terça-feira, 24 de janeiro de 2023

A Ideologia Financeira: quais os impactos na sociedade? (Parte 1: O Mercado de Ações)

 

(Introdução)

 Olá. Inicio aqui uma série de resenhas específicas sobre finanças e economia que tem como proposta apresentar a disciplina de um modo diferente daqueles que estamos habituados; tanto quanto das abordagens acadêmicas tradicionais, quanto das análises insistentemente rasas dos canais “clichês” da mídia especializada, que convenhamos, segue uma cartilha doutrinária e doutrinada bastante limitada pelos cabrestos da ideologia política.

A abordagem usada pode soar provocativa para alguns, correndo o risco em alguns momentos, de ser acusada por cometer contrassenso. A verdade é que o ponto de vista mais crítico se faz necessário para questionarmos alguns dogmas econômicos opacos que por motivos de provável interesse exclusivo de certos “grupos”, se disfarçam de axiomas já estabelecidos e imutáveis nas escolas de negócios.

No entanto, devo comentar com antecedência algumas premissas dessa análise; o texto por vezes pode parecer generalista, mas não tem a pretensão de super simplificar toda a estrutura financeira do mercado global posicionando-a como alvo das ideias aqui apresentadas, ao invés disso tem a proposta de discutir e principalmente evidenciar alguns conceitos importantes que muitas vezes são tratados meramente como “comuns” ou “recorrentes”, ou ainda, declarados de forma arrogante como “obviedades” pelos ditos especialistas, mas que talvez devessem ser tópicos de maior atenção, já que são insumos para opiniões que impactam gravemente os usuários das publicações “do mercado”. Portanto, todas as críticas que proponho aqui, devem ser medidas e testadas diante dos possíveis universos de aplicação.

Por fim, informo que houve e haverá esforço em explicar e esmiuçar o tema geral, à fim de deixá-lo em um formato mais didático, mas nem sempre isso é possível sem uma regressão profunda às origens das disciplinas; por isso, nessas resenhas existirão sim “atalhos” por entre as matérias técnicas, e fica sob o critério do querido leitor, a necessidade de fazer ou não pesquisas adicionais sobre os detalhes (sempre com meu incentivo, claro!). Há de se mencionar que a comunidade financeira como um todo, é um clube exclusivista, que por vezes prefere adotar termos difíceis para esconder conceitos muito simples, como uma espécie de instinto natural de sobrevivência, com o objetivo de “intelectualizar” a disciplina financeira, e consequentemente deixá-la inacessível aos leigos fora desse “seleto clube” (é claro que esse é um meio de auto blindagem aos perigosos questionamentos alheios...); para esses casos, caro leitor, tenha certeza que irei caçá-los obstinadamente e desmitificá-los sempre que for viável.

 

(1.    Uma revisão necessária sobre títulos e ações)

Conforme comentado na introdução da resenha, não há a pretensão de adequar essa análise aos moldes tradicionalmente acadêmicos, e cito esse fato pelo simples motivo que algumas de minhas revisões sobre as matérias financeiras podem aprofundar ou mesmo reduzir as definições científicas de acordo com o objetivo buscado (mas nunca contradizer, salvo quando eu o fizer deliberadamente, descrevendo ao leitor o motivo da minha contestação).

A minha primeira proposta de esclarecimento sobre finanças é: do que de fato se trata o tal do mercado de ações, e qual sua verdadeira finalidade? Sem aquela resposta preguiçosa do tipo, “...onde os investidores negociam as ações das empresas do mercado...”; para chegarmos em uma sintetização tão simplista como essa existe um longo caminho a percorrer, e antes de colocar o pé nessa trilha acho melhor dar uns passos para trás e revelar um ponto importante sobre a natureza do mercado público de ações, ele é, antes de qualquer coisa, um dos desdobramentos do mercado de capitais.

Esclarecer o que é o mercado de capitais para fim apenas dessa leitura implica em admitir que haverá uma grave redução de foco nesse tema, já que em uma concepção mais completa ele é um produto dos mecanismos da política monetária de um governo, e, portanto, uma matéria que flerta com a macroeconomia. Contudo, vale a pena deixar bem claro que o significado de mercado de capitais não se limita somente à negociação no mercado livre de compra e venda de ações das companhias de capital aberto, mas compreende todo um amplo e abrangente sistema de fluxo de valores lastreados, formado por todos os tipos de capitais que podem ser subscritos e convertidos em títulos privados ou públicos, e que consequentemente guardam caraterísticas de transmissão de propriedade (entende-se “capitais” para todos os fins desta resenha, como valores financeiros/patrimoniais transferíveis, ou ainda, com uma ou outra ressalva técnica, como sendo genericamente os chamados ‘valores mobiliários’).

Ou seja, além das ações das empresas, fazem parte do mercado de capitais os mais diversos tipos de títulos, como os títulos da dívida pública de curto e longo prazo emitidos pelo governo, as debêntures privadas, os certificados de depósitos bancários e interbancários (chamados de CDB’s e CDI’s), os precatórios, as cadernetas de poupança, os papéis de Openmarket bancário, títulos de fundos imobiliários de gestão privada ou de grupos de investimento, os diferentes títulos securitários, ...e isso somente para citar muito rapidamente algumas modalidades de subscrição de capital. É fato que todo o complexo sistema financeiro moderno se sustenta em grande parte nesse fluxo monetário vivo do chamado ‘mercado de capitais’, e mergulhar profundamente nesse tema no presente texto seria sem dúvidas, uma jornada sem volta, pretensiosa e inconclusiva. Para os interessados, sugiro aqui na nota de rodapé (_¹) uma leitura muito técnica sobre o assunto, mas também de muito boa qualidade e extremamente esclarecedora.

Mas para a proposta momentânea, esse breve resumo acima já nos apresenta a primeira importante observação; que os mercados públicos de leilão de ações, geridos pelas bolsas de valores, é somente uma parte desse grande monstro de várias cabeças chamado de mercado de capitais. É fundamental guardarmos essa informação para uma discussão mais aprofundada sobre o papel do mercado de ações na sociedade, que invocarei mais à frente. 

Ainda antes discutir a natureza do mercado de ações de balcão e suas características mais específicas, é relevante fazer uma descrição apropriada do que, de fato, é um título negociado no mercado de capitais (e consequentemente, o que é também uma ação, uma cota, ou “um papel” subscrito por determinada empresa). E embora pareça supérfluo, esse é um alerta para o primeiro sinal da noção completamente equivocada de algumas pessoas que fazem parte desse “universo financeiro”, e que discursam na internet acerca do tema com aparente propriedade. Muito raramente é divulgado pelos “especialistas” que todo título que é negociado pelo sistema financeiro, é um título de DÍVIDA (às vezes mais em essência do que em sua forma, como explicarei logo adiante quando abordar o conceito da teoria personalista da contabilidade). Logo, uma simplificação nos permite afirmar que um título é, na verdade, nada mais do que um termo de compromisso de dívida, ou em outras palavras, uma garantia de transferência futura de valores entre duas partes.

O emissor anuncia uma dívida e subscreve um documento oficial que é uma promessa de pagamento futuro para um potencial portador do mercado (a parte no negócio que, devido a compra desse título, acaba por ceder um “empréstimo” para o emissor). A emissão de um título implica, na prática, em um modo dinâmico de uma entidade se financiar por meio de iniciativa própria de geração de dívida. Por vezes, no mercado de capitais esses títulos não possuem vínculos nominais, o que possibilita sua revenda para terceiros em um mercado secundário dedicado para isso.

