sexta-feira, 30 de abril de 2021

3º Bê a Bá da Realidade: O que é Ciência

 

O que é ciência? 

Aquela coisa chata que estuda líquidos em tubos de vidro e ratos em laboratório? Não… 

Ah, é um estudo feito de qualquer maneira? Não novamente… 

Então ciência é tudo o que podemos testar e comprovar? Também não! Testar está mais para um método de construir conhecimento. 

Para entendermos algo é sempre razoável saber sua história… O termo Ciência surge na antiguidade clássica da Grécia com filósofos como Sócrates e Platão (de novo eles). Tais filósofos, ou amigos do saber, afirmavam que era importante a busca pela verdade e pelo Bem. Porém hoje em dia considera-se que tais filósofos não eram cientistas porque seus métodos tinham falhas, eram insuficientes para descobrir a(s) verdade(s) e coisas assim… Aí voltamos a uma questão interessante: O método! Esta palavra vem da união de duas palavras gregas: metá (que significa meio, através de, ou reflexão, raciocínio, verdade) e hodos (que significa caminho, direção). Basicamente trata-se de um meio, uma maneira de ordenar ou de estruturar o conhecimento. Este conhecimento é a busca ou aproximação da verdade que os filósofos Sócrates e Platão não dissociavam do Bem. 

Obviamente definir o Bem pode ser um outro assunto profundo, mas estes filósofos da “Grécia Antiga” resumidamente definiam como o Bem o ato de cada pessoa desempenhar sua função da melhor maneira possível, sem má vontade e principalmente sem desejar grandes riquezas materiais e sem desejar intensos prazeres materiais. 

Voltando à ciência, o que ouvimos por aí como definição de ciência é na verdade a definição de um (apenas UM, único) método de construção do conhecimento: O método empírico. Porém o método empírico, assim como tantos outros métodos surgiram da filosofia! Isto aconteceu porque praticamente todas as formas de estudo até o século 17 eram baseadas em obras bastante antigas como a dos filósofos gregos do século 4 aC e da filosofia natural da igreja católica do século 12. Nas dinastias chinesas, a ciência se desenvolvia com longos períodos de pausa e sem métodos ou sistematizações, enquanto no subcontinente indiano, após o século 7, métodos de aquisição de conhecimento ocorreram misturados às reformas religiosas e sociais. Eis que então, o francês René Descartes, “lança” o método racional em meados do século 17, também chamado de racionalismo, marcando o início de uma tal revolução científica. Na última década do século 17 os britânicos desenvolveram o empirismo, argumentando que não bastam métodos de raciocínio e de reflexão para se construir conhecimento: Para os empiristas o verdadeiro conhecimento só se dá através da experiência sensorial e da possibilidade de testar, geralmente repetindo os experimentos. Vendo o reducionismo de tal ideia, outros pesquisadores desenvolveram novos métodos após o método empírico: A fenomenologia, método de Edmund Husserl (século 19), ao invés de apenas racionalizar ou só experimentar, buscou entender como as coisas são feitas/ como o fenômeno ocorre (a essência das coisas e a própria consciência): Ainda que seja considerado polêmico por uns e que seja desprezado por outros, o método fenomenológico foi o 1º método a questionar o método empírico (e o racionalismo), buscando uma renovação, ou seja, foi desenvolvido a partir do contraponto com estas correntes anteriores. Afinal a verdade não está no “meu pensamento” nem apenas na experiência (na testagem etc); Esta corrente científica, ou método, criticou o fato do empirismo estudar apenas o sujeito passivo; só descrevendo o que vê externamente e também criticou o positivismo que negava a subjetividade, valorizando só a verdade do conhecimento objetivo. Além disso, pelo fato de considerar a intenção do ser humano e seu viés construído ao longo de sua história e de seu contato com a sociedade, o método fenomenológico passou a ser mais empregado nas ciências humanas, como a geografia, a sociologia e na psicologia. Já no século 20 a física subatômica deparou-se com situações cujas as pesquisas empíricas se mostraram inconclusivas. A partir daí desenvolveu-se a teoria geral dos sistemas, um outro método (ou corrente) científico… 

Pois é, a ciência tem muitos métodos e provavelmente não existe um melhor ou um pior. Talvez existam situações em que um método é mais eficaz que o outro, mas o problema é que existe um método dominante na ciência (ao menos na América e em partes da Europa): O método empírico. Daqui em diante é importante ser claro e para isso é útil fazer a seguinte distinção: O método empírico é só o método que prioriza a experiência sensorial e a reprodutibilidade dos experimentos (não deveria ser considerado a ciência em si). O empirismo é a filosofia, ou o pensamento que alega que o verdadeiro conhecimento SÓ se dá através da experiência sensorial e da reprodutibilidade da experiência. Esta filosofia, é uma doutrina que descarta todos outros métodos, classificando-os como filosofias separadas da ciência ou em alguns casos, classificando-os até mesmo como pseudociências. É daí que surge a ideia, um tanto enviesada, de que a ciência é o método empírico. 

