(Introdução)
A abordagem usada pode soar
provocativa para alguns, correndo o risco em alguns momentos, de ser acusada por
cometer contrassenso. A verdade é que o ponto de vista mais crítico se faz necessário
para questionarmos alguns dogmas econômicos opacos que por motivos de provável interesse
exclusivo de certos “grupos”, se disfarçam de axiomas já estabelecidos e
imutáveis nas escolas de negócios.
No entanto, devo comentar com
antecedência algumas premissas dessa análise; o texto por vezes pode parecer
generalista, mas não tem a pretensão de super simplificar toda a estrutura
financeira do mercado global posicionando-a como alvo das ideias aqui apresentadas,
ao invés disso tem a proposta de discutir e principalmente evidenciar alguns conceitos
importantes que muitas vezes são tratados meramente como “comuns” ou
“recorrentes”, ou ainda, declarados de forma arrogante como “obviedades” pelos ditos
especialistas, mas que talvez devessem ser tópicos de maior atenção, já que são
insumos para opiniões que impactam gravemente os usuários das publicações “do
mercado”. Portanto, todas as críticas que proponho aqui, devem ser medidas e
testadas diante dos possíveis universos de aplicação.
Por fim, informo que houve e
haverá esforço em explicar e esmiuçar o tema geral, à fim de deixá-lo em um
formato mais didático, mas nem sempre isso é possível sem uma regressão
profunda às origens das disciplinas; por isso, nessas resenhas existirão sim
“atalhos” por entre as matérias técnicas, e fica sob o critério do querido
leitor, a necessidade de fazer ou não pesquisas adicionais sobre os detalhes (sempre
com meu incentivo, claro!). Há de se mencionar que a comunidade financeira como
um todo, é um clube exclusivista, que por vezes prefere adotar termos difíceis para
esconder conceitos muito simples, como uma espécie de instinto natural de sobrevivência,
com o objetivo de “intelectualizar” a disciplina financeira, e consequentemente
deixá-la inacessível aos leigos fora desse “seleto clube” (é claro que esse é
um meio de auto blindagem aos perigosos questionamentos alheios...); para esses
casos, caro leitor, tenha certeza que irei caçá-los obstinadamente e desmitificá-los
sempre que for viável.
(1.
Uma revisão necessária sobre títulos e ações)
Conforme comentado na introdução da resenha, não há a pretensão de adequar essa análise aos moldes tradicionalmente acadêmicos, e cito esse fato pelo simples motivo que algumas de minhas revisões sobre as matérias financeiras podem aprofundar ou mesmo reduzir as definições científicas de acordo com o objetivo buscado (mas nunca contradizer, salvo quando eu o fizer deliberadamente, descrevendo ao leitor o motivo da minha contestação).
A minha primeira proposta de
esclarecimento sobre finanças é: do que de fato se trata o tal do mercado
de ações, e qual sua verdadeira finalidade? Sem aquela resposta preguiçosa do
tipo, “...onde os investidores negociam as ações das empresas do mercado...”;
para chegarmos em uma sintetização tão simplista como essa existe um longo
caminho a percorrer, e antes de colocar o pé nessa trilha acho melhor dar uns
passos para trás e revelar um ponto importante sobre a natureza do mercado
público de ações, ele é, antes de qualquer coisa, um dos desdobramentos do
mercado de capitais.
Esclarecer o que é o mercado de
capitais para fim apenas dessa leitura implica em admitir que haverá uma grave
redução de foco nesse tema, já que em uma concepção mais completa ele é um produto
dos mecanismos da política monetária de um governo, e, portanto, uma matéria
que flerta com a macroeconomia. Contudo, vale a pena deixar bem claro que o
significado de mercado de capitais não se limita somente à negociação no
mercado livre de compra e venda de ações das companhias de capital aberto, mas compreende
todo um amplo e abrangente sistema de fluxo de valores lastreados, formado por todos
os tipos de capitais que podem ser subscritos e convertidos em títulos privados
ou públicos, e que consequentemente guardam caraterísticas de transmissão
de propriedade (entende-se “capitais” para todos os fins desta resenha, como valores
financeiros/patrimoniais transferíveis, ou ainda, com uma ou outra ressalva
técnica, como sendo genericamente os chamados ‘valores mobiliários’).
Ou seja, além das ações das
empresas, fazem parte do mercado de capitais os mais diversos tipos de títulos,
como os títulos da dívida pública de curto e longo prazo emitidos pelo governo,
as debêntures privadas, os certificados de depósitos bancários e interbancários
(chamados de CDB’s e CDI’s), os precatórios, as cadernetas de poupança, os
papéis de Openmarket bancário, títulos de fundos imobiliários de gestão
privada ou de grupos de investimento, os diferentes títulos securitários, ...e
isso somente para citar muito rapidamente algumas modalidades de subscrição de
capital. É fato que todo o complexo sistema financeiro moderno se sustenta em
grande parte nesse fluxo monetário vivo do chamado ‘mercado de capitais’, e
mergulhar profundamente nesse tema no presente texto seria sem dúvidas, uma
jornada sem volta, pretensiosa e inconclusiva. Para os interessados, sugiro
aqui na nota de rodapé (_¹) uma leitura muito técnica sobre o assunto, mas também
de muito boa qualidade e extremamente esclarecedora.
Mas para a proposta momentânea,
esse breve resumo acima já nos apresenta a primeira importante observação; que os
mercados públicos de leilão de ações, geridos pelas bolsas de valores, é
somente uma parte desse grande monstro de várias cabeças chamado de mercado de
capitais. É fundamental guardarmos essa informação para uma discussão mais aprofundada
sobre o papel do mercado de ações na sociedade, que invocarei mais à frente.
Ainda antes discutir a natureza
do mercado de ações de balcão e suas características mais específicas, é
relevante fazer uma descrição apropriada do que, de fato, é um título negociado
no mercado de capitais (e consequentemente, o que é também uma ação, uma cota, ou
“um papel” subscrito por determinada empresa). E embora pareça supérfluo, esse
é um alerta para o primeiro sinal da noção completamente equivocada de algumas pessoas
que fazem parte desse “universo financeiro”, e que discursam na internet acerca
do tema com aparente propriedade. Muito raramente é divulgado pelos
“especialistas” que todo título que é negociado pelo sistema financeiro,
é um título de DÍVIDA (às vezes mais em essência do que em sua forma,
como explicarei logo adiante quando abordar o conceito da teoria personalista
da contabilidade). Logo, uma simplificação nos permite afirmar que um título é,
na verdade, nada mais do que um termo de compromisso de dívida, ou em outras
palavras, uma garantia de transferência futura de valores entre duas partes.
O emissor anuncia uma dívida e subscreve
um documento oficial que é uma promessa de pagamento futuro para um potencial portador
do mercado (a parte no negócio que, devido a compra desse título, acaba por
ceder um “empréstimo” para o emissor). A emissão de um título implica, na
prática, em um modo dinâmico de uma entidade se financiar por meio de
iniciativa própria de geração de dívida. Por vezes, no mercado de capitais
esses títulos não possuem vínculos nominais, o que possibilita sua revenda para
terceiros em um mercado secundário dedicado para isso.
Para ilustrar melhor essa relação
de devedor/credor de títulos vamos regressar para as verdadeiras origens dos
títulos, que durante os governos pré-republicanos anteriores ao século 18 podiam
ser emitidos basicamente pelas únicas autoridades que possuíam a concentração
do poder, ou seja, as monarquias. Elas os emitiam para dignatários, sendo o
principal tipo, os títulos de direito de terras, que eram concedidos normalmente
junto a uma posição social ou militar de destaque (duque, lorde, conde etc.).