Para ilustrar melhor essa relação de devedor/credor de títulos vamos regressar para as verdadeiras origens dos títulos, que durante os governos pré-republicanos anteriores ao século 18 podiam ser emitidos basicamente pelas únicas autoridades que possuíam a concentração do poder, ou seja, as monarquias. Elas os emitiam para dignatários, sendo o principal tipo, os títulos de direito de terras, que eram concedidos normalmente junto a uma posição social ou militar de destaque (duque, lorde, conde etc.). Essa era uma concessão da família real, uma espécie de reconhecimento por algum préstimo à coroa ou ao estado, porém, segundo a pesquisa de Thomas Piketty, durante os séculos 18 e 19 (nota _²), os governos monárquicos ou republicanos europeus passaram a vender títulos reais, concedendo ao portador não a propriedade da terra, mas sim o direito sobre parte do próprio tesouro da nação; a venda era direcionada para o público em geral, coletando assim, o dinheiro disponível dos cidadãos (na verdade, da burguesia e dos bancos privados, que possuíam o poder aquisitivo na época) em troca da promessa do pagamento futuro dessa dívida remunerado por juros anuais pré-estabelecidos pelo estado; essa foi de fato a ferramenta de financiamento das guerras territoriais na Europa, ou em qualquer uma das suas antigas colônias durante esse período. Logo, fica claro que qualquer relação com os termos contemporâneos “letras do tesouro”, ou “título do tesouro”, dados às emissões do governo, não é mera coincidência.

 À despeito desse modelo primordial de emissão de dívidas públicas, é consenso que o sistema embrionário de emissão de ações privadas de uma companhia, foi baseado nos títulos emitidos pela Companhia Holandesa das Índias Ocidentais ainda antes de 1800, durante o século 17; ou seja, para financiar suas campanhas de navegação e exploração nos outros continentes (nota _³), a VoC emitia cotas que eram promovidas pelos bancos holandeses, e na medida em que a companhia acumulava mais tesouros, havia a promessa de remunerar seus investidores com os lucros obtidos. Um sistema muito parecido com o modelo adotado pelos estados europeus anos mais tarde.

Mas talvez o exemplo mais emblemático de emissão de título seja o próprio papel moeda, isso mesmo, por exemplo aquela sua famosa cédula de vinte reais emitida por um órgão oficial (casa da moeda), com um timbre oficial do governo, e que possui a assinatura do presidente do banco central e do ministro da fazenda garantindo para você que aquele título é capaz de liquidar dívidas e ser usado para depósito bancário; com um detalhe adicional: este “título” possui liquidez imediata para ter a capacidade de fluência no mercado quando negociado (sem necessidade de haver corretores no ato de liquidação), e por isso não carrega remuneração de juros garantidos inerentes à sua emissão, diferente dos demais títulos públicos. Essa noção que a nota de papel é um título emitido pelo governo fica muito clara para quem já teve a oportunidade de ver fisicamente títulos de dívida do tesouro direto, que não passavam de grandes cédulas impressas no tamanho aproximado de uma folha de sulfite, com timbres semelhantes ao da cédula, assinadas pelos mesmos personagens citados, garantindo a liquidação de dívida ou dando acesso ao resgate do tesouro por parte de seu portador; ou quando ainda nos dias de hoje observamos na nota de libra esterlina a frase impressa em sua face: “I promise to pay (...) 10 pounds”, ou seja, o impresso representa literalmente o governo britânico expressando a promessa de troca daquele título por parte do tesouro público em libras, que nada mais é do que uma medida de peso para metais preciosos nos modelos dos antigos mercados mercantilistas na Inglaterra (esterlina, ou “sterling”, deriva de “estrela”, símbolo que era efetivamente cunhado nas antigas moedas de prata da Normandia).

Vale lembrar que esse sistema papel-moeda que vem cada vez mais caindo em desuso, foi criado em uma época de padrão-ouro, quando literalmente as economias globais ainda possuíam seu lastro no metal precioso, e teoricamente era possível fazer o “resgate” de sua parcela do tesouro oficial. 

Nota de 10 Libras.

Logo, as ações das companhias, somente pelas suas características de expectativa de premiação futura, e de subscrição de valor com a possibilidade de transferência de propriedade, já se qualificam como um tipo de título de dívida. Porém, alguns sagazes leitores acostumados com as leituras padrão dos experts hypados do assunto, podem questionar:

“- Mas a ação, diferente de outros títulos não apenas subscreve valores de dívida, mas sim transfere a propriedade de parte da empresa para o portador/titular do papel. Então, estaria eu, como portador da ação, devendo dinheiro para eu mesmo?”. 

Esse looping acaba não se concretizando, pois o sócio, não é na prática, a empresa. Portanto a ação corresponde sim a um título de dívida, mas quem possui a dívida para com os sócios é a companhia, e não o próprio sócio.

“ – mas eu sou o dono da empresa, ou pelo menos de parte dela! Então dá na mesma!!!”

Não, não dá na mesma não..., e vamos por parte, pois a contabilidade e o direito civil podem responder a esse questionamento.

Sob o prisma do código civil a personalidade separada de uma companhia é a própria concepção da natureza jurídica da empresa, não à toa entendida como “pessoa jurídica” nos termos comuns da lei, e que somente passará a “herança” de suas dívidas para os sócios pessoas físicas em situações muito específicas de baixa da empresa e de dissolução de capital; como em declarações de falência ou liquidação dos espólios da companhia (na ocasião da “morte da empresa”). O aprofundamento técnico sobre a correlação do capital da empresa com o capital particular dos sócios é puro “juridiquês”, e não me sinto à vontade de navegar nesses mares, uma vez que sou contador, não advogado. Ainda assim, acredito que vale a pena o leitor ter acesso ao polêmico documentário “The Corporation” (nota _), que explora as origens da motivação dessa segregação jurídica das corporações nos Estados Unidos, e apresenta uma versão dos “por quês” da emancipação das chamadas sociedades anônimas.

De qualquer modo, esse conceito jurídico de sociedade apartada é também refletido nas publicações contábeis, e este é o argumento principal ao qual vou me ater. Embora 99% dos contadores formados não saibam disso, a teoria personalista da contabilidade aborda o tema, e determina que a empresa nada mais é do que uma “pessoa”, ao entender todas as rúbricas contidas em seu balanço patrimonial como se fossem relações com outras pessoas (ou entidades). E veja só você, ainda por cima isso também serve para responder àquela velha pergunta dos afoitos estudantes inexperientes na área contábil:

“- por que na contabilidade é tudo ao contrário, e eu devo registrar meus pertences e ativos como “débito”, e minhas dívidas como “créditos”????? Por quêêê???? (que coisa chata do caramba, cara! ¬¬’).

A resposta está visualmente demonstrada abaixo, se – como sugere a teoria personalista – você imaginar que a empresa é uma pessoa que anota em seu “caderninho” (o balanço patrimonial, no caso), na página da esquerda (o ativo) as entidades e pessoas que devem pra ela, ou que retornarão dinheiro de alguma forma (ou seja, os  DEVEDORES da empresa, por isso registrados como débitos); enquanto na página da direta (o passivo) ela anota as pessoas para quem ela está devendo dinheiro atualmente (os seus CREDORES, por isso lançados como agentes do crédito):

 


 Perceba que na última linha destacada em amarelo e totalmente preenchida da página da direita desse diário, os sócios estão entre os credores, representando uma dívida contínua da companhia, que será somente liquidada com o próprio encerramento da empresa, que, se tudo der certo, jamais acontecerá (em um balanço patrimonial real, os sócios são descritos no elenco de contas apenas com a rubrica “capital social”, acompanhado do valor equivalente ao aporte original de capital dos sócios).

