quinta-feira, 12 de outubro de 2017

A sociedade e a inteligência artificial

'Machine learning' é a expressão do momento. A inteligência artificial deixou de pertencer à área de ficção científica e adentrou nossa realidade de vez. É incipiente (ou até insipiente) ainda? Com certeza. Mas diante experiências de empresas com I.A.s que conversam entre si, 'softwares' que aprendem a jogar Super Mario Bros, etc ... não há como negar que a I.A. terá um papel cada vez mais impactante, e que não podemos prever qual será a velocidade com que esse impacto ganha 'peso'.

E qual será a real importância disso? Toda importância do mundo. Nosso mercado de trabalho será (e já está sendo) drasticamente alterado, a automação de tarefas irá varrer diversas ocupações para o 'Limbo'. Isso não é propriamente uma novidade. Desde a revolução industrial temos um processo acelerado de melhoria de produtividade e rápido avanço da tecnologia que acaba resultando em menos vagas de emprego. Também há novas áreas de emprego, resultantes de novas demandas que essas tecnologias e novos mercados trazem.

Mas a I.A. terá um impacto muito maior e abrangente. Aqueles que procuram se informar sobre o assunto acabam guiando suas carreiras profissionais para adquirir conhecimento que possa ser útil em um universo cada vez mais preenchido por I.A.s. Programação ou habilidades de comunicação, podem ser áreas que irão demandar mais tempo para que as I.A.s passem a substituir humanos. Mesmo assim já temos experiências como drones que vigiam as fronteiras brasileiras e geram linhas de código em C conforme a necessidade, e atendimento automatizado ao cliente.

É fácil imaginar um futuro distópico vindo à uma velocidade galopante. Portanto é uma tarefa da sociedade discutir alternativas para evitar um rasgo enorme no tecido social. A crítica é uma ferramenta importante para sugerir soluções. Alguns teóricos, como Jacque Fresco parecem propor soluções disruptivas e extremas de novas sociedades com novos meios de produção e distribuição, mas quanto mais a tecnologia avança, menos impossíveis as soluções parecem, desde que exista vontade.

Algumas alternativas básicas, como o programa renda mínima, sugerido por um político de São Paulo (Eduardo Suplicy), começam a despontar como uma medida necessária na discussão internacional. Soluções semelhantes já tem apoio de figuras importantes, como o criador do Facebook, e começam a ser implantadas em alguns países.

Uma coisa é certa: a realidade está cada vez mais dinâmica, e mentes que se apegam ao status quo precisam se adaptar, ou ficar para trás.

P.S.: Reflexão feita em uma redação para entrevista de emprego.

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

As diversas facetas de esquerda e direita e as confusões que causam

Para variar (termo irônico), estamos vivendo mais uma vez uma discussão estúpida sobre esquerda x direita, graças aos conflitos causados por neo-nazis americanos e à vontade de alguns setores da nossa sociedade de descolarem sua imagem dos 'extremistas'. Primeiramente vamos deixar bem claro: quem defende nazismo não sabe viver em sociedade. Se a pessoa não sabe viver em sociedade, ou ela se adapta ou é banida de alguma forma, pois (infelizmente, já que eu gostaria que cada ser humano tivesse o poder de criar uma dimensão paralela e viver do jeito que quisesse no seu mundinho) é impossível viver fora da sociedade. Pensamentos racistas, homofóbicos, eugenistas, etc, devem ser mantidos para você mesmo (o ideal é repensar suas crenças, mas eu defendo o direito de cada um poder ser canalha pelo menos dentro da própria cabeça).

Esse tipo de pensamento externado deve ser reprimido, pois nada virá dele além de conflito irracional (irracional porque não há como construir diálogo a partir de tais ideias). Se é permitida certa liberdade de expressão para ideias de ódio e medo, é permitido a evolução desses pensamentos até que ocorra ... bem, qualquer imbecil conhece essa parte da nossa história, uma entidade, que é difícil de ser categorizada como humano, matou outros que supostamente eram da mesma categoria que ele (humanos) simplesmente porque eram de outra etnia, ou de uma biologia diferente, ou com ideias adversas às suas.

Um desenvolvimento possível das ideias propostas no parágrafo anterior poderia ser: qualquer tipo de ideia que rompa com o status quo, com o sistema vigente ou ainda com a democracia devem ser reprimidas da mesma forma, já que ameaçam a ordem social. Esta pode ser a ideia por trás do projeto que um parlamentar peculiar lançou: banir qualquer simbologia ligada ao comunismo/socialismo. Eu preciso discordar dessa ideia por vários motivos, o principal deles é: o socialismo/comunismo visa reordenar a sociedade de forma igualitária, ou seja, em teoria, ninguém precisa morrer ou ser banido para a lua, e todos devem ter os mesmos direitos.

