelho de políticos? De empresários multimilionários? Obviamente não… Sócrates e outros filósofos já diziam (há cerca de 2500 anos atrás) que a verdadeira ciência serve ao bem. 

 O Clubismo e seus efeitos Nocivos 

Se tanto a ciência como a religião enxergam a importância do bem, podemos estipular o que causa tanta discórdia em torno da questão da imortalidade da alma... 

A falta de evidências nos conformes do método empírico? 

O apego à matéria perceptível por parte de muitos cientistas (monismo materialista)? 

Ou talvez a maioria dos acadêmicos estejam acometidos por algum tipo de fascinação pela finitude? 

Bom, eu gostaria de crer que não seja isso, mas para muitos deve ser isso mesmo. 

No 1º caso, se o método empírico não explica, não existe. Um reducionismo óbvio. A 2ª hipótese é naturalista, muito comum das ciências biológicas do século 19. Pouco difere da primeira... A 3ª já envolve possíveis sofrimentos psíquicos: Estudiosos/ cientistas fascinados pela finitude, ou que abraçam vazios existenciais, podem estar sofrendo com problemas emocionais, mentais etc. Mas para aprofundar sobre tais casos é preciso de uma pesquisa em psicologia e eu não concluí a minha ainda. Além disto, existem certas discórdias entre as diferentes abordagens desta área de estudo que fariam deste assunto algo muito extenso. Os 2 primeiros exemplos citados aqui são exemplos de clubismo, pois o empirismo é empurrado goela abaixo da maioria como sendo a própria (e única) ciência. Parece piada, mas não é tão absurdo assim. Clubismo similar, ou seja, divisão em grupos que discordam entre si, aconteceu “N” vezes, como podemos ver na história das religiões ao longo de milênios na civilização humana. O clubismo é similar ao individualismo (numa escala maior, é claro) e se apoia muito no negacionismo e na intolerância. Gera o discurso “nós e eles” e não aceita nada que ameace sua supremacia, seja às claras ou às escondidas. A igreja fez isso às claras por razões óbvias: Apoiou-se na ignorância do povo da antiguidade e se apossou do conceito de heresia, possivelmente ligando-o ao pecado. Este pecado que para os corruptos da igreja era tudo que se opunha a eles, na verdade nada mais é do que a impureza da mente. De acordo com o judaísmo, o ser humano tem um livre arbítrio e quando escolhe o mau ao invés do bem, como as próprias ambições ou satisfações, prejudicando outros, ele está errando. Este erro é o pecado. Já em escritos católicos do século 5, a lei eterna, ou natural, é justa e divina, portanto transgredi-la é pecado. Jesus Cristo ensinou muito desta lei divina de amor ao próximo, amor a si mesmo e amor a Deus. 

Pode-se notar que clubismo existe dentro do "mundo" religioso, e de maneira mais surpreendente, no “mundo” científico. Pois neste último caso grotesco, o conhecimento que começou no iluminismo, prometendo trazer lucidez e clareza à humanidade, ao deixar os problemas sociais e a manipulação dos sentimentos em segundo plano, tornou-se um prato cheio para as lideranças que citei no início deste texto: Líderes populistas, conservadores de desigualdades, de injustiças e de ignorância. 

A Alma e o Inconsciente do ser humano 

Quando dormimos quais pensamentos predominam nossas mentes? Aqueles relacionados às nossas ações e escolhas… Isso diz muito sobre nosso aparelho psíquico (consciente e inconsciente) ou alma e possivelmente até sobre nossos destinos, como mencionado por Jung algumas vezes. 