Adicionalmente, o conceito todo explicado aqui é embasado também por dois dos princípios contábeis regulamentados no Brasil (os chamados “BR GAAP” pela escola contábil); o primeiro, é o princípio da entidade, que separa a entidade empresa da entidade sócio, e que entre outras funções, tem por objetivo determinar que o patrimônio de um é segregado do patrimônio do outro (na prática, isso impede a festa do caqui, em que os sócios eventualmente retirariam dinheiro do caixa da operação da empresa sem evidência ou motivo contábil justificado, um movimento que caracterizaria, à priori, obtenção de renda dos sócios, e consequentemente um evento que deveria gerar a incidência do imposto de renda).

E o segundo princípio contábil é o princípio da continuidade, que decreta que toda pessoa jurídica é constituída com natureza perene, ou seja, com a intenção de operar sem data de conclusão prevista (ad eternum), o que de fato, justifica pontuarmos (de forma conclusiva) a relação da dívida da empresa para com o portador de seus títulos (o sócio, que possui suas respectivas ações/papéis).

As conclusões iniciais dessa resenha nos levam a afirmar que as ações são um tipo de título e um meio pelo qual as empresas e outras entidades administrativas se endividam em um mercado, em troca de recursos para execução de projetos que visam o lucro futuro.

Ao finalizar esse tópico pode até parecer que muito foi escrito para introduzir um conceito que pode sim ser encontrado em pesquisas mais sérias na internet (ou claro, nos livros), contudo o esforço em esmiuçar o significado do que é uma ação e de recapitular brevemente a origem dos títulos, vai nos permitir reformular uma ideia partindo da parte menor para o todo, em uma linha de raciocínio contínua. Essa me parece a melhor forma de apurar de forma embasada a reflexão sobre os objetivos práticos do mercado financeiro, e a forma verdadeira na qual se relaciona com a sociedade.

 

(2.    Uma revisão necessária sobre o mercado de ações e bolsa de valores)

 Ao decifrar o modus operandi dos mercados de ações, vamos simultaneamente acabar com alguns mitos e meias verdades que recorrentemente passam desapercebidos pelos “jornalistas” que colaboram com os ‘smart sites’ da moda sobre finanças, e o mais importante, vamos poder discutir de forma aberta a finalidade social desse subsistema do mercado financeiro. Por isso peço ao leitor que tenha a paciência de coletar cada descrição que vou usar para montar parte a parte, uma cristalina imagem do mercado financeiro que busco demostrar.

Os papéis da dívida de capital das empresas, ou seja, suas ações, são negociadas em um mercado de balcão organizado: a bolsa de valores. O termo “de balcão” é empregado pelo fato que esse mercado de fato opera leilões, e tal como em leilões, os locais físicos que eram destinados para negociação desses papéis possuía um balcão para as trocas e intermediação dos negócios. Ainda hoje na bolsa de valores de Nova Yorke (NYSE) e na B³ em São Paulo, por exemplo, podemos ver os executivos e proprietários das empresas subindo até um “balcão” para tocar a sineta do leilão quando executam sua primeira oferta dos papéis (basicamente de forma simbólica, já que as operações são digitais e não mais em papel, mas ainda assim os entusiastas adoram esse ritual). Uma noção importante que devemos ter desse mercado organizado de balcão, é que ele é, primeiramente, uma espécie de intermediador-regulador; e isso quer dizer que a bolsa de valores em sua essência faz parte do sistema financeiro oficial, que no caso do Brasil, é o SFN (Sistema Financeiro Nacional) – uma complexa malha de instituições na qual entidades como o Banco Central do Brasil (BACEN), o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fazem parte, e que tem por objetivo colocar em prática as premissas econômicas e monetárias definidas pelo governo federal.

Esse é um fato que normalmente não é comentado por muita gente que “educa” nos canais paralelos (fora da academia) sobre finanças. A verdade é que o uso da palavra “regulação” dentro da comunidade financeira é bastante evitado, por motivo majoritariamente doutrinário, é claro; implicitamente existe uma ideia de associação (tóxica) que a simples existência de um mercado acionário que inerentemente possui um elevado risco em suas operações internas, se relaciona diretamente com a ideia do “investidor arrojado”, ousado, que pelo mérito de sua poderosa inteligência é capaz inclusive de prever os preços futuros das ações em busca da “jogada certa” de sucesso, para colher sozinho rentabilidades exuberantes em suas negociações de compra e venda; e por dedução, em um universo repleto dessas ‘personalidades geniais’, um agente regulador apenas “castraria” o potencial de rendas vultuosas produzidas nesse ambiente.

Pois é, tem muita balela e falácia mesmo que são vinculadas a esse meio, e embora resvalamos aqui pela primeira vez nas questões de doutrina barata que orienta a comunidade financeira, esse ainda não é o momento de minerar esse vasto campo polêmico de ideias. Para o momento basta dizer que é possível isolar os discursos e alegorias, para focar apenas nas mecânicas reais desse mercado, a ponto de fazer uma análise mais fria do funcionamento das bolsas de valores.

Por isso vamos voltar a explorar a finalidade principal da bolsa de valores, que é operar de forma transparente e imparcial o leilão de ações entre os possíveis compradores e vendedores, cumprindo com todas as regulamentações necessárias, mas não sem antes falar um pouco de sua própria natureza jurídica. 

Embora essencialmente seja uma parte integrante do Sistema Financeiro Nacional, as bolsas de valores no Brasil nasceram como iniciativas autônomas dos comerciários e bancários regionais, se organizando em sociedades civis sem fins lucrativos. Porém, é importante citar que sob a estrutura das bolsas estavam as próprias corretoras de valores (responsáveis por intermediar os títulos nesse mercado que elas mesmas controlavam), que sobreviviam das comissões dessas operações internas no mercado de ações. Em certo sentido, ainda que “sem fins lucrativos” a bolsa gerava afinal um lucro colateral para seus controladores e criadores, já que esses eram na prática as corretoras – muitas das quais filiadas aos bancos comerciais - comissionadas pelo preço das negociações realizadas nesse mercado. Na medida em que o ambiente de negócios passou a crescer e se modernizar (em 1976 existe um marco jurídico, com a promulgação da lei 6.404/76 das Sociedades Anônimas) as bolsas de valores passaram cada vez mais a ter vínculo com o sistema regulador, seguindo as orientações da Comissão de Valores Mobiliários (essa sim uma autarquia pública, que além de outras finalidades regulares também tem a responsabilidade de auditar todas as instituições vinculadas ao mercado de valores mobiliários de títulos) ao tempo que gradualmente, passavam a ter menos influência das corretoras na sua gestão.