É utópico? Claro que sim, se fazer isso sem ninguém morrer fosse fácil o mundo seria outro. Conflitos resultarão em mortes, quem detém o poder nunca irá abrir mão facilmente. Entretanto o diferencial para o nazismo é este (reordenar a sociedade de forma igualitária). Que é o inverso do que o nazismo propõe, já que é baseado no eugenismo e acredita que certos humanos são melhores do que outros. O que é proposto é justamente uma sociedade de castas ou simplesmente o genocídio daqueles que são 'inferiores'. Na teoria, não há como ligar essas ideias diametralmente opostas. Já na prática, a diferença não é tão pura assim, e provavelmente a realidade cinzenta é que permite esse tipo de especulação estúpida de ideários.

Na prática, diversos sistemas de governo autoritários/totalitários surgiram com base no sistema vigente ou com bases revolucionárias. Governos totalitários tendem a formar aquela face monstruosa que a 'maioria' atribui a uma ditadura. A velha máxima, "o poder corrompe", poderia explicar o que acontece com os governantes da nossa espécie. Trotsky não morreu sem motivos. O poder deve ser viciante, pois quem consegue algum, quer mais e mais, os ideais parecem perder força, se é que existiram na mente de alguns, a dissimulação é uma grande ferramenta para angariar poder. A máxima serve para os supostos sistemas democráticos também, quem é brasileiro convive diariamente com os exemplos (expostos como feridas pela mídia quando a interessa).

Foi necessário desenvolver essas ideias para deixar clara a diferença entre nazismo x socialismo. Outra coisa deve ser deixada clara antes que possamos discutir as nuances de esquerda e direita: NÃO EXISTE GOVERNO COMUNISTA. Os países que assumiram nomes que empregam o termo comunista, poderiam ter a pretensão de um dia se tornarem um (país comunista), ou apenas gostavam da propaganda enganosa, todos esses países são no máximo SOCIALISTAS. De acordo com a teoria marxista, o comunismo somente poderia acontecer como etapa evolucionária final da sociedade, após o socialismo ter sido bem-sucedido no mundo. Não há comunismo sem a evolução global da sociedade. O comunismo como ideia se aproxima muito mais do anarquismo, pois a necessidade de um Estado seria muito menor do que é no socialismo. A diferença principal (entre anarquismo e comunismo) é que o anarquismo ignora as etapas evolucionárias propostas pelo marxismo.

Pois bem, a causa supremacista branca, poderia sim, surgir em um sistema totalitário de esquerda, afinal, há relatos de perseguição a homossexuais em regimes de esquerda, embora eu desconheça a existência de um grupo desses na esquerda (supremacista branco). E por que poderia? Porque a realidade não é preto no branco, as contradições fazem parte do tecido social, daí os diversos nuances de esquerda e direita.

A diferença entre direita e esquerda não é necessariamente a mesma diferença de um pensamento neo-liberal e um pensamento socialista (um mercado livre x um mercado completamente controlado pelo estado). Dentro do capitalismo, os economistas keynesianos defendem uma regulamentação do mercado pelo estado (uma solução proposta por Keynes no pós-crise de 29), e são considerados de esquerda. O surgimento dos estados de bem-estar social é pautado no keynesianismo, e estados de bem-estar social, são estados capitalistas considerados de esquerda. Entretanto, a ditadura militar brasileira era baseada em uma economia gerida pelo estado, sob forte intervenção, assim como alguns candidatos do período democrático, como Enéas, defendiam uma economia nacionalista, com regulamentação do estado, e todos são considerados de direita.

O ponto principal então, da diferença entre esquerda e direita, não está na regulamentação do mercado e na importância do estado, e aí voltamos láááá no começo do texto, quando discutimos a diferença entre socialismo e nazismo: a diferença é o que se quer priorizar a partir dessas políticas públicas, uma sociedade igualitária ou uma sociedade de castas (meritocrática ou não).

Veja, ao citar uma sociedade de castas eu não quero dizer que toda a direita é nazista ou eugenista, isso é absurdo. Os E.U.A. são baseados em uma sociedade de castas, eles pregam a liberdade individual e a meritocracia justamente como meio de um indivíduo subir nas castas. Países capitalistas também vêem a satisfação de seu povo de acordo com o tamanho de uma classe média, é considerado ideal uma classe média gorda, a casta que abarca a grande maioria do povo, pelo menos no discurso democrático capitalista.