Essa era uma concessão da família real, uma espécie de reconhecimento por algum
préstimo à coroa ou ao estado, porém, segundo a pesquisa de Thomas Piketty,
durante os séculos 18 e 19 (nota _²), os governos monárquicos ou republicanos
europeus passaram a vender títulos reais, concedendo ao portador não a
propriedade da terra, mas sim o direito sobre parte do próprio tesouro da
nação; a venda era direcionada para o público em geral, coletando assim, o dinheiro
disponível dos cidadãos (na verdade, da burguesia e dos bancos privados, que
possuíam o poder aquisitivo na época) em troca da promessa do pagamento futuro dessa
dívida remunerado por juros anuais pré-estabelecidos pelo estado; essa
foi de fato a ferramenta de financiamento das guerras territoriais na Europa,
ou em qualquer uma das suas antigas colônias durante esse período. Logo, fica
claro que qualquer relação com os termos contemporâneos “letras do tesouro”, ou
“título do tesouro”, dados às emissões do governo, não é mera coincidência.
À despeito desse modelo primordial de emissão
de dívidas públicas, é consenso que o sistema embrionário de emissão de ações
privadas de uma companhia, foi baseado nos títulos emitidos pela Companhia
Holandesa das Índias Ocidentais ainda antes de 1800, durante
o século 17; ou seja, para financiar suas campanhas de navegação e
exploração nos outros continentes (nota _³), a VoC
emitia cotas que eram promovidas pelos bancos
holandeses, e na medida em que a companhia acumulava mais tesouros, havia
a promessa de remunerar seus investidores com os lucros obtidos. Um sistema
muito parecido com o modelo adotado pelos estados europeus anos mais tarde.
Mas talvez o exemplo mais emblemático
de emissão de título seja o próprio papel moeda, isso mesmo, por exemplo aquela
sua famosa cédula de vinte reais emitida por um órgão oficial (casa da moeda),
com um timbre oficial do governo, e que possui a assinatura do presidente do
banco central e do ministro da fazenda garantindo para você que aquele título é
capaz de liquidar dívidas e ser usado para depósito bancário; com um detalhe
adicional: este “título” possui liquidez imediata para ter a capacidade
de fluência no mercado quando negociado (sem necessidade de haver corretores no
ato de liquidação), e por isso não carrega remuneração de juros garantidos
inerentes à sua emissão, diferente dos demais títulos públicos. Essa noção que
a nota de papel é um título emitido pelo governo fica muito clara para quem já
teve a oportunidade de ver fisicamente títulos de dívida do tesouro direto, que
não passavam de grandes cédulas impressas no tamanho aproximado de uma folha de
sulfite, com timbres semelhantes ao da cédula, assinadas pelos mesmos
personagens citados, garantindo a liquidação de dívida ou dando acesso ao
resgate do tesouro por parte de seu portador; ou quando ainda nos dias de hoje observamos
na nota de libra esterlina a frase impressa em sua face: “I promise to pay
(...) 10 pounds”, ou seja, o impresso representa literalmente o governo
britânico expressando a promessa de troca daquele título por parte do tesouro
público em libras, que nada mais é do que uma medida de peso
para metais preciosos nos modelos dos antigos mercados mercantilistas na
Inglaterra (esterlina, ou “sterling”, deriva de “estrela”, símbolo que era
efetivamente cunhado nas antigas moedas de prata da Normandia).
Vale lembrar que esse sistema
papel-moeda que vem cada vez mais caindo em desuso, foi criado em uma época de
padrão-ouro, quando literalmente as economias globais ainda possuíam seu lastro
no metal precioso, e teoricamente era possível fazer o “resgate” de sua parcela
do tesouro oficial.
Nota de 10 Libras. |
Logo, as ações das companhias, somente pelas suas
características de expectativa de premiação futura, e de subscrição de valor
com a possibilidade de transferência de propriedade, já se qualificam como um
tipo de título de dívida. Porém, alguns sagazes leitores acostumados com as
leituras padrão dos experts hypados do assunto, podem questionar:
“- Mas a ação, diferente de
outros títulos não apenas subscreve valores de dívida, mas sim transfere a
propriedade de parte da empresa para o portador/titular do papel. Então,
estaria eu, como portador da ação, devendo dinheiro para eu mesmo?”.
Esse looping acaba não se
concretizando, pois o sócio, não é na prática, a empresa.
Portanto a ação corresponde sim a um título de dívida, mas quem possui a dívida
para com os sócios é a companhia, e não o próprio sócio.
“ – mas eu sou o dono da empresa,
ou pelo menos de parte dela! Então dá na mesma!!!”
Não, não dá na mesma não..., e vamos
por parte, pois a contabilidade e o direito civil podem responder a esse
questionamento.
Sob o prisma do código civil a
personalidade separada de uma companhia é a própria concepção da natureza
jurídica da empresa, não à toa entendida como “pessoa jurídica” nos termos
comuns da lei, e que somente passará a “herança” de suas dívidas para os sócios
pessoas físicas em situações muito específicas de baixa da empresa e de dissolução
de capital; como em declarações de falência ou liquidação dos espólios da
companhia (na ocasião da “morte da empresa”). O aprofundamento técnico sobre a
correlação do capital da empresa com o capital particular dos sócios é puro
“juridiquês”, e não me sinto à vontade de navegar nesses mares, uma vez que sou
contador, não advogado. Ainda assim, acredito que vale a pena o leitor ter
acesso ao polêmico documentário “The Corporation” (nota _⁴),
que explora as origens da motivação dessa segregação jurídica das corporações
nos Estados Unidos, e apresenta uma versão dos “por quês” da emancipação das
chamadas sociedades anônimas.
De qualquer modo, esse conceito
jurídico de sociedade apartada é também refletido nas publicações contábeis, e
este é o argumento principal ao qual vou me ater. Embora 99% dos contadores
formados não saibam disso, a teoria personalista da contabilidade aborda
o tema, e determina que a empresa nada mais é do que uma “pessoa”, ao entender
todas as rúbricas contidas em seu balanço patrimonial como se fossem relações
com outras pessoas (ou entidades). E veja só você, ainda por cima isso também serve
para responder àquela velha pergunta dos afoitos estudantes inexperientes na
área contábil:
“- por que na contabilidade é tudo
ao contrário, e eu devo registrar meus pertences e ativos como “débito”,
e minhas dívidas como “créditos”????? Por quêêê???? (que coisa chata do
caramba, cara! ¬¬’).
A resposta está visualmente demonstrada
abaixo, se – como sugere a teoria personalista – você imaginar que a empresa é
uma pessoa que anota em seu “caderninho” (o balanço patrimonial, no caso),
na página da esquerda (o ativo) as entidades e pessoas que devem pra ela,
ou que retornarão dinheiro de alguma forma (ou seja, os DEVEDORES da empresa, por isso registrados
como débitos); enquanto na página da direta (o passivo) ela anota as pessoas
para quem ela está devendo dinheiro atualmente (os seus CREDORES, por isso
lançados como agentes do crédito):
Perceba que na última linha destacada em amarelo e totalmente preenchida da página da direita desse diário, os sócios estão entre os credores, representando uma dívida contínua da companhia, que será somente liquidada com o próprio encerramento da empresa, que, se tudo der certo, jamais acontecerá (em um balanço patrimonial real, os sócios são descritos no elenco de contas apenas com a rubrica “capital social”, acompanhado do valor equivalente ao aporte original de capital dos sócios).