A partir do ano 2000 as bolsas começaram a atravessar um processo de modificação bastante drástico desencadeado principalmente pelos leilões eletrônicos, realizados agora de forma digital por meio de algoritmos que podiam dar vasão para um volume de negócios totais que não poderia ser suportado pelo antigo pregão “analógico” (corretores gritando ao telefone a flutuação dos preços das ações enquanto anotavam todas as ordens de compra e venda em um bloco de notas no saguão principal da bolsa...). Ao longo dos anos essa transformação desmanchou a larga concentração das operações da bolsa em poucas corretoras exclusivas desse mercado, e a diversificação da corretagem com novos ‘entrantes’ abaixou os preços das comissões envolvidas; ou seja, a facilidade operacional proporcionada pela tecnologia, por certo ajudou a popularizar o mercado de ações (importante ressaltar aqui o termo “ajudou”, pois ainda vou destilar essa ideia), e colocou o distanciamento definitivo e necessário entre a gestão da bolsa de valores e as corretoras de ações.

A essa altura a bolsa do estado de São Paulo, a Bovespa, já era considerada a principal bolsa de valores nacional devido ao seu tamanho desproporcional (muito maior do que as demais bolsas regionais) e à quantidade da concentração de empresas listadas em seu mercado de ações, por isso um movimento de centralização das bolsas se sucedeu; diversos movimentos societários ao longo de quase 12 anos transformaram todas as bolsas regionais e outras bolsas comerciais em apenas uma grande bolsa de valores, chamada “B³”, ainda com sede no centro velho de São Paulo onde funcionava a Bovespa. Durante todo esse processo, em minha opinião, dois fatos relevantes se destacam: a fusão da Bovespa com a BM&F e a abertura de capital da B³ na bolsa de valores.

De certa forma, pode-se assumir que a criação da “Nova Bolsa” - a fusão da Bolsa de Valores do Estado de São Paulo (Bovespa) com a Bolsa de Mercados e Futuros (BM&F) – foi o que transformou oficialmente a Bovespa em um “negócio”, já que neste movimento ela foi integrada a uma bolsa mercantil com fins lucrativos, a BM&F, que inclusive já possuía autorização do Banco Central para operar como se fosse um banco em determinadas situações. Anos mais tarde a integração da Nova Bolsa com a CETIP (uma outra controladora de sistemas de negociações de títulos públicos que já possuía capital aberto e operava sob supervisão do BACEN), proporcionou a conclusão desse grande movimento de centralização das bolsas de valores brasileiras, sacramentado por fim, com um uma oferta primária de capital na própria bolsa de valores que operavam. Ou seja, a bolsa de valores brasileira – a B3 ou B³ – não apenas passa a ser uma instituição privada com fins lucrativos, como em seguida, também passa a negociar suas próprias ações como sociedade anônima no ambiente de negócios que ela mesma controla.   

Mais à frente vou continuar a detalhar a mecânica de uma oferta pública inicial, ou do famoso “IPO” em inglês (a oferta primária na qual me referi no parágrafo anterior), mas para o momento basta eu fazer uma introdução do conceito para adicionar uma reflexão necessária sobre esse movimento específico que a B3 realizou. O IPO é a venda das cotas de uma determinada empresa para o mercado aberto de investidores (pode-se dizer bem grosseiramente que é o momento em que uma empresa deixa de ser uma sociedade de capital limitado [ltda.] para se transformar em uma sociedade anônima de capital aberto [S.A.]), mas além da venda das ações que já existiam anteriormente na antiga estrutura societária de cotas limitadas da empresa, nesse evento normalmente existe uma significativa emissão de novas cotas para o mercado, o que gera um importante aporte de capital na companhia (em contrapartida de um laudo de reavaliação do valor da empresa, realizado por bancos e consultorias especializadas); por isso esse movimento é batizado pelas auditorias e bancos como “capitalização”, pois há literalmente um incremento efetivo do capital social para as empresas que fazem a oferta de ações ao convidar novos sócios nessa iniciativa. Esse, aliás, é mais um fato pouco comentado pelos experts: a empresa não somente vende suas ações para o mercado, mas sim subscreve novas emissões de ações para vendê-las ao mercado. Por isso na ocasião da oferta inicial, muitas empresas dobram, triplicam, ou chegam até mesmo a crescer 10x seu tamanho de capital escritural (com a emissão desses novos “títulos de dívida”, ...lembram no capítulo anterior?).

Pois bem, a reflexão que cabe aqui, é que a B3 em uma razão relativamente curta de tempo (em apenas 20 anos, lembrando que ela nasceu no final do século 19 e se manteve por mais de 100 anos sob uma estrutura societária muito parecida...) passa de uma sociedade civil sem fins lucrativos, para uma empresa de capital aberto que não somente visa gerir com equidade o ambiente de negócios, mas também passa a obter lucros com serviços de consultoria, com as taxas de listagem de empresas no mercado de ações, cursos e certificações sobre investimentos, e disponibilização de ferramentas e análises de dados para seus clientes. Nessa mudança de objetivo social se tornou uma empresa do ramo privado, mas que continuou com a responsabilidade e exclusividade da gestão imparcial do fluxo de ações, e que além de viabilizar a negociação das cotas das outras companhias de capital aberto através de seu robusto sistema de informações (seu objetivo principal original), também viabiliza a compra e a venda de suas próprias ações em leilões.

Veja que não estou questionando a ética na execução prática da B3 em seus negócios, que inclusive possui diversas camadas de auditorias internas e externas, e possui os mais altos níveis de governança corporativa exigidos, mas estou sim trazendo à luz uma constatação de incongruência dos objetivos da entidade e de sua natureza jurídica sob o ponto de vista da conjuntura social. Adicionalmente, uma vez que o CADE (Conselho de Defesa Econômica) e a CVM permitiram a realização dessa oferta pública da B3, esses órgãos oficiais fiscalizadores endossaram um entrante no mercado sem nenhum concorrente equivalente; afinal, quem mais além da própria B3 pode oferecer: a listagem no mercado de ações oficial, os mesmos níveis de serviços de ferramentas e análises de dados, além de consultoria sobre o próprio mercado com a mesma quantidade de insumos que eles possuem (insumo = informação), e ainda com o mesmo “selo de qualidade” da empresa que é genuinamente a única responsável pelo funcionamento desse mercado? Uma situação atípica e talvez até conflituosa como essa, talvez fosse atenuada em caso de diluição completa do capital da empresa no mercado, ou seja, caso nenhum fundo de investimento concentrador pudesse ter propriedade de parte do capital social da B³; ou em outras palavras, que todos seus sócios-investidores fossem obrigatoriamente negociadores do varejo (pessoas físicas não organizadas em entidades), o que a caracterizaria como uma empresa de capital totalmente pulverizado. Mas esse também não é o caso.

Embora a estrutura de capital da B³, se comparada com a maioria das outras companhias de capital aberto no Brasil (anotem isso), realmente seja invejavelmente diluída, aproximadamente 25% de suas cotas ainda são concentradas sob propriedade de quatro fundos de investimento internacionais; dentre os quais três deles estão entre os dez maiores fundos de investimento e gestão de ativos do mundo, as americanas Black Rock Inc., Capital Group, e a T. Rowe Price Group Inc.. A conclusão em termos de equivalência patrimonial (a única matemática que interessa para os advogados) é que a empresa responsável pelo mercado de ações brasileiro, pertence aos principais fundos de investimentos norte-americanos, que devido sua abrangência e capacidade financeira, também são donos de outros investimentos no Brasil (A Black Rock por exemplo possui importante participação acionária na gigante farmacêutica brasileira, o Grupo RD – Raia Drogasil).