Em teoria, como média de ideário, já que as ideias variam em um largo espectro, a esquerda visa diminuir a desigualdade entre essas castas (ou classes sociais), garantindo o mínimo para a casta mais baixa enquanto esse processo se desenvolve (uma das formas de medir essa desigualdade é o Índice de Gini). E a direita visa um fortalecimento da economia, o que, para alguns dentro dessa corrente, resultará em melhoria de vida para as castas mais baixas, já que as castas mais altas terão mais dinheiro para investir em negócios. Ou seja, para a esquerda, reduzir essas diferenças é justiça social, para a direita, inchar a classe média através da meritocracia é suficiente.

Discursos nacionalistas e protecionistas podem ocorrer nos dois lados do espectro político. Discursos de mercado livre ocorrem em parte da direita apenas. Discursos pró-globalização ocorrem na direita, mas sua contra-parte seria o comunismo utópico na esquerda, ambos acabam se chocando com os ideários nacionalistas. E discursos eugenistas, bem, não deveriam nem ser considerados, se você gosta disso, crie um mundo fantasioso na sua mente onde você é o ditador do mundo e deixe fechado até o dia da sua morte.

Enfim, se você quer descolar a imagem de seu grupo político dos manifestantes neo-nazis, não precisa criar falácia intelectual acusando os manifestantes de pertencerem ao grupo que você diverge, quando toda a história da sociedade nega tal fato. Basta enfatizar que o seu grupo pensa diferente desses boçais, assim como no grupo político oposto ao seu, deve haver indivíduos que querem descolar a imagem deles dos boçais que existiram por lá. Apoiar-se nos subterfúgios de nomes de partidos e críticas ao sistema vigente desses, é utilizar uma análise rasa como escapismo. Basta analisar quem Hitler perseguiu e quais as mudanças que ele aplicou na estrutura social de seu povo para a análise rasa esboroar. Ele fez reforma agrária? Extinguiu propriedade privada? Promoveu justiça social? A verdade é uma só, do ponto de vista econômico, a Alemanha se apoiou fortemente em um sistema capitalista nacionalista focado em desenvolvimento econômico, e do ponto de vista ideológico se apoiou em uma das maiores sandices que a humanidade criou, e que não deve ser tratado como direita, esquerda ou o diabo que o for, só como sandice mesmo.

terça-feira, 2 de maio de 2017

Reflexão sobre tecnologia e sociedade

Meu professor de Sociedade e Tecnologia propôs que escrevêssemos um texto sobre sociedade e tecnologia embasado nos conceitos vistos em aula, sobre a seguinte reportagem:

Vai comprar roupa no Natal? Veja se sua loja favorita combate a escravidão



16/12/2016 



Leonardo Sakamoto







O ''Moda Livre'', aplicativo para consumo consciente de roupas, acaba de passar por uma nova atualização a tempo de ajudar os compradores neste Natal. Foram incorporadas 27 novas marcas e lojas à ferramenta, incluindo importantes nomes internacionais que produzem no Brasil, como as grifes Levi's e Calvin Klein, a Forever 21, além das esportivas Nike, Puma, Adidas e Reebok e marcas brasileiras relevantes como Farm e Animale (do Grupo Soma) e TNG, Osklen e Cavalera. Redes de lojas populares, como a Besni e o magazine Torra Torra, também foram incluídas.

