quinta-feira, 1 de setembro de 2016

A engrenagem gira



Hoje tive um pesadelo, nele eu estava me deslocando para um lugar no limite da mancha urbana de uma metrópole. Chegando no lugar, entrei em um elevador que descia para andares subterrâneos. Ele descia tão depressa que flutuei até o teto do elevador, assustado perguntei aos outros que não flutuaram se aquilo era normal, eles disseram que sim.

O elevador continuou descendo, balançando, e logo me vi em outro ambiente. Funcionários vestidos de branco passavam entre os diversos cidadãos que se deslocavam para diversas salas de espera, quando cheguei em uma delas, disseram-me que eu estava doente e que deveria passar por um tratamento. Quem me dizia isso eram os próprios pacientes na sala de espera, um grande desconforto me levou a sair da sala de espera, mas fui segurado por um paciente negro, que, com uma gravata, tentou me levar de volta para meu lugar. Cortei a garganta do pobre homem com um crachá ou algo parecido e fugi.

Subi alguns andares, todos iguais, e encontrei uma moça que estava comigo no elevador, ela estava resistindo à 'prisão', havia quebrado uma janela e quando me viu passando disse que as pessoas afirmavam que a janela não estava quebrada.

Olhei para a janela quebrada, olhei de volta para a moça e disse para ela que a janela não estava quebrada, dando uma piscadela com o olho direito em seguida...

Acordei sem saber o final do 'filme', e sem dormir, fui forçado a refletir sobre o assunto. Meu subconsciente estava digerindo o sombrio 31 de agosto de 2016, digerindo os fogos de artifício, digerindo o sentimento frustrante de que algo muito ruim havia acontecido, que grande parte da população estava sendo forçada a engolir a opinião da outra parte.

Embora eu deveria estar aliviado por ter entregado a dissertação, havia o sentimento de algo bom acontecendo ao mesmo tempo de algo muito ruim, e também o sentimento de entregar um trabalho incompleto, que não saiu como planejado.

Para completar o dia, a professora de Cálculo, para tentar acordar a classe, disse: "E então pessoal, hoje temos um novo presidente eleito." (nunca se sabe quando há sarcasmo e quando não há, se o professor for da Fatec), "Tem algum petê aqui? Semestre passado tinha um..."

Meu subconsciente teve que digerir tudo isso, e dessa indigestão surgiu esse pesadelo. A reflexão é: você está doente. Não há nada de errado com nossa sociedade, você está doente e precisa tomar uns 'remedinhos' para ser reintegrado à sociedade. Rivotril? Rede Globo? Veja? CNN?

Os remedinhos apresentam a sociedade como uma democracia que funciona. É um sistema duro, mas que se você trabalhar, estudar, esforçar-se de verdade, você até consegue uma vidinha boa. Você merece isso, porque você é mais inteligente que a maioria. O outro? Ah, você pode até torcer pelo outro, dê uma esmola aqui e ali para se sentir melhor. Se o outro tiver sorte, ele pode até sobreviver. É assim desde tempos imemoriais.

A engrenagem segue rodando, e esmagando. Quem perde 'só' um braço aqui, uma perna ali, segue correndo ou rastejando. Tem gente que perde um dedo e culpa fulano, a presença da engrenagem é invisível para esses. Acreditam que o cicrano pode lhes devolver o dedo. Acham que quem critica a tal engrenagem na verdade é amigo daquele larápio que é o fulano.

Para amenizar tudo isso, soube que a maioria dos amigos que estavam comigo no último serviço, conseguiram arranjar outro emprego (a empresa em que trabalhávamos cortou quase todos os funcionários). Conversando com eles, fiquei feliz por observar uma pequena faísca da centelha divina. São esses pequenos momentos que fazem você não abandonar completamente a fé na humanidade.

Se você acredita em Deus, digo que Ele nos deu um cérebro (se você acredita no caos, bem, ele nos deu um cérebro). Isso é um presente e tanto, nos dá a possibilidade de olhar para o universo e admirar, de olhar para os outros seres vivos e admirar, de olhar para nós mesmos e pensar: podemos melhorar tudo isso.

É a lei natural, um ser humano esfolar o outro? Poluir os mares? Enriquecer pelo saque? Utilizar seu poderoso cérebro para que nunca mais qualquer membro da sua família possa ser pobre, mesmo que às custas do 'outro'? Acabar com o ecossistema? Moldar os cérebros 'inferiores'?

Um cérebro pensante quebra a regra do natural, "com grande poder, vem uma grande responsabilidade". Se aqueles que detém o poder, ignoram essa responsabilidade, torna-se completamente necessário que você, parte dos mais de 90% da população que não são ricos, use o seu cérebro, para que a engrenagem fique visível, para que caminhos possam ser propostos, para que seu ódio pare de ser direcionado para aqueles que são esmagados com você, para que você enxergue que quem está doente é quem acha que o caminho que seguimos é natural.