Isso não é uma acusação ou levantamento de qualquer hipótese, é apenas uma constatação sobre a estrutura de capital da bolsa de valores brasileira. Uma reflexão que, embora todas as normatizações exigidas sejam cumpridas pela empresa gestora de nosso mercado de ações, podemos estar diante de uma grave inconsistência que vive em uma área “cinza” do sistema capitalista, e que em última consequência pode resvalar nas brechas jurídicas que ocasionam os conflitos de interesses (o sistema “capitalista” é evocado aqui, muito mais pelo sentido morfológico do termo do que pelo seu significado estudado na ciência política; ou seja, como sendo a aplicação prática de um sistema amplo e complexo baseado em capitais). Eu compreendo completamente as argumentações em defesa da ocasionalidade envolvida nesse tipo de reestruturação da B3, mas acho particularmente curioso que algumas pessoas sejam tão reativas quando contestam cargos por indicação política e a influência do governo em empresas públicas estratégicas, mas que quando se deparam com essa situação conflituosa exemplificada pela abertura de capital da B3 (que o “mercado gera aleatoriamente”) desviam o olhar sem ao mínimo considerar um ponto de inflexão.

 

Estrutura acionária - B³

 Vamos fazer uma breve pausa necessária para sintetizarmos e organizarmos todas as ideias desenvolvidas até esse momento do texto:

1 – O governo federal executa suas políticas macroeconômicas por meio de políticas setoriais, como a política monetária, a política de rendas, a política fiscal e a política cambial;

2 – O pilar da política monetária, que lida com os níveis de reserva monetária do estado, poupança, e fluidez/liquidez da moeda em circulação, possui como um dos principais mecanismos de controle, o mercado de capitais;

3 – O mercado de capitais pode ser entendido como o conjunto de regras e ambientes de controles para a emissão e negociação dos diversos títulos de dívidas subscritos pelas entidades participantes (públicas ou privadas) do mercado financeiro comercial;

4 – Entre as muitas modalidades de mercados de títulos no mercado de capitais, existe o mercado público de ações, onde são negociadas as cotas das empresas de capital aberto em um ambiente comercial controlado;

5 – O mercado público de ações se realiza por meio de leilões eletrônicos, controlados e organizados pela bolsa de valores brasileira, hoje transformada em uma entidade lucrativa privada de capital aberto, a B³, mas que ainda possui a responsabilidade legal de operar o balcão de negócios fiscalizado pela Comissão de Valores Mobiliários;

6 – Os leilões permitem o trânsito livre das ações das sociedades anônimas listadas na bolsa entre os negociadores em um mercado secundário de preços flutuantes, permitindo ganhos (ou perdas) de rentabilidade por especulação, ou ganhos baseados em divisão de lucros aos acionistas. As execuções das ordens de compra e venda são realizadas por ‘sistemas eletrônicos’ de corretagem das entidades financeiras filiadas, e geram receitas paralelas para o mercado financeiro por meio de taxas operacionais e comissões. 

Ainda sobre o item 4 e o item 6 há muito o que escrever para cumprir com o objetivo dessa resenha, mas não consigo aprofundar nesses tópicos sem começar a dar um contorno mais realista sobre impacto social desses mercados. Por esse motivo, e pela necessidade de introdução de um punhado de novos conceitos para possibilitar a explicação conjectural, abrirei um novo capítulo.

 

(3.    Objetivo e impacto do mercado de ações)

Não é tão fácil encontrar respostas objetivas sobre a finalidade do mercado de ações, talvez porque muitos não saibam, ou talvez porque outros não estejam muito dispostos a esclarecer. De qualquer forma acho que é possível deixar isso claro nesse texto, principalmente se conjurarmos alguns outros conceitos correlacionados, e se adicionalmente dividirmos o tema por partes.

Os meios de comunicação que se arriscam nessa explicação, costumam ser superficiais. Uma definição melancolicamente simplista que vi em uma série documental em uma dessas famosas TVs por streaming, é que a bolsa de valores permite um ambiente de negócios respaldado a médio e longo prazo para gerar renda sustentável aos investidores e às empresas investidas. Todos os aspectos dessa resposta (embora, sob certo ponto de vista, possa até não estar incorreta) são na verdade, bastante questionáveis.

Um ponto extremamente importante de esclarecimento e que – novamente! - não é citado com frequência, é que NENHUM NEGÓCIO realizado na esfera de revenda de títulos e papéis faz parte do Fluxo Real da economia. Combinado?

Mas afinal o que isso quer dizer?

Voltando para a aula #1 de Economia Política da faculdade; a Economia pode ser dividida em duas grandes “camadas”: O fluxo real da economia e o fluxo monetário da economia.

O Fluxo real da economia é o meio onde coexiste a atividade econômica principal, e os participantes compram, vendem ou trocam produtos e serviços reais, em outras palavras, onde praticam o comércio de produtos e serviços gerais (roupas, alimentos, transporte, higiene e saúde, maquinário, imóveis etc.). Digamos que em uma economia super simplificada, uma fábrica de sapatos geraria empregos e pagaria salários aos seus trabalhadores, e consequentemente esses funcionários gastariam todo seu salário comprando somente os sapatos de sua própria produção na fábrica; esse seria um ciclo econômico totalmente “perfeito” e sustentável ao longo do tempo. Porém é sabido que as pessoas não podem somente viver de sapatos, e por conta disso um fluxo econômico real complexo coexiste com a economia da fábrica de sapatos. Toda a produção de alimentos, vestuário, transporte, higiene, luxo, lazer e turismo, ou outro qualquer que imaginar, irão fatalmente interagir gerando desequilíbrio natural entre esses nichos devido à diferença de tecnologia, de disponibilidade de recursos naturais/insumos, e do próprio valor final agregado de produção, prejudicando a empregabilidade e os salários ao longo do tempo, e que por fim irão transformar a economia em um sistema não-sustentável “matando” alguns setores (a questão do lucro, por si só, é um fator que coloca em risco esse ciclo virtuoso de produção econômica, mas abordar esse ponto agora nos tiraria bruscamente da linha de raciocínio).

De modo a viabilizar, impulsionar, e principalmente reequilibrar a atividade econômica real, a economia possui uma segunda camada de suporte para esse sistema primário, o chamado Fluxo monetário; que é o sistema controlado por um governo central responsável por ‘criar’ e ‘resgatar’ moedas e títulos de dívida induzidos pelo sistema financeiro oficial através dos bancos comerciais, para alcançar o comércio comum ou setores específicos que são deficitários, ou até mesmo o varejo geral em caso de necessidade. O resultado desses ajustes do sistema monetário juntamente à manutenção da taxa de juros oficial, é a inflação ou deflação dos valores monetários em circulação, que em suma, cria liquidez no mercado ou cria reservas para a economia nacional.

Perceba que na teoria - e com certeza somente na teoria - o fluxo monetário (e por que não o resumir como o próprio sistema financeiro?) é um fluxo de suporte que visa habilitar o mercado real de produtos e serviços. O protagonismo do sistema financeiro por sobre o fluxo real da economia pode conter um risco inerente de esfacelamento por falta de lastro, que na prática é o excesso de capital especulativo (de forma muito simplificada: a diferença entre o valor nominal total corrente da economia vs. o valor total corrente dos ativos e da renda produtiva [produtos e serviços]), fenômeno que nos acostumamos chamar de “bolha”, e digno de uma longa e profunda reflexão, mas que por hora não faz parte do foco da resenha. Fica a dica de um ótimo entretenimento nesse sentido na nota (_).