Com a nova atualização, o App passa a contar com 101 grifes e varejistas em sua base de dados. Desde o seu lançamento, em dezembro de 2013, pela ONG Repórter Brasil, ela já teve mais de 50 mil downloads.
O Moda Livre avalia e monitora as ações que as principais empresas do setor vêm tomando para evitar que as suas peças produzidas no Brasil sejam contaminadas por mão de obra escrava. Além disso, oferece ao consumidor notícias sobre casos de escravidão contemporânea na cadeia de valor do vestuário nacional.
Faça o download gratuito do aplicativo para iOS (iPhone) e Android 
 Trabalhadores produzindo peças para oficina responsabilizada por trabalho escravo (Foto: MPT/Divulgação)
Trabalhadores produzindo peças para oficina responsabilizada por trabalho escravo (Foto: MPT/Divulgação)
A Repórter Brasil convida todas as companhias a responder a um questionário-padrão que avalia basicamente três indicadores: 1) Políticas – compromissos assumidos pelas empresas para combater o trabalho escravo em sua cadeia de fornecimento; 2) Monitoramento – medidas adotadas pelas empresas para fiscalizar seus fornecedores de roupa; 3) Transparência – ações tomadas pelas empresas para comunicar a seus clientes o que vêm fazendo para monitorar fornecedores e combater o trabalho escravo; 4) Histórico – resumo do envolvimento das empresas em casos de trabalho escravo, segundo dados das autoridades competentes.
O histórico da marca ou da loja também é avaliado de acordo com pesquisa junto ao Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho a fim de verificar o envolvimento em casos de trabalho escravo.
As respostas geram uma pontuação e, com base nela, as empresas são classificadas de acordo com o que vem fazendo para combater a escravidão em três categorias de cores: verde, amarelo e vermelho. As empresas que não respondem ao questionário são automaticamente colocadas na vermelha porque equivale a obter pontuação zero no questionário.
O Moda Livre não recomenda que o consumidor compre ou deixe de comprar roupas de determinada marca. Apenas fornece informação para que faça a escolha de forma consciente. O aplicativo é fruto da apuração da equipe de jornalismo da Repórter Brasil e do design e desenvolvimento da agência PiU Comunica.
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Os escravos da moda – Nos últimos anos, centenas de trabalhadores – principalmente imigrantes de outros países sul americanos – foram resgatados produzindo roupas em situação análoga à de escravidão dentro de pequenas e precárias oficinas de costura brasileiras. A região metropolitana de São Paulo (SP) concentra a maior parte dos casos  já flagrados por auditores fiscais do Ministério do Trabalho e procuradores do Ministério Público do Trabalho.
Quase sempre estas oficinas são empreendimentos terceirizados, que, não raro, produzem para grifes de renome. Há também flagrantes de trabalho escravo associados a pequenos varejistas instalados em importantes polos comerciais de roupas, como o bairro paulistano do Bom Retiro.


Pois bem, baseado nesta reportagem, segue o texto elaborado:

Não há como pensar a sociedade brasileira atual de maneira dissociada à tecnologia, essa é também, uma realidade mundial.

Uma tentativa desse tipo, seria equivalente a analisar o período pós-crise de 29 no Brasil, de maneira dissociada à industrialização, ou a colonização brasileira de maneira dissociada à agricultura.

Isso porque, esses modos de produção, e suas mudanças, são o cerne das mudanças da própria sociedade. Ou, como Toffler nomeia, essas grandes ondas de mudanças, seriam: a Primeira Onda, a revolução agrícola, que levou milhares de anos para se esgotar; a Segunda Onda, o advento da civilização industrial, que durou  apenas cem anos; e a Terceira Onda, ainda mais acelerada do que a segunda, e que altera nossa sociedade hoje, neste exato momento.

Essa Terceira Onda, segundo Toffler, traz consigo uma maneira de vida genuinamente nova baseada em fontes de energia diversificadas, renováveis; em métodos de produção que tornam a maioria das linhas de montagem das fábricas obsoletas; em famílias novas, não-nucleares; em uma nova instituição que poderíamos chamar de "casa eletrônica"; em escolas e corporações do futuro radicalmente modificadas.

É possível adicionar algumas características importantes à essa Terceira Onda, talvez menos inspiradoras que as citadas por Toffler: preponderância do capital financeiro sobre o produtivo, disseminação de mentiras pela web (ou, a era da pós-verdade), superexposição do indivíduo via digital (e suas consequências de julgamentos morais e bullying permanente), guerra midiática exacerbada (podendo servir de preparação para uma intervenção espacial), etc.

Essa sociedade, no meio da Terceira Onda, é essencial de ser compreendida para podermos avaliar os impactos que a tecnologia pode ter. Como o próprio Toffler afirma, essas ondas podem estar ocorrendo simultaneamente, em locais e sociedades diferentes, e é o que pode se constatar neste caso específico, onde discutimos uma tecnologia (um aplicativo para celular) que monitora trabalho escravo, duas coisas aparentemente anacrônicas, em um mesmo momento histórico.

Alguns autores utilizam os conceitos de Sociedade Industrial e Sociedade do Conhecimento, conceitos que não serão aprofundados aqui, devido ser possível traçar um paralelo desses conceitos com o que seria equivalente à Segunda e Terceira Onda. Mas mesmo autores que utilizam esses ou outros conceitos, acabam abordando esse anacronismo simultâneo, que ocorre com maior intensidade nos chamados países periféricos.

Essa característica é mais gritante em países periféricos devido à balança de poder econômico mundial, é um movimento intrínseco ao capitalismo, coerente com a tendência de concentração de renda. As sociedades detentoras de maior poder econômico, estão em sua maioria, pautadas em democracias, onde a pressão exercida por este sistema empurra as práticas mais selvagens de obtenção de lucro para os países periféricos. A velha discussão sobre as grandes corporações, as maquiladoras, a mão-de-obra barata, e o exército de reserva de trabalhadores, seria útil para esta abordagem, mas fora do escopo deste texto.

