sábado, 26 de novembro de 2022

O que forma a ciência e quais são suas contradições

 

Neste texto foram reunidos conceitos comuns e tradicionais sobre o que é a ciência, em seguida de críticas que ressaltam a necessidade de resgatar a importância da filosofia, de modelos científicos do século 20 e da transdisciplinaridade nas ciências. 

1. "A ciência moderna, tendo como referencial os modelos matemáticos e a física mecânica, estabelece pressupostos ontológicos e epistemológicos na relação com o mundo e com a natureza." 
Neste parágrafo alega-se que a ciência determina uma pré - suposição ontológica e epistemológica, ou seja, pré suposições feitas a partir de campos da filosofia. O 1º campo (ontológico) é a área da filosofia que estuda o existir/ a existência, o 2º campo (epistemológico) é o segmento filosófico que estuda qual deve ser o método de investigação mais adequado/ mais verdadeiro para construção de conhecimento. 
Esta pré-suposição é estranha, já que a área que determina o método de investigação deveria ser um campo da filosofia (e foi no ocidente, durante aproximadamente o século 4 a.C até o iluminismo entre os séculos 17 e 19 d.C.). E certamente nem o saber filosófico como um todo, nem campo algum de seus estudos, deveriam ser subordinados nem reduzidos ao saber científico. 
Pior do que isto, a ciência descrita acima está presa a um modelo teórico do fim do século 17, como será explicado adiante. Este é um dos motivos que faz a ciência tradicional negar a transdisciplinaridade, pois hierarquiza os campos do conhecimento, elevando a física newtoniana à uma condição dogmática de superioridade. 

2. "A ciência funciona com base nos pressupostos que causas naturais explicam os fenómenos naturais, que a evidência do mundo natural nos pode dar informação sobre essas causas, e que essas causas são consistentes." 
Este é o argumento para se definir um pressuposto de que só a matéria perceptível pelo ser humano explica os fenômenos na Terra e no universo. Em prática é o modelo arcaico do período iluminista (1685-1815) centrado nas ideias de Isaac Newton. Tal argumento é a pré suposição de que só o que é perceptível pelos sentidos existe: Um reducionismo existencial, ou ontológico, enraizado na ciência. Embora houveram discussões sobre este assunto ao longo da história da civilização humana (no século 20, por exemplo, a fenomenologia, a teoria geral dos sistemas e até mesmo a teoria da relatividade propuseram mudanças ontológicas e epistemológicas para as ciências...), a visão dominante da ciência permaneceu tradicionalmente a mesma do final do século 17, apenas com algumas mudanças retóricas, ou seja, de discursos. (teoria da falseabilidade, argumento do bule cósmico entre outros sofismos) 

3. "Para ser científico, o conhecimento deve ser validado e demonstrado através de investigações e experimentações. O conhecimento científico é, portanto, aquele que é passível de teste, racionalmente válido e justificável e que pode ser replicado e alcançado através de estudos, observações e experimentações." 
Se para ser científico, o conhecimento deve seguir estas regras a risca, então a ciência não abrange a psicologia, pois trabalhar com processos internos do ser humano, como pensamento, sentimento (etc) estaria mais para um campo da filosofia. Os sentimentos e os pensamentos de um paciente em uma psicoterapia por exemplo, não podem ser replicados (não podem ser reproduzidos, controlados pelo psicólogo) e alguns dos sentimentos (não expressos) não podem ser nem observados. Além disto, seguindo estas regras, a psiquiatria é predominantemente pseudociência ao tentar tratar pensamentos, sentimentos, emoções e comportamentos com métodos materialistas. (Thomas Szaas e certamente muitos outros estudiosos, devem ter percebido e discutido isto). 