Contudo, a necessidade de resgatar o conceito de fluxo real e monetário da economia, tem por objetivo contrapor a ideia simplista de que todos os negócios gerados pelo mercado de ações são sustentáveis por si só ao longo do tempo, e que seguramente terão a capacidade de fornecer renda e rentabilidade aos seus investidores e aos seus investidos (mais ou menos o que foi mencionado no tal documentário do streaming). A sustentabilidade de um mercado que gera rentabilidade crescente ao longo do tempo teoricamente só existe se esse garantir o lastro efetivo entre a produção e os pagamentos de rendas futuras, tal como a retroalimentação do investimento do lucro nessa mesma produção lucrativa, para gerar mais produção e consequentemente, mais lucro futuro...; o que infelizmente (sinto em informar) a bolsa de valores não garante integralmente, principalmente devido suas características especulativas.

Para entender como somente parcialmente a bolsa atende essas características de sustentabilidade, vamos fazer uma autópsia no modus operandi do mercado acionário.

Quase todas (chutando: 99,9999%) as operações de compra e venda de cotas que ocorrem minuto a minuto, diariamente nos pregões eletrônicos da bolsa, cinco dias por semana, nos aproximadamente 250 dias úteis por ano, são realizadas em uma relação de “investidor” vs. “investidor”, que nada tem de relação real com o patrimônio da empresa que emitiu o papel originalmente. Quando você adquire no seu app do banco “pra-frentex” 100 cotas da empresa Azul, você compra papéis que estão sendo, na verdade, vendidos por um outro “investidor” como você, e que agora estão disponíveis no mercado; e adivinha o que nenhum de vocês dois fizeram nessa operação: injetaram dinheiro na empresa citada. Quando os investidores da bolsa negociam suas ações de determinada empresa, NADA ACONTECE no dia a dia dessa empresa, nenhum dinheiro entra, nenhum dinheiro sai, nenhum ativo da companhia é reajustado, muito menos nenhum passivo ou capital é re-escriturado (e nenhum estagiário é contratado ou demitido por causa disso). E aqui sim como um desabafo posso usar de forma arrogante o “obviamente”!

Pois é, por essa você não esperava, não é.. ? (E isso faz de você um investidor, no sentido mais verdadeiro da palavra? .....vou deixar você responder essa.)  

Essa relação de vendas de títulos entre investidores, que repassa suas ações de “segunda mão” forma, na verdade, o mercado secundário (e especulativo) de ações; que, conforme mencionei anteriormente, compõe massivamente o total dos volumes das operações na bolsa de valores. O mercado primário de ações ocorre justamente quando uma companhia de cotas limitadas (Ltda.), ou seja, de capital fechado, realiza pela primeira vez a venda de suas ações, abrindo o seu capital para sócios-investidores anônimos aportarem dinheiro de fato em suas operações, realizando assim o “IPO” (oferta pública inicial, lembram?), ao se tornar uma Sociedade Anônima (S.A.). Podemos assumir de forma resumida que as operações de compra e venda no mercado primário somente acontecem quando há a listagem da empresa na bolsa de valores (o fatídico momento da sineta que citei anteriormente), e que esse cadastro dela como empresa de capital aberto é o que possibilita de fato a injeção de capital de novos investidores no seu caixa.

Para efetivamente correlacionar pela primeira vez a finalidade da bolsa como uma ferramenta de viabilização social de investimentos de terceiros em companhias abertas do mercado nacional, vamos colocar de outra forma:

Se teoricamente existem aproximadamente 500 empresas listadas na B3 (que foram listadas “desde o início da bolsa”), foram basicamente nessas únicas 500 ocasiões que houve negociação no mercado primário de ações com efetivo aporte de capital (estou aqui deliberadamente excluindo os casos reincidentes de operações de “segunda oferta de capital”, e excluindo também os casos de empresas que deixaram de operar na bolsa após terem recebido o aporte inicial, que recompraram suas ações e cancelaram a listagem, sabendo que essas situações são exceções à regra). Hoje existem por volta de 350 empresas listadas na B³. É claro que existe também um aumento de empresas listadas por ano na última década, mas se considerarmos que 120 empresas são listadas por ano na bolsa (número próximo à quantidade real de listagens ocorridas em 2021 e 2022) e possuem a negociação média de 200 milhões de ações cada em sua oferta primária (baseado em amostra), isso resultaria em 24 bilhões de volume total de negociações no mercado primário em um ano na bolsa; para se ter uma ideia de proporção, somente no mês de novembro de 2022, o volume médio de operações realizadas por dia no mercado secundário foi de 64,5 BILHÕES de ações compradas/vendidas. A conclusão é que nessa comparação, temos 99,8512% do volume total de operações de compras e vendas de ações concentradas no mercado secundário ao invés do mercado primário; um volume impressionante que não impacta afinal, no fluxo real da economia (esse cálculo serve para apurar o meu “chute” anterior).

Não sei se ficou claro para você, mas se não ficou me permita esclarecer: quando compramos uma ação já existente no mercado não estamos “investindo em empresas”. Significa apenas que estamos comprando ações de uma outra pessoa e gerando lucro periférico para as corretoras e bancos. Mas por incrível que pareça essa é uma ideia falsa que se mantem muito viva em novos aventureiros do ramo e que é professado nas escolas de investimento, sustentado pela falta de informação e pela negligência interesseira de alguns especialistas. Dizer que o movimento de compras e vendas no mercado secundário de ações poderia eventualmente motivar o mercado primário de abertura de capital das empresas, é uma coisa, mas dizer que “investir” no mercado secundário de ações você está também investindo em empresas, é completamente diferente (e errado!). Como nota: basicamente toda vez que você, como pessoa física, compra no mercado de ações, negociará no mercado secundário; a venda no mercado primário normalmente é exclusiva, e direcionada pelos bancos que fazem parte do projeto de IPO da companhia (os clientes do Nubank recentemente tiveram essa rara chance de fazer parte da oferta inicial de uma empresa listada).

Descortinar esse fato é mandatório para analisarmos a função social da bolsa de valores sem interferência ideológica. De forma muito leviana é injetada a noção de que um mercado de ações pulsante com volumes crescentes de negociação dia após dia é saudável ou fundamental para a economia como um todo, induzindo a ideia no mínimo improvável que esse movimento traduz o “bom humor” do investidor e a credibilidade que eles depositam no empresariado ou na macroeconomia de um país, como se fosse o mais importante (senão o único) termômetro de crescimento econômico (!); essa constatação embora seja vendida como axioma da escola neoliberal, até que se prove por números, é pura alegoria, pois independente do humor e do pijama que o investidor estiver usando, conforme já demonstrado, parte significativa desse volume de dinheiro não chegará de forma sustentável no setor real da economia, e não passa de capital meramente especulativo (esse conceito será aprofundado, pois você aí já pode estar matutando: e se eu sacar meu lucro especulativo e investir na economia real, não faz parte da equação de crescimento??... acalme-se, vamos chegar nesse ponto ainda, provavelmente no momento em que eu elaborar uma crítica ao sistema de especulação). 