Adicionalmente, o conceito todo
explicado aqui é embasado também por dois dos princípios contábeis
regulamentados no Brasil (os chamados “BR GAAP” pela escola contábil); o
primeiro, é o princípio da entidade, que separa a entidade empresa da
entidade sócio, e que entre outras funções, tem por objetivo determinar que o
patrimônio de um é segregado do patrimônio do outro (na prática, isso impede a
festa do caqui, em que os sócios eventualmente retirariam dinheiro do caixa da
operação da empresa sem evidência ou motivo contábil justificado, um movimento que
caracterizaria, à priori, obtenção de renda dos sócios, e consequentemente um
evento que deveria gerar a incidência do imposto de renda).
E o segundo princípio contábil é
o princípio da continuidade, que decreta que toda pessoa jurídica é
constituída com natureza perene, ou seja, com a intenção de operar sem data de
conclusão prevista (ad eternum), o que de fato, justifica pontuarmos (de
forma conclusiva) a relação da dívida da empresa para com o portador de seus
títulos (o sócio, que possui suas respectivas ações/papéis).
As conclusões iniciais dessa
resenha nos levam a afirmar que as ações são um tipo de título e um meio pelo
qual as empresas e outras entidades administrativas se endividam em um mercado,
em troca de recursos para execução de projetos que visam o lucro futuro.
Ao finalizar esse tópico pode até
parecer que muito foi escrito para introduzir um conceito que pode sim ser
encontrado em pesquisas mais sérias na internet (ou claro, nos livros), contudo
o esforço em esmiuçar o significado do que é uma ação e de recapitular
brevemente a origem dos títulos, vai nos permitir reformular uma ideia partindo
da parte menor para o todo, em uma linha de raciocínio contínua. Essa me parece
a melhor forma de apurar de forma embasada a reflexão sobre os objetivos
práticos do mercado financeiro, e a forma verdadeira na qual se relaciona com a
sociedade.
(2. Uma
revisão necessária sobre o mercado de ações e bolsa de valores)
Ao decifrar o modus operandi dos
mercados de ações, vamos simultaneamente acabar com alguns mitos e meias
verdades que recorrentemente passam desapercebidos pelos “jornalistas” que
colaboram com os ‘smart sites’ da moda sobre finanças, e o mais importante,
vamos poder discutir de forma aberta a finalidade social desse subsistema do
mercado financeiro. Por isso peço ao leitor que tenha a paciência de coletar
cada descrição que vou usar para montar parte a parte, uma cristalina imagem do
mercado financeiro que busco demostrar.
Os papéis da dívida de capital
das empresas, ou seja, suas ações, são negociadas em um mercado de balcão
organizado: a bolsa de valores. O termo “de balcão” é empregado pelo
fato que esse mercado de fato opera leilões, e tal como em leilões, os locais
físicos que eram destinados para negociação desses papéis possuía um balcão
para as trocas e intermediação dos negócios. Ainda hoje na bolsa de valores de
Nova Yorke (NYSE) e na B³ em São Paulo, por exemplo, podemos ver os executivos
e proprietários das empresas subindo até um “balcão” para tocar a sineta do
leilão quando executam sua primeira oferta dos papéis (basicamente de forma
simbólica, já que as operações são digitais e não mais em papel, mas ainda
assim os entusiastas adoram esse ritual). Uma noção importante que devemos ter
desse mercado organizado de balcão, é que ele é, primeiramente, uma espécie
de intermediador-regulador; e isso quer dizer que a bolsa de valores em sua
essência faz parte do sistema financeiro oficial, que no caso do Brasil, é
o SFN (Sistema Financeiro Nacional) – uma complexa malha de instituições na
qual entidades como o Banco Central do Brasil (BACEN), o Banco Nacional de
Desenvolvimento Social (BNDES) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fazem
parte, e que tem por objetivo colocar em prática as premissas econômicas e
monetárias definidas pelo governo federal.
Esse é um fato que normalmente
não é comentado por muita gente que “educa” nos canais paralelos (fora da
academia) sobre finanças. A verdade é que o uso da palavra “regulação” dentro
da comunidade financeira é bastante evitado, por motivo majoritariamente
doutrinário, é claro; implicitamente existe uma ideia de associação (tóxica)
que a simples existência de um mercado acionário que inerentemente possui um elevado
risco em suas operações internas, se relaciona diretamente com a ideia do “investidor
arrojado”, ousado, que pelo mérito de sua poderosa inteligência é capaz
inclusive de prever os preços futuros das ações em busca da “jogada certa” de
sucesso, para colher sozinho rentabilidades exuberantes em suas negociações de
compra e venda; e por dedução, em um universo repleto dessas ‘personalidades
geniais’, um agente regulador apenas “castraria” o potencial de rendas
vultuosas produzidas nesse ambiente.
Pois é, tem muita balela e
falácia mesmo que são vinculadas a esse meio, e embora resvalamos aqui pela
primeira vez nas questões de doutrina barata que orienta a comunidade
financeira, esse ainda não é o momento de minerar esse vasto campo polêmico de
ideias. Para o momento basta dizer que é possível isolar os discursos e
alegorias, para focar apenas nas mecânicas reais desse mercado, a ponto de
fazer uma análise mais fria do funcionamento das bolsas de valores.
Por isso vamos voltar a explorar
a finalidade principal da bolsa de valores, que é operar de forma transparente
e imparcial o leilão de ações entre os possíveis compradores e vendedores, cumprindo
com todas as regulamentações necessárias, mas não sem antes falar um pouco de
sua própria natureza jurídica.
Embora essencialmente seja uma
parte integrante do Sistema Financeiro Nacional, as bolsas de valores no Brasil
nasceram como iniciativas autônomas dos comerciários e bancários regionais, se
organizando em sociedades civis sem fins lucrativos. Porém, é importante
citar que sob a estrutura das bolsas estavam as próprias corretoras de valores
(responsáveis por intermediar os títulos nesse mercado que elas mesmas
controlavam), que sobreviviam das comissões dessas operações internas no
mercado de ações. Em certo sentido, ainda que “sem fins lucrativos” a bolsa
gerava afinal um lucro colateral para seus controladores e criadores, já que
esses eram na prática as corretoras – muitas das quais filiadas aos bancos comerciais
- comissionadas pelo preço das negociações realizadas nesse mercado. Na medida
em que o ambiente de negócios passou a crescer e se modernizar (em 1976 existe
um marco jurídico, com a promulgação da lei 6.404/76 das Sociedades Anônimas)
as bolsas de valores passaram cada vez mais a ter vínculo com o sistema
regulador, seguindo as orientações da Comissão de Valores Mobiliários (essa sim
uma autarquia pública, que além de outras finalidades regulares também tem a
responsabilidade de auditar todas as instituições vinculadas ao mercado de
valores mobiliários de títulos) ao tempo que gradualmente, passavam a ter menos
influência das corretoras na sua gestão.
A partir do ano 2000 as bolsas
começaram a atravessar um processo de modificação bastante drástico
desencadeado principalmente pelos leilões eletrônicos, realizados agora de
forma digital por meio de algoritmos que podiam dar vasão para um volume de
negócios totais que não poderia ser suportado pelo antigo pregão “analógico”
(corretores gritando ao telefone a flutuação dos preços das ações enquanto
anotavam todas as ordens de compra e venda em um bloco de notas no saguão
principal da bolsa...). Ao longo dos anos essa transformação desmanchou a larga
concentração das operações da bolsa em poucas corretoras exclusivas desse
mercado, e a diversificação da corretagem com novos ‘entrantes’ abaixou os
preços das comissões envolvidas; ou seja, a facilidade operacional
proporcionada pela tecnologia, por certo ajudou a popularizar o mercado de
ações (importante ressaltar aqui o termo “ajudou”, pois ainda vou destilar essa
ideia), e colocou o distanciamento definitivo e necessário entre a gestão da
bolsa de valores e as corretoras de ações.
