terça-feira, 25 de junho de 2019

Religião: Parte da Evolução ou Ferramenta de Poder?

Decidi escrever este texto após longos estudos sobre história e comparações entre religiões ainda existentes e religiões extintas (grande parte destas, consideradas mitologias). Embora religiões tenham se tornado ferramentas de poder ao longo da história, encontrei aspectos interessantes nelas, que passam relativamente longe das características que considero perigosas, ou praticamente negativas, como o dogma e a hierarquia.

O que é religião?

Após comparar diversas religiões (incluindo histórias religiosas e "mitos"), é possível notar semelhanças não só em suas características, como também em suas motivações, objetivos, questões etc.
As religiões não surgem apenas da necessidade de explicar a origem da humanidade, do mundo ou do universo nem de explicar seus destinos. Religiões também surgiram do contato com o inexplicável, muitas vezes, o contato com algo surpreendente por estar muito além da compreensão do ser humano.
Estar diante do que está muito além da compreensão pode significar vulnerabilidade ou fraqueza e isto exige alguma proteção e/ou evolução.
As proteções, que de um modo geral tomaram a forma de orações, objetos e/ou rituais, serviram (e para alguns indivíduos ainda serve) para os seres humanos se defenderem de seres hostis dos mais variados tipos, de eventos perigosos pouco ou nada compreendidos etc.
Além da proteção, existe a possibilidade de que doutrinas, filosofias e rituais foram desenvolvidos dentro de religiões com o objetivo de se alcançar o inexplicável ou o que está muito além da compreensão humana (algo como evoluir), daí desenvolveu-se processos de entrar em transe, seja com música, com ervas, com meditação etc.

Filosofia de Vida e de uma possível extensão da existência além da matéria

De fato muitas religiões abordam o tema da morte e a possibilidade da existência antes e depois da vida (material), afinal ainda hoje no século 21 não há provas de que a mente esteja situada no cérebro ou em alguma parte do sistema nervoso. Pensamentos, sentimentos e memórias só são acessíveis por quem os têm e se tais elementos mentais (psíquicos) continuam existindo ou deixam de existir durante a inconsciência ou na morte, ainda é impossível de se verificar.
Isto pode tornar a significância da vida material igual ou até mesmo inferior ao (conceito de) pós vida / pré vida, muitas vezes chamado de existência espiritual, imaterial ou de outros nomes similares...
Mas nem tudo que está focado em se alcançar um "desejável" destino na existência além da matéria é inútil para a vida nas sociedades humanas. Na verdade algumas filosofias possuem preceitos notoriamente úteis e benéficos à maioria dos seres humanos:

As Semelhanças entre religiões

Embora as inúmeras características das religiões que surgiram pelo mundo as façam únicas e distintas entre si, muitas delas têm diversas características e elementos em comum. São algumas delas:

7 conceitos (entidades) do Zoroastrismo:
O zoroastrismo, ou masdaismo, foi uma religião monoteísta ou dualista (não há um consenso), que surgiu na antiga Pérsia (atual Irã) e foi perdendo sua força com a invasão árabe entre os século 6 e 9, que o substituiu pelo islamismo. Zoroastro dizia que existiam 6 ou 7 emanações de Aura Mazda (O Deus, ou o Deus do bem):
A(h)ura Mazda: (Lorde ou Espírito) da Sabedoria.
[Vohu] Manah, aproximadamente "[Bom] Propósito"
As(h)a [Vahishta], "[Melhor] Verdade / Justiça"
[Spenta] Armaiti, "devoção [sagrada]"
Xsathra [Vairya], "Domínio [Desejável]"
Ameretat, "imortalidade"
Haurvatat, "Totalidade"


(7 Tronos da) Umbanda Sagrada:
A umbanda surgiu separando-se do espiritismo no início do século 20, buscando resgatar elementos da espiritualidade yourubá, de culturas do oeste da África.
Oxalá / Logunan: Fé
Oxum / Oxumaré: Amor;
Oxossi / Obá: Conhecimento;
Xangô / Egunitá: Justiça;
Ogum / Iansã: Lei;
Obaluaê / Nanã: Evolução;
Yemanjá / Omolu: Geração.