 Para quem ainda não “crê” em alma, considere o seguinte: Mesmo um psiquiatra cético do século 19 descobriu uma estrutura imaterial da mente, após uma série de observações de pacientes abalados por psicopatologias (sejam sofrimentos psíquicos ou doenças mentais). Este psiquiatra (Freud) além de obter sucesso no tratamento de tais pacientes desenvolveu toda uma base teórica para a psicologia: O consciente, o pré-consciente e o inconsciente (sua 1ª tópica) foi usado até por psicoterapeutas proeminentes que discordaram de grande parte de suas teorias. Mesmo alguns psicólogos que criaram abordagens psicoterapêuticas com bases em outros métodos e estudos, respeitam e admitem a estrutura psíquica com os parâmetros mencionados anteriormente (consciente, inconsciente…) Tanto Freud como Jung, deixam a entender que pensamentos, lembranças e sentimentos não desaparecem definitivamente, eles apenas deixam de ser a atenção de nossa consciência, podendo emergir (da inconsciência) depois de muito tempo. Desaparecer definitivamente seria deixar de existir, o que é algo improvável por qualquer método científico.

O aparelho psíquico descrito pelas abordagens da frente psicanalítica, assim como a essência na fenomenologia, não é físico: não é sólido, nem líquido, nem gasoso e provavelmente também não é plasmático. Não está em nenhum dos 4 estados conhecidos da matéria até então. Trata-se talvez, no máximo, de informações relacionadas aos potenciais elétricos ou a sinapses do sistema nervoso, mas mesmo estas não são a causa das escolhas humanas. Isto é centrar os estudos no empirismo, ignorando todos os demais métodos científicos. Um ato típico do período iluminista, onde acreditava-se que o ser humano era o centro do universo e o que existia de mais evoluído neste. A postura correta da ciência é semelhante à humildade: é assumir que não se sabe sobre o que não foi descoberto nem sobre o que ainda não se estudou o suficiente. 

Vários outros campos da ciência e estudos científicos se depararam com questões que o método empírico não foi suficiente para solucionar. O campo mais comum destas ocorrências é a física, daí o desenvolvimento de métodos científicos da física teórica. 

Como estudar a Mente (e a Alma) 

No que se refere ao empirismo, sabemos que este método se apoia nos cinco sentidos humanos e na reprodutibilidade das experimentações. Então parece óbvio que o empirismo não vai explicar forças ou energias que distorcem o espaço-tempo (como as de certos corpos celestes) alcançando dimensões além do “nosso universo 3D”. E se existe qualquer forma de vida em uma dimensão além da tridimensionalidade, também é óbvio que o empirismo jamais vai controlar qualquer ser ou entidade que consiga viajar através do espaço-tempo por meios desconhecidos aos humanos. Portanto isto impede a reprodutibilidade de experiências empíricas feitas pelo observador/ estudioso. 

O monismo (seja materialista ou eliminativo) já mostra algumas contradições ao servir de base para algumas abordagens psicológicas: Esta base filosófica (seja chamada de pressuposto ou de ontologia) requer o empirismo como método de investigação, então como o observador (o estudioso, no caso o psicólogo ou psiquiatra) poderia repetir os sentimentos espontâneos que ocorreram numa determinada situação de um paciente? O empirismo aceita como verdade absoluta os relatos de um paciente? E se não aceita algum relato do paciente como sendo verdade, não estaria sendo arbitrário? Pois então, o empirismo é um método antropocêntrico do período iluminista - Quando foi desenvolvido há cerca de 3 séculos, os empiristas pressupunham que o ser humano era o que havia de mais desenvolvido no universo. Pressupunham que a vida só poderia existir em ambientes com a composição idêntica ou muito similar ao planeta Terra. É um método com limitações como tantos outros. Se este método explicar algo sobre a alma e sobre a existência além do espaço-tempo conhecido, explicará muito pouco. Para se falar dos temas colocados na categoria de espiritual/ transcendental / sobrenatural, é preciso utilizar outros métodos ou talvez até desenvolver novos métodos… Métodos ainda desconhecidos que só espanta ou irrita os misoneístas. 