A essa altura a bolsa do estado de
São Paulo, a Bovespa, já era considerada a principal bolsa de valores nacional
devido ao seu tamanho desproporcional (muito maior do que as demais bolsas
regionais) e à quantidade da concentração de empresas listadas em seu mercado
de ações, por isso um movimento de centralização das bolsas se sucedeu; diversos
movimentos societários ao longo de quase 12 anos transformaram todas as bolsas
regionais e outras bolsas comerciais em apenas uma grande bolsa de valores, chamada
“B³”, ainda com sede no centro velho de São Paulo onde funcionava a
Bovespa. Durante todo esse processo, em minha opinião, dois fatos relevantes se
destacam: a fusão da Bovespa com a BM&F e a abertura de capital
da B³ na bolsa de valores.
De certa forma, pode-se assumir
que a criação da “Nova Bolsa” - a fusão da Bolsa de Valores do Estado de
São Paulo (Bovespa) com a Bolsa de Mercados e Futuros (BM&F) – foi o que
transformou oficialmente a Bovespa em um “negócio”, já que neste movimento ela foi
integrada a uma bolsa mercantil com fins lucrativos, a BM&F, que
inclusive já possuía autorização do Banco Central para operar como se fosse um
banco em determinadas situações. Anos mais tarde a integração da Nova Bolsa com
a CETIP (uma outra controladora de sistemas de negociações de títulos públicos
que já possuía capital aberto e operava sob supervisão do BACEN), proporcionou
a conclusão desse grande movimento de centralização das bolsas de valores
brasileiras, sacramentado por fim, com um uma oferta primária de capital
na própria bolsa de valores que operavam. Ou seja, a bolsa de valores
brasileira – a B3 ou B³ – não apenas passa a ser uma instituição privada com
fins lucrativos, como em seguida, também passa a negociar suas próprias
ações como sociedade anônima no ambiente de negócios que ela mesma controla.
Mais à frente vou continuar a detalhar
a mecânica de uma oferta pública inicial, ou do famoso “IPO” em inglês (a
oferta primária na qual me referi no parágrafo anterior), mas para o momento basta
eu fazer uma introdução do conceito para adicionar uma reflexão necessária
sobre esse movimento específico que a B3 realizou. O IPO é a venda das cotas de
uma determinada empresa para o mercado aberto de investidores (pode-se dizer bem
grosseiramente que é o momento em que uma empresa deixa de ser uma sociedade de
capital limitado [ltda.] para se transformar em uma sociedade anônima de
capital aberto [S.A.]), mas além da venda das ações que já existiam anteriormente
na antiga estrutura societária de cotas limitadas da empresa, nesse evento normalmente
existe uma significativa emissão de novas cotas para o mercado, o que
gera um importante aporte de capital na companhia (em contrapartida de
um laudo de reavaliação do valor da empresa, realizado por bancos e
consultorias especializadas); por isso esse movimento é batizado pelas
auditorias e bancos como “capitalização”, pois há literalmente um incremento efetivo
do capital social para as empresas que fazem a oferta de ações ao convidar
novos sócios nessa iniciativa. Esse, aliás, é mais um fato pouco comentado
pelos experts: a empresa não somente vende suas ações para o mercado, mas sim subscreve
novas emissões de ações para vendê-las ao mercado. Por isso na ocasião da
oferta inicial, muitas empresas dobram, triplicam, ou chegam até mesmo a
crescer 10x seu tamanho de capital escritural (com a emissão desses novos
“títulos de dívida”, ...lembram no capítulo anterior?).
Pois bem, a reflexão que cabe
aqui, é que a B3 em uma razão relativamente curta de tempo (em apenas 20 anos,
lembrando que ela nasceu no final do século 19 e se manteve por mais de 100
anos sob uma estrutura societária muito parecida...) passa de uma sociedade
civil sem fins lucrativos, para uma empresa de capital aberto que não somente
visa gerir com equidade o ambiente de negócios, mas também passa a obter lucros
com serviços de consultoria, com as taxas de listagem de empresas no mercado de
ações, cursos e certificações sobre investimentos, e disponibilização de
ferramentas e análises de dados para seus clientes. Nessa mudança de objetivo
social se tornou uma empresa do ramo privado, mas que continuou com a
responsabilidade e exclusividade da gestão imparcial do fluxo de ações, e
que além de viabilizar a negociação das cotas das outras companhias de capital aberto
através de seu robusto sistema de informações (seu objetivo principal original),
também viabiliza a compra e a venda de suas próprias ações em leilões.
Veja que não estou questionando a
ética na execução prática da B3 em seus negócios, que inclusive possui diversas
camadas de auditorias internas e externas, e possui os mais altos níveis de
governança corporativa exigidos, mas estou sim trazendo à luz uma constatação
de incongruência dos objetivos da entidade e de sua natureza jurídica sob o
ponto de vista da conjuntura social. Adicionalmente, uma vez que o CADE
(Conselho de Defesa Econômica) e a CVM permitiram a realização dessa oferta
pública da B3, esses órgãos oficiais fiscalizadores endossaram um entrante no
mercado sem nenhum concorrente equivalente; afinal, quem mais além da
própria B3 pode oferecer: a listagem no mercado de ações oficial, os mesmos níveis
de serviços de ferramentas e análises de dados, além de consultoria sobre o
próprio mercado com a mesma quantidade de insumos que eles possuem (insumo =
informação), e ainda com o mesmo “selo de qualidade” da empresa que é
genuinamente a única responsável pelo funcionamento desse mercado? Uma
situação atípica e talvez até conflituosa como essa, talvez fosse atenuada em
caso de diluição completa do capital da empresa no mercado, ou seja, caso nenhum
fundo de investimento concentrador pudesse ter propriedade de parte do capital social
da B³; ou em outras palavras, que todos seus sócios-investidores fossem
obrigatoriamente negociadores do varejo (pessoas físicas não organizadas
em entidades), o que a caracterizaria como uma empresa de capital totalmente
pulverizado. Mas esse também não é o caso.
Embora a estrutura de capital da
B³, se comparada com a maioria das outras companhias de capital aberto no
Brasil (anotem isso), realmente seja invejavelmente
diluída, aproximadamente 25% de suas cotas ainda são concentradas sob
propriedade de quatro fundos de investimento internacionais; dentre os quais
três deles estão entre os dez maiores fundos de investimento e gestão de
ativos do mundo, as americanas Black Rock Inc., Capital Group, e a
T. Rowe Price Group Inc.. A conclusão em termos de equivalência patrimonial (a
única matemática que interessa para os advogados) é que a empresa responsável pelo
mercado de ações brasileiro, pertence aos principais fundos de investimentos norte-americanos,
que devido sua abrangência e capacidade financeira, também são donos de outros
investimentos no Brasil (A Black Rock por exemplo possui importante
participação acionária na gigante farmacêutica brasileira, o Grupo RD – Raia
Drogasil).