Por outro lado, para não deixar meu humor e meu próprio pijama contaminar o texto, constatamos que existe uma transmissão efetiva de valores de investimento na economia real nos caixas dessas empresas listadas na bolsa de valores. A B³ no ano de 2021 registrou o valor total R$ 7 trilhões de negociação a vista no leilão de ações (secundário + primário), o que segundo nosso cálculo de padeiro, resulta em aproximadamente em R$ 10,4 bilhões de valores capitalizados por companhias no mercado primário de ações, e que irá impactar ao longo do tempo o fluxo real da economia. No entanto, o resultado oficial dos valores movimentados em ofertas primárias divulgado em 2021 é de R$35,9 bilhões, portanto é esse que vou utilizar. Ainda que não seja o carro-chefe da impulsão macroeconômica do país, vamos combinar que não é um valor para se jogar fora, e aqui está o primeiro verdadeiro impacto positivo da bolsa na sociedade, ela é de fato uma ferramenta de viabilização de investimento direto na economia, liderada principalmente por capital privado.

Pasmem, é o capitalismo dando certo (agora sim no sentido da ciência política)!

Ok, foi uma piadinha irônica sem graça, pois ainda que seja uma linha de investimento interessante fica claro que esse sistema de financiamento via títulos privados não consegue liderar o suporte ao crescimento contínuo da economia real; para se ter ideia apenas em leilões públicos (privatização parcial de ativos públicos + setor de concessões) e em licitações diretas, o governo injetou aproximadamente R$ 193 bilhões na economia em 2021, e se analisarmos esse número pela perspectiva de investimento relativo, essa ainda pode ser considerada uma quantia “tímida” de investimento (1,5% do PIB, frente aos 3% investidos em 2001, por exemplo). Com a adição dos R$ 105,4 bilhões das capitalizações realizadas via BNDES em 2021, podemos concluir que o valor total de aportes viabilizados pelo mercado privado de ações corresponde a apenas 12% do valor total investido em empresas no ano de 2021.

Outra comparação peculiar é que o lucro líquido da B³ (o valor final de ganhos da empresa em um período, que efetivamente vai para o bolso do acionista) no exercício de 2021, somou R$4,7 bilhões; aproximadamente 13% de tudo que teoricamente ela viabilizou de capitalização para as empresas listadas nesse período (embora há de se deixar bem claro que esse lucro líquido da B³ não deriva somente de suas operações de IPO). Essa colocação nos permite traduzir os números sob um ponto de vista socioeconômico quase filosófico: A cada R$10,00 que a bolsa viabiliza de investimento direto na economia, ela proporciona R$1,31 de lucro direto para seus acionistas. São proporções interessantes entre as duas finalidades da B³.

E, apesar da leitura que fiz aqui do ponto de vista que a oferta pública inicial é um meio de investimento direto muito importante do mercado de capitais, é necessário incluir um adendo que nem todo o valor fechado nas compras de ações ofertadas pelo IPO vai necessariamente para o caixa da empresa e para a atividade econômica, isso porque os fundos detentores das ações – que são as organizações formadas pelos donos originais das empresas, mais os fundos parceiros (venture capital) existentes anteriormente à oferta inicial – muitas vezes vendem parte de suas ações e resgatam parte do valor da operação como lucro da venda da própria empresa, e em alguns casos extremos usam o mercado de balcão somente como meio de venda de suas ações para terceiros colhendo todo valor da operação em forma de lucro no balanço de seu fundo mobiliário, sem nem mesmo integralizar R$1 no caixa da empresa; a forma que se dará a estrutura de capital da empresa após o IPO é definida pelos sócios e pelas consultorias jurídicas envolvidas no processo, e por vezes pode ser bastante complexa.

Acredito que com os exemplos acima, ficam mais claros os objetivos sociais da bolsa de valores, tal como os motivos econômicos paralelos desse mercado, resumidos no infográfico abaixo:



1 – A bolsa de valores viabiliza que empresas de sociedade limitadas (ltdas.) com certo grau de maturidade, se financiem através da capitalização por meio de emissão de ações no mercado primário, transformando sua estrutura societária limitada em sociedade anônima. Os valores injetados parcialmente ou integralmente pelos novos acionistas no caixa da empresa em troca das ações, será usado pela empresa para realizar novos projetos visando lucros futuros, impactando assim o setor real da economia (comprando maquinário, adquirindo insumos para estoques, contratando funcionários, fornecedores de serviços, etc.);

2 – Nem sempre o valor total do IPO (oferta inicial) é integralizado diretamente no caixa da empresa S.A. que abriu seu capital. Por eventual decisão dos sócios anteriores, esses valores podem - parcialmente ou integralmente – transitar diretamente para seus fundos de gestão que simplesmente fazem a transmissão das ações para a propriedade dos novos acionistas, sem integralização do novo capital. Essa decisão dependerá de caso a caso e de diversas variáveis, como: perfil dos acionistas vendedores, decisão sobre concentração do capital da S.A., valor da avaliação da empresa listada e preço alvo de ações, entre outros;

3 – O IPO de uma empresa gera custos inerentes para companhia que abre seu capital, e consequentemente receitas para empresas de auditoria, consultoria jurídica, e bancos de investimento, que dão suporte para esse processo, pois são eles que criam a estrutura de governança corporativa exigida por lei, laudos de avaliação e análise geral do processo de abertura. Adicionalmente a listagem da empresa na bolsa gera receita operacional para a B³;

4 – Após a realização da oferta primária, as ações serão negociadas entre os participantes (investidores) do mercado acionário secundário, e o preço do papel irá flutuar pela relação de demanda dos leilões eletrônicos da bolsa. Esse mercado não gera fluxo monetário para a companhia listada, todos os valores envolvidos nas compras e vendas dos títulos ficam entre os “investidores revendedores” das ações e o sistema financeiro, em forma de taxas de serviço e comissões por corretagem. As negociações nesse mercado correspondem a aproximadamente 99% do total de operações realizada nos leilões de ações, não impactando à priori, o fluxo real da economia;

Para poder finalizar esse capítulo sobre o objetivo prático desse mercado, devo introduzir dois últimos tópicos bem importantes, mas que ainda não foram comentados na resenha: o lucro sobre as ações e o valor de mercado das companhias.

Pode ter ficado claro o objetivo da bolsa de valores que opera os leilões, viabiliza o investimento direto nas S.A.s de capital aberto, e visa lucro nessas operações; também deve ter ficado claro o objetivo das instituições financeiras envolvidas nesse meio, que lucram com a consultoria do processo de IPO e com as taxas de intermediação das vendas de ações no mercado primário e secundário da bolsa; com certeza ficou claro o objetivo das empresas de capital fechado e de seus sócios que vendem as participações nesse mercado público, e que recebem valores vultuosos na capitalização para execução de seus projetos futuros.

Então o que não ficou claro? Com certeza, a motivação dos investidores que aportam dinheiro na S.A. e os novos acionistas que posteriormente adquirem as ações no fluxo do mercado secundário.

Como qualquer outro investidor que compra um título, os acionistas envolvidos nesse mercado esperam rentabilidade de seus investimentos ao longo do tempo, e no mercado de ações eles podem conquistar os ganhos sobre os papéis de duas formas: 1 - com o pagamento dos LPA’s (distribuição de dividendos e lucros por ações) realizado pela empresa ao final dos exercícios sociais (normalmente realizado anualmente); ou 2 - com a rentabilização do valor de mercado, que é o resultado positivo da operação de venda posterior dos papéis nos leilões do mercado secundário, no caso do preço fixado no negócio ser maior que o preço original de compra.