Se vou descrever como é a alma aqui? Claro que não. Eu só tenho vagas "ideias'' baseadas em experiências inalcançáveis pelo método empírico. Só tive percepções dificílimas de se descrever, recebidas pelo meu aparelho psíquico. Diga-se de passagem, tais “percepções”, muitas delas intimamente vinculadas a sentimentos, foram experiências, ou fenômenos, que o cérebro humano é incapaz de produzir por si só. Apesar disto, muitas outras pessoas também devem ter experimentado, e por isso, descreveram algo mais ou menos semelhante ao que experimentei. 

Ainda assim, frequentemente sinto-me receoso em descrever minhas experiências, pois há poucos anos atrás eu vi bacharel pós-graduado em psicologia dando aula em curso superior e exercendo a profissão, dizendo que amor é algo entre uma besteira e algo que não existe. Será que estes prestigiados profissionais provam a não existência através de um método científico? Quantos desses não estão por aí formando opiniões? E quantos desses não entendem como ideologias de ódio chegaram ao poder em certos países, tanto no passado como no presente? Ora se o amor é uma besteira, se é apenas uma reaçãozinha química do cérebro ou se simplesmente não existe, o que seria o ódio senão algo meramente do mesmo nível? Será que tais sentimentos não têm relevância? Sentimentos de amor e ódio (e outros) não estão vinculados só a questões supérfluas nem só a questões espirituais: Por mais que muitos acadêmicos e cientistas queiram ser um robô, ou um materialista extremista, ou um “super-racional”, os sentimentos movem praticamente toda ação humana e possivelmente movem até ações de alguns animais. 

Enfim, alguns cientistas iniciaram estudos, ainda que tímidos, sobre a relação da mente com o espaço-tempo, sobre fenômenos/ experiências de quase morte (EQM) e sobre a relação da mente com a distorção de campos eletromagnéticos… Um dos estudos foi o seguinte: Após acompanhar 344 pacientes sobreviventes de paradas cardíacas, dos quais 18% tiveram EQM,  indicando "consciência" mesmo sem atividade cerebral, o médico holandês Pim van Lommel, criou uma teoria a respeito: “A consciência não pode estar localizada num espaço em particular. Ela é eterna”, diz. “A morte, como o nascimento, é mera passagem de um estado de consciência para outro.”

O conceito de consciência nestes estudos pode ser mais neurológico ou da psicologia comportamental, afinal médicos se apoiam no método empírico. Esta consciência além da vida material possivelmente está mais relacionada com o inconsciente da mente dos seres vivos de acordo com a frente psicanalítica: As experiências transcendentais, onde pessoas descrevem deixar seus corpos por exemplo, entram nesta categoria observada pelo médico holandês.

Pim van Lommel ainda diz, com certa humildade, que os estudos não comprovam sua teoria. É claro que não, o método empírico por tratar apenas do que os 5 sentidos humanos detectam, não vai explicar tais fenômenos com mais precisão do que este caso, uma vez que rechaçam até mesmo o inconsciente como elemento do aparelho psíquico (mente ou alma, chame do que preferir). Portanto estes estudos empíricos também não refutam, nem negam a teoria de Pim vam Lommel: No máximo, deixam o caso inconclusivo.

A teoria deste médico deve desagradar muito dos empiristas que preferem classificar as descrições destas experiências dos pacientes como meras alucinações. Porém as alucinações requerem ou deveriam requerer atividade cerebral... O que parece ter cessado nestes casos. Claro, o debate poderia se esticar, com empiristas alegando que a alucinação surge nas breves descargas elétricas oriundas da morte de neurônios, mas aí, os próprios empiristas estariam especulando e o assunto se delongaria permanecendo inconclusivo.

Para descrever mais estudos aqui, que indicam indícios de elementos psíquicos que transcendem o espaço-tempo, eu precisaria reencontrar as fontes e isto é algo que talvez eu faça futuramente.

Fontes: 

Carl G. Jung; O Homem e seus Símbolos, 

Allan Kardec; Revista Espírita Ano xxxx, mês xx, 

Pin van Lommel; Consciousness Beyond Life: The Science of the Near-Death Experience