Isso não é uma acusação ou
levantamento de qualquer hipótese, é apenas uma constatação sobre a estrutura
de capital da bolsa de valores brasileira. Uma reflexão que, embora todas as
normatizações exigidas sejam cumpridas pela empresa gestora de nosso mercado de
ações, podemos estar diante de uma grave inconsistência que vive em uma área
“cinza” do sistema capitalista, e que em última consequência pode resvalar nas
brechas jurídicas que ocasionam os conflitos de interesses (o sistema “capitalista”
é evocado aqui, muito mais pelo sentido morfológico do termo do que pelo
seu significado estudado na ciência política; ou seja, como sendo a aplicação prática
de um sistema amplo e complexo baseado em capitais). Eu compreendo
completamente as argumentações em defesa da ocasionalidade envolvida nesse tipo
de reestruturação da B3, mas acho particularmente curioso que algumas pessoas sejam
tão reativas quando contestam cargos por indicação política e a influência do
governo em empresas públicas estratégicas, mas que quando se deparam com essa
situação conflituosa exemplificada pela abertura de capital da B3 (que o “mercado
gera aleatoriamente”) desviam o olhar sem ao mínimo considerar um ponto de
inflexão.
Estrutura acionária - B³ |
1 – O governo federal
executa suas políticas macroeconômicas por meio de políticas setoriais,
como a política monetária, a política de rendas, a política fiscal e a política
cambial;
2 – O pilar da política
monetária, que lida com os níveis de reserva monetária do estado, poupança,
e fluidez/liquidez da moeda em circulação, possui como um dos principais
mecanismos de controle, o mercado de capitais;
3 – O mercado de capitais pode
ser entendido como o conjunto de regras e ambientes de controles para a emissão
e negociação dos diversos títulos de dívidas subscritos pelas entidades participantes
(públicas ou privadas) do mercado financeiro comercial;
4 – Entre as muitas modalidades
de mercados de títulos no mercado de capitais, existe o mercado público de
ações, onde são negociadas as cotas das empresas de capital aberto em um
ambiente comercial controlado;
5 – O mercado público de ações se
realiza por meio de leilões eletrônicos, controlados e organizados pela bolsa
de valores brasileira, hoje transformada em uma entidade lucrativa privada
de capital aberto, a B³, mas que ainda possui a responsabilidade legal de
operar o balcão de negócios fiscalizado pela Comissão de Valores Mobiliários;
6 – Os leilões permitem o
trânsito livre das ações das sociedades anônimas listadas na bolsa entre
os negociadores em um mercado secundário de preços flutuantes,
permitindo ganhos (ou perdas) de rentabilidade por especulação, ou ganhos
baseados em divisão de lucros aos acionistas. As execuções das ordens de compra
e venda são realizadas por ‘sistemas eletrônicos’ de corretagem das entidades
financeiras filiadas, e geram receitas paralelas para o mercado financeiro por
meio de taxas operacionais e comissões.
Ainda sobre o item 4 e o item
6 há muito o que escrever para cumprir com o objetivo dessa resenha, mas
não consigo aprofundar nesses tópicos sem começar a dar um contorno mais
realista sobre impacto social desses mercados. Por esse motivo, e pela
necessidade de introdução de um punhado de novos conceitos para possibilitar a
explicação conjectural, abrirei um novo capítulo.
(3. Objetivo
e impacto do mercado de ações)
Não é tão fácil encontrar
respostas objetivas sobre a finalidade do mercado de ações, talvez porque
muitos não saibam, ou talvez porque outros não estejam muito dispostos a
esclarecer. De qualquer forma acho que é possível deixar isso claro nesse
texto, principalmente se conjurarmos alguns outros conceitos correlacionados, e
se adicionalmente dividirmos o tema por partes.
Os meios de comunicação que se
arriscam nessa explicação, costumam ser superficiais. Uma definição melancolicamente
simplista que vi em uma série documental em uma dessas famosas TVs por streaming,
é que a bolsa de valores permite um ambiente de negócios respaldado a médio e
longo prazo para gerar renda sustentável aos investidores e às empresas
investidas. Todos os aspectos dessa resposta (embora, sob certo ponto de vista,
possa até não estar incorreta) são na verdade, bastante questionáveis.
Um ponto extremamente importante de
esclarecimento e que – novamente! - não é citado com frequência, é que NENHUM
NEGÓCIO realizado na esfera de revenda de títulos e papéis faz parte do
Fluxo Real da economia. Combinado?
Mas afinal o que isso quer dizer?
Voltando para a aula #1 de
Economia Política da faculdade; a Economia pode ser dividida em duas grandes
“camadas”: O fluxo real da economia e o fluxo monetário da economia.
O Fluxo real da economia é
o meio onde coexiste a atividade econômica principal, e os participantes
compram, vendem ou trocam produtos e serviços reais, em outras palavras, onde
praticam o comércio de produtos e serviços gerais (roupas, alimentos,
transporte, higiene e saúde, maquinário, imóveis etc.). Digamos que em uma
economia super simplificada, uma fábrica de sapatos geraria empregos e pagaria
salários aos seus trabalhadores, e consequentemente esses funcionários
gastariam todo seu salário comprando somente os sapatos de sua própria produção
na fábrica; esse seria um ciclo econômico totalmente “perfeito” e sustentável
ao longo do tempo. Porém é sabido que as pessoas não podem somente viver de
sapatos, e por conta disso um fluxo econômico real complexo coexiste com a
economia da fábrica de sapatos. Toda a produção de alimentos, vestuário,
transporte, higiene, luxo, lazer e turismo, ou outro qualquer que imaginar,
irão fatalmente interagir gerando desequilíbrio natural entre esses nichos
devido à diferença de tecnologia, de disponibilidade de recursos naturais/insumos,
e do próprio valor final agregado de produção, prejudicando a empregabilidade e
os salários ao longo do tempo, e que por fim irão transformar a economia em um
sistema não-sustentável “matando” alguns setores (a questão do lucro, por si só,
é um fator que coloca em risco esse ciclo virtuoso de produção econômica, mas
abordar esse ponto agora nos tiraria bruscamente da linha de raciocínio).
De modo a viabilizar, impulsionar,
e principalmente reequilibrar a atividade econômica real, a
economia possui uma segunda camada de suporte para esse sistema primário,
o chamado Fluxo monetário; que é o sistema controlado por um governo
central responsável por ‘criar’ e ‘resgatar’ moedas e títulos de dívida induzidos
pelo sistema financeiro oficial através dos bancos comerciais, para
alcançar o comércio comum ou setores específicos que são deficitários, ou até
mesmo o varejo geral em caso de necessidade. O resultado desses ajustes do
sistema monetário juntamente à manutenção da taxa de juros oficial, é a
inflação ou deflação dos valores monetários em circulação, que em suma, cria liquidez
no mercado ou cria reservas para a economia nacional.
Perceba que na teoria - e com
certeza somente na teoria - o fluxo monetário (e por que não o resumir como o próprio
sistema financeiro?) é um fluxo de suporte que visa habilitar o mercado
real de produtos e serviços. O protagonismo do sistema financeiro por sobre o
fluxo real da economia pode conter um risco inerente de esfacelamento por falta
de lastro, que na prática é o excesso de capital especulativo (de forma
muito simplificada: a diferença entre o valor nominal total corrente da
economia vs. o valor total corrente dos ativos e da renda produtiva [produtos e
serviços]), fenômeno que nos acostumamos chamar de “bolha”, e digno de uma
longa e profunda reflexão, mas que por hora não faz parte do foco da resenha.
Fica a dica de um ótimo entretenimento nesse sentido na nota (_⁵).