Sefirots (ou zéfiras) do Judaísmo:
Estima-se que o judaísmo, a primeira religião monoteísta, tenha surgido na região do Levante (entre os atuais Líbano, Jordânia e Israel) por volta do século 18 antes de Cristo, mas alguns rabis e teólogos judeus citam que ele se iniciou nas tribos antecessoras dos hebraicos, entre 4000 aC e 3500 aC. Em algum momento da história surgiu a vertente mística do judaísmo (a data varia muito: entre o século 3 antes de Cristo até 14 depois de Cristo). Esta(s) vertente(s) dizem que Deus (incompreensível, que não tem forma humana) criou o universo através de 10 emanações que são 10 virtudes que o ser humano deve buscar desenvolver:
Kether - coroa (divindade, transcendente, eterna)...
Chokmah - sabedoria
Binah - entendimento/compreensão
Chesed - piedade
Geburah - julgamento/força
Tiphareth - beleza/harmonia
Netzach - superação/vitória
Hod - esplendor
Yesod - fundação
Malkuth - reino ou diversidade


7 Chakras de religiões hindus:
O hinduísmo é uma religião muito antiga - estima-se que tenha surgido na Índia, 3500 a.C ou antes. Muitas vertentes e seitas do hinduísmo surgiram ao longo da história, onde aparecem os conceitos de chakras, que todo ser humano tem e pode desenvolver para evoluir espiritualmente e moralmente:
Sahasrara - consciência cósmica (transcendência?)
Ajna - mente/conhecimento (entendimento e sabedoria)
Vishuddha - comunicação/verdade (julgamento e piedade)
Anahata - amor (harmonia)
Manipura - poder (vitória e esplendor?)
Swadhisthana - relações/sexualidade
Muladhara - estabilidade/vitalidade


Aqui farei uma comparação entre os elementos das diferentes religiões citadas:

O (Vohu) Mana (Bom propósito) do zoroastrismo pode ser interpretado como o pensamento e o objetivo de manter-se pronto para ajudar o próximo, perdoar etc... Isto pode ser comparado com o trono de Oxum / Oxumaré: Amor ou talvez, por se tratar da mente, com Oxossi / Obá do trono do conhecimento.  Este amor religioso e/ou espiritualizado não se trata de paixão ou desejo de possuir, trata-se de estar disposto a aliar-se e ceder à alguém. Um sentimento / comportamento mais próximo do conceito de ágape. Ambos podem ser comparados com o sefirot Tiphareth - harmonia / beleza. A beleza de Tiphareth não refere-se a mera beleza física e sim a uma beleza maior como o equilíbrio entre forças ou sentimentos / comportamentos distintos. Por fim Tipharet também representa um ponto de harmonia / equilíbrio entre o universo material e o imaterial / espiritual. Finalizando esta sessão há o chakra de Anahata que refere-se ao amor (harmonia) citado anteriormente; Todos estes conceitos de bom propósito, amor e harmonia foram, são e serão de grande importância na humanidade, para que exista o respeito mútuo, colaboração, paz, reciprocidade entre os indivíduos etc.

O As(h)a (Vahista) do zoroastrismo refere-se aos conceitos de Verdade / Justiça. Conceitos muito importantes na organização de sociedades desde a criação de regras até a aplicação de medidas corretivas ou punitivas. Na umbanda o trono da justiça é de Xangô / Egunitá, no judaísmo esotérico / cabala o sefirot é Geburah: a necessidade de julgamento e/ou severidade; Na filosofia / religião hindu o Vishuddha está relacionado à comunicação, ressaltando a importância da verdade e clareza nesta na busca por evolução e/ou pureza.

Xsathra (Vairya) Domínio (desejável) refere-se não ao "poder pelo poder" ou à mera conquista. O domínio (desejável) possivelmente refere-se à lei para organizar a relação entre as pessoas e talvez também à lei sobrenatural / espiritual. Esta última não seria muito diferente de leis naturais pois indica que os pensamentos e intenções de um indivíduo determinam seu destino. Na umbanda sagrada o trono da lei é de Ogum / Iansã. No judaísmo, embora possa parecer que a lei / domínio seja representado pelo Geburah, é possível que na verdade, Netzach represente tais conceitos. Netzach não é apenas a simples vitória, é a superação das dificuldades, ou o desejável domínio de uma situação ou domínio sobre possíveis males. Nas filosofias/ religiões hindus estes aspectos são representados pelo chakra Manipura (Poder). Enfim estes conceitos não estão relacionados à lei  burocrática, mas a lei que dá força ao ser humano para superar dificuldades e dominar situações.

(Spenta) Armati ou (Sagrada) Devoção refere-se ao empenho no bem e possivelmente à criatividade para viver (na Terra) o caminho do aperfeiçoamento e da benevolência (harmonia). Este conceito é mais difícil de atrelar a um sefirot do judaísmo, trono da umbanda e chakra do hinduismo. Poderia ser representado por  Anahata- amor (harmonia) ou por Ajna - mente/ conhecimento (entendimento e sabedoria), mas talvez esteja submisso ao chakra do poder, Manipura. Na umbanda sagrada um dos tronos com característica similar à sagrada devoção é o da Fé (Oxalá / Logunan), embora o trono do amor seja de Oxum / Oxumarê. No judaísmo, seu sefirot deve ser Hod, o Esplendor que está ligado à oração e submissão em contra parte à vitória / domínio de Netzach.  Isto faz sentido tendo em vista que o judaísmo valoriza os "2 lados" diferentes de uma moeda (Netzach, a Vitória/ conquista e Hod, o Esplendor/ submissão) enquanto o zoroastrismo abraça apenas a devoção sagrada (oração / esplendor), rejeitando ou menosprezando a conquista / o domínio que representa seus rivais, os (semi) lendários povos Tar de suas histórias sacras.