O Método Empírico e a Psicologia 

Utilizar apenas os (cinco) sentidos do ser humano para o estudo e priorizar a possibilidade de repetir as experiências (o método empírico e obviamente o empirismo) não é suficiente para estudar aspectos da mente humana como os sentimentos e o inconsciente das pessoas. Em outras palavras, através do empirismo não é possível considerar sequer o conteúdo da fala do paciente. Este conteúdo muitas vezes não é comprovável e as experiências do paciente não podem e/ou não devem ser repetidas para uma comparação ou para uma confirmação. É preciso considerar as possíveis causas dos problemas, dos sofrimentos, dos desabafos e das solicitações do paciente/ cliente. Estas causas podem ser fatos que tornaram-se parte do passado ou objetivos que talvez no futuro se concretizem. O método principal das psicoterapias é a fala do paciente e a escuta do terapeuta, portanto a psicologia se apoia nesta relação. Os fatos do passado fazem parte da construção psíquica de cada indivíduo. Seu repertório, opiniões, preferências etc. Os objetivos do paciente podem ser muitos ou poucos. Talvez, em determinados momentos da vida, não haja objetivo algum. Mas de qualquer maneira parece importante entender isto, para determinar, ou ao menos, perceber a direção que o paciente está seguindo. Esta direção está ligada aos conceitos do sentido da vida e das auto-realizações das pessoas, aparecendo nas abordagens analíticas e humanistas (incluindo a logoterapia). 

Portanto, a psicologia bem como vários outros campos da ciência requerem uma maior empregabilidade de outros métodos científicos, como a fenomenologia ou a teoria geral dos sistemas. Obviamente, qualquer que seja a teoria, ela não deve obedecer interesses particulares se o objetivo for científico, ou seja, a busca pelo conhecimento e pela verdade. 

A busca e construção do Conhecimento 

Esta busca e/ou construção exige uma expansão não só de informações acumuladas, como também exige uma expansão de atividades psíquicas (estudo, raciocínio, ativação da memória etc), pois além de acumular conhecimento, através deste processo o cientista ou estudante deve descobrir e entender as relações entre fatos, entre os corpos, enfim entre os campos do saber. Como um processo de expansão ele jamais deve submeter-se aos interesses mencionados anteriormente. Como a própria palavra SUBmeter indica em sua etimologia, a submissão consiste em um processo de colocar-se abaixo, ou seja, a ciência jamais deve ser colocada abaixo dos interesses de poucos. Além disto, colocar as pesquisas e os conhecimentos em segundo plano diante destes interesses e / ou submetê-los a estes, também indica um dos seguintes processos: Estagnação ou retração. O primeiro indica paralisia, impedimento e talvez adiamento da construção de conhecimento ante os interesses de poucos. Já o segundo, a retração, pode e deve ser considerada como um processo de regresso ou, mais precisamente, de retrocesso, pois um retrocesso pode ser desde a destruição de bibliotecas (físicas ou digitais) até o impedimento de estudos e de pesquisas (seja encerrando programas de incentivo, fechando universidades etc). Estes são processos contrários à expansão. É onde o conhecimento é escondido ou mesmo destruído em benefício de alguns, em geral uma minoria com algum poder ou influência significante, seja sobre a ciência, sobre a economia ou sobre a sociedade. Embora não seja difícil entender quais minorias têm poder sobre setores importantes das sociedades humanas, vale a pena explicar de maneira clara, ou seja, relacionando com o que já foi abordado aqui: A ciência. 

 Como já foi dito, o empirismo não é capaz de explicar todos os assuntos das ciências. Isto ficou mais evidente nas ciências humanas, mas também pode ser percebido na biologia (ao estudar biomas e meio ambiente, por exemplo) e até mesmo na física subatômica. Isto não retira a importância do empirismo nas ciências, apenas mostra a necessidade de métodos que complementem a ciência ou que supram suas necessidades ainda não atendidas. A ciência está em desenvolvimento e este desenvolvimento também é um processo expansivo: Não há redução de conhecimentos nem negação dos saberes ou recuo diante o desconhecido. Quem quer impedir o avanço, ou mais especificamente a expansão da ciência, defende estagnações e retrocessos. Prefere deixar algumas coisas como estão e ocasionalmente desfazer conquistas e estruturas que sustentam... Mas que estruturas e conquistas? Obviamente aquelas que servem a maioria, aquelas que dão mais oportunidade a todos e que equilibram o meio, seja ecológico, social etc. Para haver equilíbrio devem-se reduzir pontos de concentração que causam desequilíbrios, deve-se reduzir a destruição dos biomas, a desigualdade social (hiper concentração de bens e de renda), as restrições de acesso à educação e à informação... Isto é um processo de expansão e de equilíbrio: Buscar o bem do maior número de seres vivos possível. 

Conclusão

Então a ciência é a busca pelo saber e pela(s) verdade(s). É a construção de conhecimento através de um método, mas NÃO só um método. Por isso é importante parar de espalhar a balela que ciência é só a utilização dos (cinco) sentidos para o estudo e a realização de experiências ou testes passíveis de reprodução. Isto é só o método empírico. É só um dos 4 métodos citados neste texto (fora outros possíveis métodos). O método é importante para evitar que qualquer opinião seja vendida como conhecimento. O desenvolvimento dos métodos científicos a partir da filosofia foi importante para impedir o bloqueio aos estudos feito pelas igrejas, que eram instituições de grande poder até os séculos 17 e 18. Foi importante para o desenvolvimento das tecnologias nas civilizações.

O “cientista” que ataca outros métodos científicos fora o seu favorito, não é um cientista de verdade. É um religioso, talvez até um fanático. É como um orgulhoso engenheiro que alega que as ciências humanas são inúteis. É como o médico que receita medicamentos psiquiátricos a um paciente, sem este passar por uma psicoterapia. É como o empresário milionário que alega ser liberal, mas destrói a concorrência criando oligopólio. É como o idoso aposentado, que crê em conspiração gayzista e chama os serviços de assistência social de coisa de vagabundo...