Contudo, a necessidade de
resgatar o conceito de fluxo real e monetário da economia, tem por objetivo
contrapor a ideia simplista de que todos os negócios gerados pelo mercado de
ações são sustentáveis por si só ao longo do tempo, e que seguramente terão a
capacidade de fornecer renda e rentabilidade aos seus investidores e aos seus investidos
(mais ou menos o que foi mencionado no tal documentário do streaming). A
sustentabilidade de um mercado que gera rentabilidade crescente ao longo do
tempo teoricamente só existe se esse garantir o lastro efetivo entre a produção
e os pagamentos de rendas futuras, tal como a retroalimentação do investimento do
lucro nessa mesma produção lucrativa, para gerar mais produção e consequentemente,
mais lucro futuro...; o que infelizmente (sinto em informar) a bolsa de valores
não garante integralmente, principalmente devido suas características
especulativas.
Para entender como somente
parcialmente a bolsa atende essas características de sustentabilidade, vamos
fazer uma autópsia no modus operandi do mercado acionário.
Quase todas (chutando: 99,9999%) as
operações de compra e venda de cotas que ocorrem minuto a minuto, diariamente
nos pregões eletrônicos da bolsa, cinco dias por semana, nos aproximadamente
250 dias úteis por ano, são realizadas em uma relação de “investidor” vs.
“investidor”, que nada tem de relação real com o patrimônio da empresa
que emitiu o papel originalmente. Quando você adquire no seu app do banco “pra-frentex”
100 cotas da empresa Azul, você compra papéis que estão sendo, na verdade, vendidos
por um outro “investidor” como você, e que agora estão disponíveis no mercado;
e adivinha o que nenhum de vocês dois fizeram nessa operação: injetaram
dinheiro na empresa citada. Quando os investidores da bolsa negociam suas ações
de determinada empresa, NADA ACONTECE no dia a dia dessa empresa, nenhum
dinheiro entra, nenhum dinheiro sai, nenhum ativo da companhia é reajustado,
muito menos nenhum passivo ou capital é re-escriturado (e nenhum estagiário é
contratado ou demitido por causa disso). E aqui sim como um desabafo posso usar
de forma arrogante o “obviamente”!
Pois é, por essa você não
esperava, não é.. ? (E isso faz de você um investidor, no sentido mais
verdadeiro da palavra? .....vou deixar você responder essa.)
Essa relação de vendas de títulos
entre investidores, que repassa suas ações de “segunda mão” forma, na verdade,
o mercado secundário (e especulativo) de ações; que, conforme mencionei
anteriormente, compõe massivamente o total dos volumes das operações na bolsa
de valores. O mercado primário de ações ocorre justamente quando uma
companhia de cotas limitadas (Ltda.), ou seja, de capital fechado, realiza pela
primeira vez a venda de suas ações, abrindo o seu capital para
sócios-investidores anônimos aportarem dinheiro de fato em suas
operações, realizando assim o “IPO” (oferta pública inicial, lembram?),
ao se tornar uma Sociedade Anônima (S.A.). Podemos assumir de forma resumida
que as operações de compra e venda no mercado primário somente acontecem quando
há a listagem da empresa na bolsa de valores (o fatídico momento da sineta que
citei anteriormente), e que esse cadastro dela como empresa de capital aberto é
o que possibilita de fato a injeção de capital de novos investidores no seu
caixa.
Para efetivamente
correlacionar pela primeira vez a finalidade da bolsa como uma ferramenta de
viabilização social de investimentos de terceiros em companhias abertas do
mercado nacional, vamos colocar de outra forma:
Se teoricamente existem aproximadamente
500 empresas listadas na B3 (que foram listadas “desde o início da bolsa”), foram
basicamente nessas únicas 500 ocasiões que houve negociação no mercado primário
de ações com efetivo aporte de capital (estou aqui
deliberadamente excluindo os casos reincidentes de operações de “segunda oferta
de capital”, e excluindo também os casos de empresas que deixaram de operar na
bolsa após terem recebido o aporte inicial, que recompraram suas ações e
cancelaram a listagem, sabendo que essas situações são exceções à regra).
Hoje existem por volta de 350 empresas listadas na B³. É claro que existe
também um aumento de empresas listadas por ano na última década, mas se
considerarmos que 120 empresas são listadas por ano na bolsa (número próximo à
quantidade real de listagens ocorridas em 2021 e 2022) e possuem a negociação
média de 200 milhões de ações cada em sua oferta primária (baseado em amostra),
isso resultaria em 24 bilhões de volume total de negociações no mercado
primário em um ano na bolsa; para se ter uma ideia de proporção, somente
no mês de novembro de 2022, o volume médio de operações realizadas por dia
no mercado secundário foi de 64,5 BILHÕES de ações compradas/vendidas. A conclusão é que nessa comparação,
temos 99,8512% do volume total de operações de compras e vendas de ações
concentradas no mercado secundário ao invés do mercado primário; um
volume impressionante que não impacta afinal, no fluxo real da economia (esse
cálculo serve para apurar o meu “chute” anterior).
Não sei se ficou claro para você,
mas se não ficou me permita esclarecer: quando compramos uma ação já existente
no mercado não estamos “investindo em empresas”. Significa apenas que
estamos comprando ações de uma outra pessoa e gerando lucro periférico para as
corretoras e bancos. Mas por incrível que pareça essa é uma ideia falsa que se
mantem muito viva em novos aventureiros do ramo e que é professado nas escolas
de investimento, sustentado pela falta de informação e pela negligência
interesseira de alguns especialistas. Dizer que o movimento de compras e vendas
no mercado secundário de ações poderia eventualmente motivar o mercado primário
de abertura de capital das empresas, é uma coisa, mas dizer que “investir” no
mercado secundário de ações você está também investindo em empresas, é
completamente diferente (e errado!). Como nota: basicamente toda vez que você,
como pessoa física, compra no mercado de ações, negociará no mercado
secundário; a venda no mercado primário normalmente é exclusiva, e direcionada
pelos bancos que fazem parte do projeto de IPO da companhia (os clientes do
Nubank recentemente tiveram essa rara chance de fazer parte da oferta inicial
de uma empresa listada).
Descortinar esse fato é
mandatório para analisarmos a função social da bolsa de valores sem
interferência ideológica. De forma muito leviana é injetada a noção de que um
mercado de ações pulsante com volumes crescentes de negociação dia após dia é
saudável ou fundamental para a economia como um todo, induzindo a ideia no
mínimo improvável que esse movimento traduz o “bom humor” do investidor e a
credibilidade que eles depositam no empresariado ou na macroeconomia de um país,
como se fosse o mais importante (senão o único) termômetro de crescimento econômico
(!); essa constatação embora seja vendida como axioma da escola neoliberal, até
que se prove por números, é pura alegoria, pois independente do humor e do
pijama que o investidor estiver usando, conforme já demonstrado, parte
significativa desse volume de dinheiro não chegará de forma sustentável no
setor real da economia, e não passa de capital meramente especulativo (esse
conceito será aprofundado, pois você aí já pode estar matutando: e se eu sacar
meu lucro especulativo e investir na economia real, não faz parte da equação de
crescimento??... acalme-se, vamos chegar nesse ponto
ainda, provavelmente no momento em que eu elaborar uma crítica ao sistema de
especulação).