Tradicionalismo reducionista na Ciência - Como superar? 
O que deveria ser proposto no lugar do arcaico modelo teórico tradicional dominante ainda hoje nas ciências? Nada realmente novo, pois está registrado na história das ciências: 
Entendendo a crítica que a fenomenologia fez ao modelo científico tradicional no início do século 20, é preciso abandonar a centralidade na ontologia materialista como se esta fosse um dogma. É mais lógico e mais útil priorizar a teoria geral dos sistemas (desenvolvida entre 1928 e 1968), que além de possibilitar novas descobertas sem desprezar os estudos transdisciplinares, traz à tona a importância da existência por relações. 
Além disto, quando encontramos uma situação (relativa a um fenômeno, objeto etc) em que não conseguimos solucionar com métodos tradicionais, é preciso mudar o método de investigação. E o método adotado sempre tem uma intenção por trás, por isto sempre toca em uma questão ontológica. 
O que estou dizendo aqui é baseado em fatos históricos: A fenomenologia indicou que a ausência de pressupostos era uma postura mais adequada para se investigar os fenômenos do que a pressuposição da ciência tradicional que se baseia em uma ontologia materialista (seja o monismo materialista ou o monismo eliminativo). 
Mas a ausência de pressupostos obviamente não deve ser a soltura dos métodos de investigação, tanto que a fenomenologia buscou desenvolver um método de investigação/ de construção de conhecimento (episteme) com seu rigor particular. A fenomenologia com sua ausência de pressupostos também trabalhou a questão da intencionalidade por trás das ciências, o que não deixa de ser uma discussão sobre a intenção do estudo e do método de investigação/ construção de conhecimento. 
Como eu afirmei, a teoria geral dos sistemas, assim como a fenomenologia, se mostram mais apropriadas para novas descobertas se comparadas à ciência tradicional (newtoniana, materialista...) e não devem em nada à esta última no que se diz respeito ao rigor dos métodos de investigação. Porém, como são produções humanas, assim como os demais métodos e bases da ciência, são passíveis de falhas/ imperfeições. É aqui que eu retomo a importância da busca pelo bem à humanidade, afinal existe uma intenção em praticamente toda atividade humana, seja pensamento ou comportamento. 
A busca pelo bem pode parecer algo muito subjetivo, mas também não é exatamente uma novidade: Era um dos temas das filosofias socrática/ platônica dos séculos 3 e 4 a.C., também aparecendo no espiritismo do século 19... Estas filosofias não são opostas ao materialismo, pois não são meramente idealistas/ mentalistas/ espiritualistas: Elas valorizam a ciência, respeitando o estudo objetivo da matéria e da vida material, valorizando as ideias de progresso e de uma sociedade justa - Portanto são de uma ontologia dualista ou pluralista que tratam nossa existência "material" juntamente com nossa existência "mental" que pode abranger uma série de experiências reduzidas ou negadas pela ciência tradicional. 
Claro, alguém poderia argumentar que determinar uma ontologia dualista ou pluralista como base das ciências é trabalhar com pressupostos, sendo também um preconceito. 
Porém o problema da ontologia materialista é a negação do que não é detectado pelos sentidos do ser humano ou de outros seres vivos estudados. Além disto, o problema também são duas ideologias implícitas nesta doutrina filosófica: 
A 1ª é o niilismo - Esta ideia de que nada existe além da matéria perceptível, facilmente fomenta o desprezo por sentimentos como o amor e o desprezo por atitudes e conceitos em prol de uma civilização mais justa, como a empatia, a solidariedade e a equidade. 
A 2ª é o reducionismo onde prioriza-se a fragmentação e o estudo por partes (que tem sua utilidade, mas não deve ser o único modo de investigação). Tal fragmentação, ou segmentação, geralmente nega relações existentes/ fatuais entre diferentes campos de conhecimento e de áreas do conhecimento científico com outras áreas do saber. Além de categorizar toda diversa gama de fenômenos relacionados a espiritualidade como fantasia, alucinação e/ou primitivismo, este reducionismo implícito do pressuposto/ doutrina materialista tende a atrasar ou mesmo negar estudos transdisciplinares e também despreza ou reduz a importância de certas áreas do saber que se relacionam com campos de conhecimento científico, como é o caso da relação fatual e histórica da filosofia com a psicologia. Consequentemente, neste último caso, também nega a importância da filosofia e sua relação com a psiquiatria e tantas outras áreas que estudam questões que envolvem o comportamento, a mente, a existência etc.