Basta dizer que, é compreensível, uma sociedade pautada em uma suposta democracia, com substancial poder econômico, não querer ver 'sujeira no seu quintal'. E algo que é inerente ao modo de produção capitalista, deslocar-se para as economias periféricas, onde o 'culpado' é o próprio ser humano dessa sociedade periférica bárbara e atrasada.

Nossa própria sociedade periférica bárbara e atrasada, 'terceiriza' os seres humanos bárbaros e atrasados: os escravos são 'pobres ignorantes' do nordeste, 'preguiçosos' bolivianos que não tomam banho, e vejam só, até mesmo os escravagistas são oportunistas coreanos.

O trabalho escravo é uma realidade brasileira, anacrônica (?) e atual. O ponto de interrogação anterior é uma reflexão sobre se realmente nos livramos do escravagismo na história brasileira. Políticos já foram investigados por trabalho escravo, empreiteiras, enfim, diversos segmentos da sociedade. Trabalho escravo que não ocorre apenas nos rincões, mas nas próprias metrópoles, debaixo dos nossos narizes empinados pela ignorância, insensibilidade ou credulidade no sistema vigente em que nossa sociedade é pautada.

Diante do impacto que é causado pela própria sociedade, do 'homem sendo lobo do homem', como é possível questionar o impacto desta tecnologia em específico? Pode-se considerar um esforço patético, criar um aplicativo para monitorar empresas de roupas? Sim. Mas a somatória de esforços patéticos, é o que resta a uma sociedade onde há um descolamento entre os segmentos populares e seus representantes na democracia (como é bem demonstrado no vídeo "A história das coisas"). Dessa somatória pode surgir algo no futuro (futuro/presente, já que estamos no meio de uma onda de ruptura) que se apresente como alternativa a um sistema controlado pelo lucro dos poucos que concentram a renda.

Neste ponto é necessário abordar um aspecto da cultura da nossa espécie: o ser humano é um ser gregário. Não há ser humano, sem sociedade. Isto está inserido no próprio conceito de cultura de Cristina Costa: uma certa ruptura com os instintos naturais, que permitiu o desenvolvimento de simbolismos, significações, inventividade e linguagem. Essa evolução de condição de animal natural, com reações baseadas no código genético, para uma espécie com reações mais complexas, essencialmente influenciadas pela sociedade.

É engraçado pensar que uma das principais características responsáveis por nossa evolução, o viver em sociedade, acabe criando uma sociedade baseada no individualismo, sendo que, ninguém é humano sozinho.

Parte intrínseca de nossa cultura é a tecnologia, desde a criação de técnicas, sua separação da filosofia e da arte, até a própria sistematização da ciência da técnica. Para muitos, nossa nova religião, aquela que salvará a humanidade. Que haverá capacidade para isso, parece cada vez mais inquestionável, resta a pergunta: Ela servirá aos individualistas que controlam a sociedade, e consideram nossa característica gregária de forma eugenista, ou servirá aos que vêem nossa característica gregária como o que realmente somos: dependentes uns dos outros?

Dessa resposta obtemos quais serão os impactos da tecnologia na sociedade. Hoje, em nossa sociedade brasileira, os impactos são fragmentados, paliativos ou danosos, conforme os ditames do capital internacional.

Enfim, ao analisar o fenômeno da Terceira Onda (ou mesmo um conceito paralelo como o de Sociedade do Conhecimento), têm-se a tecnologia com um peso importantíssimo nas dinâmicas sociais, mas essas mesmas dinâmicas sociais são indissociáveis do conceito de cultura, e da característica gregária da espécie humana. O que resta de barreira para que uma sociedade onde tecnologia seja voltada para essa dependência entre seres humanos, é justamente o sistema de produção comum ainda à Terceira Onda e à nossa cultura atual: o capitalismo focado no consumo e no individualismo. Se a Terceira Onda vai superá-lo, e alterar assim, radicalmente a nossa cultura, podemos esperar impactos melhores da tecnologia do que se o contrário acontecer, e o capitalismo continuar no cerne de ambas as coisas.

Bibliografia:

COSTA, Cristina. Introdução à ciência da sociedade. São Paulo, Ed. Moderna, 2010. Pg. 182 a 186.

TOFFLER, Alvin e Heidi. Criando uma nova civilização: a política da terceira onda. 6 ed. Rio de Janeiro, Ed. Record, 1999. Pg. 19 a 29.

A história das coisas. Vídeo acessado em: https://www.youtube.com/watch?v=7qFiGMSnNjw&feature=youtu.be