Por outro lado, para não deixar
meu humor e meu próprio pijama contaminar o texto, constatamos que existe
uma transmissão efetiva de valores de investimento na economia real
nos caixas dessas empresas listadas na bolsa de valores. A B³ no ano de 2021
registrou o valor total R$ 7 trilhões de negociação a vista no
leilão de ações (secundário + primário), o que segundo nosso cálculo de
padeiro, resulta em aproximadamente em R$ 10,4 bilhões de valores capitalizados
por companhias no mercado primário de ações, e que irá impactar ao longo do
tempo o fluxo real da economia. No entanto, o resultado oficial dos valores
movimentados em ofertas primárias divulgado em 2021 é de R$35,9 bilhões,
portanto é esse que vou utilizar. Ainda que não seja o carro-chefe da impulsão
macroeconômica do país, vamos combinar que não é um valor para se jogar fora, e
aqui está o primeiro verdadeiro impacto positivo da bolsa na sociedade,
ela é de fato uma ferramenta de viabilização de investimento direto na
economia, liderada principalmente por capital privado.
Pasmem, é o capitalismo dando
certo (agora sim no sentido da ciência política)!
Ok, foi uma piadinha irônica sem
graça, pois ainda que seja uma linha de investimento interessante fica claro
que esse sistema de financiamento via títulos privados não consegue liderar o
suporte ao crescimento contínuo da economia real; para se ter ideia apenas em
leilões públicos (privatização parcial de ativos públicos + setor de
concessões) e em licitações diretas, o governo injetou aproximadamente R$
193 bilhões na economia em 2021, e se analisarmos esse número pela
perspectiva de investimento relativo, essa ainda pode ser considerada uma
quantia “tímida” de investimento (1,5% do PIB, frente aos 3% investidos em
2001, por exemplo). Com a adição dos R$ 105,4 bilhões das capitalizações
realizadas via BNDES em 2021, podemos concluir que o valor total de aportes
viabilizados pelo mercado privado de ações corresponde a apenas 12% do
valor total investido em empresas no ano de 2021.
Outra comparação peculiar é que o
lucro líquido da B³ (o valor final de ganhos da empresa em um período,
que efetivamente vai para o bolso do acionista) no exercício de 2021, somou
R$4,7 bilhões; aproximadamente 13% de tudo que teoricamente ela viabilizou de
capitalização para as empresas listadas nesse período (embora há de se deixar
bem claro que esse lucro líquido da B³ não deriva somente de suas operações de
IPO). Essa colocação nos permite traduzir os números sob um ponto de vista
socioeconômico quase filosófico: A cada R$10,00 que a bolsa viabiliza de
investimento direto na economia, ela proporciona R$1,31 de lucro direto para
seus acionistas. São proporções interessantes entre as duas finalidades da B³.
E, apesar da leitura que fiz aqui
do ponto de vista que a oferta pública inicial é um meio de investimento direto
muito importante do mercado de capitais, é necessário incluir um adendo que nem
todo o valor fechado nas compras de ações ofertadas pelo IPO vai necessariamente
para o caixa da empresa e para a atividade econômica, isso porque os fundos
detentores das ações – que são as organizações formadas pelos donos originais das
empresas, mais os fundos parceiros (venture capital) existentes anteriormente
à oferta inicial – muitas vezes vendem parte de suas ações e resgatam parte do
valor da operação como lucro da venda da própria empresa, e em alguns casos
extremos usam o mercado de balcão somente como meio de venda de suas ações para
terceiros colhendo todo valor da operação em forma de lucro no balanço de seu
fundo mobiliário, sem nem mesmo integralizar R$1 no caixa da empresa; a forma
que se dará a estrutura de capital da empresa após o IPO é definida pelos
sócios e pelas consultorias jurídicas envolvidas no processo, e por vezes pode
ser bastante complexa.
Acredito que com os exemplos
acima, ficam mais claros os objetivos sociais da bolsa de valores, tal como os
motivos econômicos paralelos desse mercado, resumidos no infográfico abaixo:
1 – A bolsa de valores
viabiliza que empresas de sociedade limitadas (ltdas.) com certo grau de maturidade,
se financiem através da capitalização por meio de emissão de ações no mercado
primário, transformando sua estrutura societária limitada em sociedade anônima.
Os valores injetados parcialmente ou integralmente pelos novos acionistas no
caixa da empresa em troca das ações, será usado pela empresa para realizar novos
projetos visando lucros futuros, impactando assim o setor real da economia
(comprando maquinário, adquirindo insumos para estoques, contratando
funcionários, fornecedores de serviços, etc.);
2 – Nem sempre o valor total do
IPO (oferta inicial) é integralizado diretamente no caixa da empresa S.A.
que abriu seu capital. Por eventual decisão dos sócios anteriores, esses
valores podem - parcialmente ou integralmente – transitar diretamente para seus
fundos de gestão que simplesmente fazem a transmissão das ações para a
propriedade dos novos acionistas, sem integralização do novo capital. Essa
decisão dependerá de caso a caso e de diversas variáveis, como: perfil dos
acionistas vendedores, decisão sobre concentração do capital da S.A., valor da
avaliação da empresa listada e preço alvo de ações, entre outros;
3 – O IPO de uma empresa gera
custos inerentes para companhia que abre seu capital, e consequentemente receitas
para empresas de auditoria, consultoria jurídica, e bancos de investimento, que
dão suporte para esse processo, pois são eles que criam a estrutura de
governança corporativa exigida por lei, laudos de avaliação e análise geral do
processo de abertura. Adicionalmente a listagem da empresa na bolsa gera
receita operacional para a B³;
4 – Após a realização da
oferta primária, as ações serão negociadas entre os participantes (investidores)
do mercado acionário secundário, e o preço do papel irá flutuar pela relação de
demanda dos leilões eletrônicos da bolsa. Esse mercado não gera fluxo monetário
para a companhia listada, todos os valores envolvidos nas compras e vendas dos
títulos ficam entre os “investidores revendedores” das ações e o sistema
financeiro, em forma de taxas de serviço e comissões por corretagem. As
negociações nesse mercado correspondem a aproximadamente 99% do total de
operações realizada nos leilões de ações, não impactando à priori, o fluxo real
da economia;
Para poder finalizar esse capítulo
sobre o objetivo prático desse mercado, devo introduzir dois últimos tópicos
bem importantes, mas que ainda não foram comentados na resenha: o lucro
sobre as ações e o valor de mercado das companhias.
Pode ter ficado claro o objetivo da
bolsa de valores que opera os leilões, viabiliza o investimento direto nas
S.A.s de capital aberto, e visa lucro nessas operações; também deve ter
ficado claro o objetivo das instituições financeiras envolvidas nesse
meio, que lucram com a consultoria do processo de IPO e com as taxas de
intermediação das vendas de ações no mercado primário e secundário da bolsa; com
certeza ficou claro o objetivo das empresas de capital fechado e de seus
sócios que vendem as participações nesse mercado público, e que recebem valores
vultuosos na capitalização para execução de seus projetos futuros.
Então o que não ficou claro? Com certeza,
a motivação dos investidores que aportam dinheiro na S.A. e os novos acionistas
que posteriormente adquirem as ações no fluxo do mercado secundário.
Como qualquer outro investidor
que compra um título, os acionistas envolvidos nesse mercado esperam
rentabilidade de seus investimentos ao longo do tempo, e no mercado de ações
eles podem conquistar os ganhos sobre os papéis de duas formas: 1 - com o pagamento
dos LPA’s (distribuição de dividendos e lucros por ações) realizado pela
empresa ao final dos exercícios sociais (normalmente realizado anualmente); ou 2
- com a rentabilização do valor de mercado, que é o resultado positivo da
operação de venda posterior dos papéis nos leilões do mercado secundário, no caso
do preço fixado no negócio ser maior que o preço original de compra.