O lucro por ação (LPA) representa o ganho mais sustentável desse mercado, pois deriva da produtividade e da atividade econômica da empresa investida ao longo do tempo. Esses valores são resultados do lucro líquido da companhia após o encerramento de cada ano, distribuído entre os sócios através da divisão do montante por cotas (como o lucro é dividido por cotas/ações, os sócios que possuem a maior participação, recebem maior parte do lucro). A princípio, ao assumirmos a mecânica tradicional de investimentos nos mais diversos setores do mercado de capitais, essa é a motivação inicial de um investidor do mercado acionário (ainda que a empresa possa simplesmente não lucrar, e que a deliberação da divisão do eventual lucro, caso ocorra, possa variar bastante de empresa para empresa de acordo com o respectivo estatuto social e assembleia de acionistas...).  

Contudo, um acionista não está preso a sua ação de modo definitivo, e por decisão própria pode vender seus títulos, essa é afinal, a lógica por trás de uma sociedade anônima. A possibilidade desse segundo tipo de obtenção de lucro sobre o investimento em ações é o que desencadeia todo o mercado especulativo da bolsa de valores, ou seja, o mercado secundário em que investidores revendem e recompram de forma frenética e incessante as ações das companhias listadas (chegamos enfim naquela resposta preguiçosa do segundo parágrafo do começo do texto). A lógica de precificação dessas ações de segunda mão no mercado secundário nos permite introduzir o conceito de “valor de mercado”, que de acordo com a definição acadêmica é determinado pela “expectativa de ganhos futuros” dos investidores sobre a empresa/papel em questão. E simplesmente por se tratar de uma expectativa de ganho sobre os valores futuros, esse é um mercado de especulação, e o confrontamento e o ponto de equilíbrio entre os preços colocados pelos vendedores e os preços propostos pelos compradores no mercado é o que vai determinar o preço final no leilão eletrônico aberto (considerando que as ordens de compra e venda continuadas realizadas ao longo do pregão diário, vão de forma incremental influenciando no preço médio móvel das ações, e por isso o preço se altera a “cada segundo”).

Obviamente a obtenção do lucro pela revenda da ação não é garantido, já que um papel pode não atingir o preço esperado pelo acionista vendedor em leilão, e passar a ter um comportamento de precificação de tendência decrescente (diminuindo), o que por conseguinte pode deixar esse investidor nervoso com as perdas potenciais (ao invés de ganhos potenciais) e fazê-lo vender rapidamente por um preço menor do que efetivamente comprou, assumindo assim um prejuízo nessa operação; por esse motivo o mercado de ações é considerado um investimento variável de alto risco, e exceto se o perfil do investidor for esse, a motivação do investimento em ações não deveria ser baseada na rentabilidade do valor de mercado de uma ação.

Portanto o valor de mercado das ações é flutuante, e obedece a relação de demanda vs. oferta dos investidores, de forma livre e irrestrita. A soma do valor total das ações de uma empresa com o preço fixado após o pregão é o que o determina o seu próprio valor de mercado (conhecido também como valor MTM – marked to market – da companhia), que inclusive é utilizado em um dos métodos de avaliação em que os economistas apuram o valor adicionado da companhia; ao confrontarem esse valor MTM com o valor total do ativo escriturado no balanço patrimonial. A apuração desse valor enseja argumentações de que os valores não escriturados de uma empresa, como o capital intelectual e o ativo informacional, estariam embutidos nessa diferença entre a avaliação de mercado e a avaliação contábil. O valor de mercado das ações é também utilizado pela mídia especializada para apurar o capital total das personalidades bilionárias e dos proprietários das grandes empresas, pois entendem que o valor da fortuna deve ser estimado pelo valor atualizado, que seria o valor “de liquidação” em caso de decisão de venda por parte desses investidores.

Importante adicionar que aqueles R$ 7 trilhões citados anteriormente como operações do mercado secundário não representa o total de valor de mercado disponível na B³ (a soma de todas as ações, também chamado de valor mobiliário); esse é o valor do total negociado no ano de 2021. O valor total negociado e o valor total de mercado diferem pelo motivo que nem todas as ações listadas na bolsa são necessariamente negociadas no ano, e principalmente, que uma única cota de uma determinada empresa pode ter sido revendida inúmeras vezes durante esse período. A título de conhecimento: o total do valor de mercado somado na B³, atualizado no dia 21/12/2022 é de R$ 4,1 trilhões. 

O valor de mercado é, por fim, insumo para um tanto de análises e discussões da empolgada comunidade financeira, ainda que por muitas vezes não saibam todos os meandros da origem até o destino desse fluxo de valor. O significado definitivo dessa mensuração, no entanto, está na esfera abstrata da interpretação dos economistas, e eu não posso aprofundar esse conceito sem entrar no meu entendimento particular sobre o assunto (minha opinião mesmo), por isso vou deixar essa divagação para o próximo capítulo.

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Pois bem, a conclusão objetiva sobre o mercado de ações é que esse tem sua função social na viabilização dos investimentos diretos nas empresas que estão em pleno crescimento, e que é protagonizado por uma instituição intermediadora que embora preze pela regulação, governança e habilitação do sistema, também é uma sociedade anônima privada de capital aberto que tem por objetivo final o lucro. Como um segmento do mercado de capitais, o mercado acionário utiliza a lógica de remuneração sobre os títulos, e possibilita o retorno aos investidores através da distribuição do lucro da companhia investida, nos períodos subsequentes à sua abertura do capital.

Por outro lado, o mercado de ações atua majoritariamente (mais de 99% da concentração das suas operações) nos leilões de revendas de ações no mercado secundário, um ambiente de negócios que lida com a especulação de rentabilidade futura sobre o valor de mercado, um modelo de investimento de alto risco orientado pela flutuação dos preços nos ininterruptos leilões eletrônicos da bolsa. A movimentação desse fluxo monetário sem restrições não interfere, à priori, no setor real da economia, mas as trilhares de negociações realizadas por ano geram lucros para o sistema financeiro de suporte, baseado nos bancos comerciais, corretoras e bolsa de valores.

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Muito foi escrito para apresentar essa conclusão objetiva de forma sintetizada, e ainda que houve atalhos e simplificações, espero ter embasado a maior parte das colocações apresentadas na resenha, partindo da parte menor para o todo.

Fato é, que à despeito da fria conclusão objetiva, o tema é cercado de retóricas e vieses dos analistas e da mídia especializada, e não é nem preciso dizer grande parte dos discursos alegóricos acerca do mercado acionário não foram ainda trazidos nessa resenha. No meu entendimento apresentar críticas ou defesas dessas narrativas que percorrem a sociedade e os sites de notícias sobre economia no nosso dia a dia, só é possível com uma espécie de posicionamento político ou, no mínimo, com a opinião sincera sobre o assunto.

A partir daqui é o que vou fazer, trazer discussões sobre essa matéria sem necessariamente estabelecer verdades definitivas, mas questionando as ideias desse “conhecimento coletivo preestabelecido” sob o meu ponto de vista, e com o que considero ser lógico e racional.

Referências:

(¹) Comissão Nacional de Bolsas. Mercado de Capitais - O que é, como funciona. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

(²) PIKETTY Thomas. O Capital no Século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.

(³) https://en.wikipedia.org/wiki/Dutch_East_India_Company 

(⁴) https://thecorporation.com/

(⁵) https://en.wikipedia.org/wiki/The_Big_Short_(film)