O Haurvatat que significa Totalidade também pode ser difícil de se comparar aos conceitos de outras religiões. Embora o termo totalidade pudesse se referir à ideia de transcendência ou onipresença, estes representados pelo sefirot do Kether no judaísmo e pelo chakra de Sahasrara no "hinduísmo", os persas relacionavam Haurvatat à saúde e prosperidade. Estes 2 conceitos muito ligados à vida (material, é claro), significa que nas demais religiões Haurvatat pode ser equivalente ao Malkuth (Reino, mundo material, vida) no judaísmo e ao Muladhara nas filosofias/ religiões hindus. Mais difícil ainda deve ser comparar este conceito da totalidade do zoroastrismo com os tronos da umbanda sagrada. Talvez tenha algo em comum com o trono da evolução de Obaluaê / Nanã, já que é comum das religiões esperar uma evolução do ser humano para que este alcance um estado de harmonia entre corpo/ mente/ espírito e/ou transcendência...

Ameretat, a Imortalidade do zoroastrismo estaria conectado ao trono da Geração (de Yemanjá/ Omolu), ao Yesod do judaísmo e ao Swadhisthana das filosofias/ religiões hindus; Embora Ameretat represente a imortalidade, esta entidade está bastante vinculada às plantas e ao conceito de bebida divina / sagrada como o haoma. Como não existem seres humanos imortais (ou se existem, a maioria da humanidade não sabe de tal fato), seu elo com os conceitos do trono da geração (Yemanjá/ Omolu) e com o chakra Swadhisthana da sexualidade / reprodução, é facilmente percebido. O judaísmo praticamente não aborda estes temas da geração / sexualidade / imortalidade, ou aborda de maneira muito sutil, pois seu sefirot, Yesod, representa a "fundação" que permite o movimento de uma coisa, ou condição, à outra e o poder de conexão.

A(h)ura Mazda, o lorde da sabedoria / inteligência é o mais alto espírito do Zoroastrismo. Pelo seu posto superior ele pode ser comparado com o sefirot  Kether e com o chakra Sahasrara. O Kether é o mais alto sefirot, também significando coroa real ou regencial. Ele situa-se acima dos sefirots da sabedoria e do entendimento/ conhecimento. O Sahasrara (1000 pétalas) é o mais alto chakra, ou o chakra da coroa relacionado a um estado de "pura consciência".

Embora pareça fácil conectar Ahura Mazda do zoroastrismo com o Keter do judaísmo e com Sahasrara "do hinduísmo", é mais difícil estabelecer tal conexão com a Umbanda sagrada. O nome de Aura Mazda (que significa lorde do conhecimento) invoca uma semelhança com Oxossi / Obá, do trono do conhecimento. Também vale lembrar que o chakra do conhecimento e da mente, na verdade é A(j)na, que está abaixo de Sahasrara nas filosofias / religiões hindus.



Imagem meramente ilustrativa listando os 7 conceitos, as 10 zéfiras, os 7 chakras e os 7 tronos (notem que as 10 zéfiras, excluindo o Daat que é um espaço, estão distribuídas verticalmente em 7 níveis)


Apesar das diferenças é possível notar diversos conceitos semelhantes entre estas religiões. Estas semelhanças não são obras do acaso, pois estão relacionadas a conceitos importantes nas sociedades humanas ao longo da história: Sobrevivência (fertilidade sexual, saúde, plenitude e perpetuação da espécie), clareza nas relações e comunicação (verdade), força (domínio sobre adversidades, superação de problemas), justiça (distribuição dos direitos, deveres, busca por equidade), lei (organização social, defesa da maior parte da comunidade), harmonia (respeito mútuo, lazer, paz entre comunidades) e conhecimento (busca por aprendizado e entendimento das forças da natureza e do universo).

Mesmo com todas estas características notoriamente benéficas as religiões, em algum nível, foram corrompidas por pessoas interesseiras e egoístas, em vários momentos da história da humanidade e ainda o são. As religiões citadas neste texto, assim como outras religiões, buscaram solucionar diversos problemas, bem como a economia e suas regras tentaram resolver problemas relacionados às trocas, às atividades produtivas, aos bens, serviços e seus respectivos valores e a política tentou resolver problemas sociais, de representividade numa nação ou estado, direitos e deveres dos seres humanos etc. Porém tudo é passível de corrupção: religião, economia, política, militarismo, comunicação etc. Cabe a cada um de nós escolher evoluir e tentar entender cada vez mais dos seres humanos, suas sociedades, o mundo onde vivem, o universo... Ou não.

Os que escolhem não evoluir podem levar uma vida insignificante ou incomodar e prejudicar o maior número possível de pessoas no mundo...