O lucro por ação (LPA)
representa o ganho mais sustentável desse mercado, pois deriva da produtividade
e da atividade econômica da empresa investida ao longo do tempo. Esses valores
são resultados do lucro líquido da companhia após o encerramento de cada ano, distribuído
entre os sócios através da divisão do montante por cotas (como o lucro é
dividido por cotas/ações, os sócios que possuem a maior participação, recebem
maior parte do lucro). A princípio, ao assumirmos a mecânica tradicional de
investimentos nos mais diversos setores do mercado de capitais, essa é a
motivação inicial de um investidor do mercado acionário (ainda que a empresa
possa simplesmente não lucrar, e que a deliberação da divisão do eventual lucro,
caso ocorra, possa variar bastante de empresa para empresa de acordo com o
respectivo estatuto social e assembleia de acionistas...).
Contudo, um acionista não está
preso a sua ação de modo definitivo, e por decisão própria pode vender seus
títulos, essa é afinal, a lógica por trás de uma sociedade anônima. A
possibilidade desse segundo tipo de obtenção de lucro sobre o investimento em
ações é o que desencadeia todo o mercado especulativo da bolsa de valores, ou
seja, o mercado secundário em que investidores revendem e recompram de forma frenética
e incessante as ações das companhias listadas (chegamos enfim naquela resposta
preguiçosa do segundo parágrafo do começo do texto). A lógica de precificação dessas
ações de segunda mão no mercado secundário nos permite introduzir o conceito de
“valor de mercado”, que de acordo com a definição acadêmica é
determinado pela “expectativa de ganhos futuros” dos investidores sobre
a empresa/papel em questão. E simplesmente por se tratar de uma expectativa de
ganho sobre os valores futuros, esse é um mercado de especulação, e o
confrontamento e o ponto de equilíbrio entre os preços colocados pelos
vendedores e os preços propostos pelos compradores no mercado é o que vai
determinar o preço final no leilão eletrônico aberto (considerando que as
ordens de compra e venda continuadas realizadas ao longo do pregão diário, vão
de forma incremental influenciando no preço médio móvel das ações, e por isso o
preço se altera a “cada segundo”).
Obviamente a obtenção do lucro
pela revenda da ação não é garantido, já que um papel pode não atingir o preço
esperado pelo acionista vendedor em leilão, e passar a ter um comportamento de
precificação de tendência decrescente (diminuindo), o que por
conseguinte pode deixar esse investidor nervoso com as perdas potenciais (ao
invés de ganhos potenciais) e fazê-lo vender rapidamente por um preço menor do
que efetivamente comprou, assumindo assim um prejuízo nessa operação;
por esse motivo o mercado de ações é considerado um investimento variável de
alto risco, e exceto se o perfil do investidor for esse, a motivação do
investimento em ações não deveria ser baseada na rentabilidade do valor
de mercado de uma ação.
Portanto o valor de mercado das
ações é flutuante, e obedece a relação de demanda vs. oferta dos investidores,
de forma livre e irrestrita. A soma do valor total das ações de uma
empresa com o preço fixado após o pregão é o que o determina o seu próprio
valor de mercado (conhecido também como valor MTM – marked to market
– da companhia), que inclusive é utilizado em um dos métodos de avaliação em que
os economistas apuram o valor adicionado da companhia; ao confrontarem esse
valor MTM com o valor total do ativo escriturado no balanço patrimonial. A
apuração desse valor enseja argumentações de que os valores não escriturados de
uma empresa, como o capital intelectual e o ativo informacional, estariam
embutidos nessa diferença entre a avaliação de mercado e a avaliação contábil.
O valor de mercado das ações é também utilizado pela mídia especializada para
apurar o capital total das personalidades bilionárias e dos proprietários das
grandes empresas, pois entendem que o valor da fortuna deve ser estimado pelo
valor atualizado, que seria o valor “de liquidação” em caso de decisão de venda
por parte desses investidores.
Importante adicionar que aqueles
R$ 7 trilhões citados anteriormente como operações do mercado secundário não
representa o total de valor de mercado disponível na B³ (a soma de todas as
ações, também chamado de valor mobiliário); esse é o valor do total
negociado no ano de 2021. O valor total negociado e o valor total de
mercado diferem pelo motivo que nem todas as ações listadas na bolsa são
necessariamente negociadas no ano, e principalmente, que uma única cota de uma
determinada empresa pode ter sido revendida inúmeras vezes durante esse
período. A título de conhecimento: o total do valor de mercado somado na B³,
atualizado no dia 21/12/2022 é de R$ 4,1 trilhões.
O valor de mercado é, por fim,
insumo para um tanto de análises e discussões da empolgada comunidade
financeira, ainda que por muitas vezes não saibam todos os meandros da origem
até o destino desse fluxo de valor. O significado definitivo dessa mensuração,
no entanto, está na esfera abstrata da interpretação dos economistas, e eu não
posso aprofundar esse conceito sem entrar no meu entendimento particular sobre
o assunto (minha opinião mesmo), por isso vou deixar essa divagação para o
próximo capítulo.
___
Pois bem, a conclusão objetiva
sobre o mercado de ações é que esse tem sua função social na viabilização
dos investimentos diretos nas empresas que estão em pleno crescimento, e
que é protagonizado por uma instituição intermediadora que embora preze pela regulação,
governança e habilitação do sistema, também é uma sociedade anônima privada de
capital aberto que tem por objetivo final o lucro. Como um segmento
do mercado de capitais, o mercado acionário utiliza a lógica de remuneração
sobre os títulos, e possibilita o retorno aos investidores através da
distribuição do lucro da companhia investida, nos períodos subsequentes
à sua abertura do capital.
Por outro lado, o mercado de
ações atua majoritariamente (mais de 99% da concentração
das suas operações) nos leilões de revendas de ações no mercado secundário,
um ambiente de negócios que lida com a especulação de rentabilidade futura
sobre o valor de mercado, um modelo de investimento de alto risco
orientado pela flutuação dos preços nos ininterruptos leilões eletrônicos da
bolsa. A movimentação desse fluxo monetário sem restrições não interfere,
à priori, no setor real da economia, mas as trilhares de negociações
realizadas por ano geram lucros para o sistema financeiro de suporte,
baseado nos bancos comerciais, corretoras e bolsa de valores.
______
Muito foi escrito para apresentar
essa conclusão objetiva de forma sintetizada, e ainda que houve atalhos e
simplificações, espero ter embasado a maior parte das colocações apresentadas na
resenha, partindo da parte menor para o todo.
Fato é, que à despeito da fria conclusão
objetiva, o tema é cercado de retóricas e vieses dos analistas e da mídia
especializada, e não é nem preciso dizer grande parte dos discursos alegóricos
acerca do mercado acionário não foram ainda trazidos nessa resenha. No meu
entendimento apresentar críticas ou defesas dessas narrativas que percorrem a
sociedade e os sites de notícias sobre economia no nosso dia a dia, só é
possível com uma espécie de posicionamento político ou, no mínimo, com a opinião
sincera sobre o assunto.
A partir daqui é o que vou fazer,
trazer discussões sobre essa matéria sem necessariamente estabelecer verdades
definitivas, mas questionando as ideias desse “conhecimento coletivo
preestabelecido” sob o meu ponto de vista, e com o que considero ser lógico e
racional.
Referências:
(¹) Comissão Nacional de Bolsas. Mercado de Capitais - O que é, como funciona. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
(²) PIKETTY Thomas. O Capital no Século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
(³) https://en.wikipedia.org/wiki/Dutch_East_India_Company
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