sexta-feira, 30 de junho de 2023

Relações entre Psique e Tempo

 

Neste breve texto falarei da mente humana, que pode ser considerada sinônimo de cérebro (ou sinapses etc) para pessoas materialistas e sinônimo de alma para pessoas espiritualistas, mentalistas, religiosas e similares. Porém, utilizarei a palavra "psiquê" (neste e em outros textos) por ser um termo mais abrangente, portanto menos reducionista, do que a palavra "mente". Espero que esta abrangência maior permita um diálogo tanto com pessoas que têm uma "visão de mundo" materialista, como também com as que têm uma "visão de mundo" além da matéria perceptível pelos sentidos, sejam dualistas, espiritualistas etc. 

Não fiquei preso a uma abordagem psicológica, mas uma "visão de mundo" (ou viés ontológico) é impossível de se evitar, pois todos seres humanos tem uma experiência de vida e/ ou uma "visão (interpretação) da existência". Certamente, o conteúdo que apresento aqui deve ter influências das obras de Carl Gustav Jung, de Viktor Frankl e um pouco das ideias de Henry Bérgson e de Platão.

A Psiquê além do Presente 

O espaço-tempo existe, independente se você concorda com a Teoria da Relatividade (do séc. 20) de Einstein ou com a teoria da "física clássica" (do séc. 18) de Isaac Newton - Todos seres vivos estão de certa forma "inseridos" no espaço-tempo e, em algum nível, interagimos com "ele". 

Pois bem... A psiquê acessa o passado pelas memórias/ lembranças e o futuro pela intuição e pela imaginação, enquanto predominantemente permanece no presente em vida. Esse "acesso" (ao passado ou ao futuro) pode ser um termo impreciso, mas em resumo é isto, independentemente se a memória for um tipo de registro no sistema nervoso, ou qualquer outra coisa. 

Apesar da psiquê no presente se caracterizar principalmente pela consciência que interage com o meio instantaneamente ou momentaneamente, somos duradouros - um pouco através de nosso corpo com sua longevidade típica da raça humana e muito mais com a psiquê, seja como uma mente que vai se formando no ventre da mãe até seus últimos momentos no corpo envelhecido ou adoecido, ou seja como uma alma imortal que também existe antes e depois do corpo. De ambos os pontos de vista somos mais duradouros psiquicamente do que corporalmente, pois a psiquê faz parte da história deixando um legado para poucas ou muitas outras pessoas. Legado este que pode ser lembranças afetuosas, desgostos, conhecimentos, descobertas, obras de arte etc. Seja transcendendo historicamente ou espiritualmente, podemos transpassar o espaço-tempo percebido durante nossa vida na Terra. 

A imaginação por sua vez, vincula-se com o ato de criar, de inventar e por isso na arte, imaginar faz parte do processo criativo. A criação, ou ato de criar, é a manifestação de um aspecto da psiquê e geralmente não é do racional - é principalmente do sentimento. Sendo expressão principalmente do sentimento, a arte é emocional em essência. Neste processo (de criação artística) a atividade racional é mais complementar, trabalhando o conteúdo em si e a técnica, ditando a forma e a execução da arte. Tendo isto em vista, certamente podemos considerar que viver (crescer, desde a infância, por exemplo) em um ambiente onde se expressam bons sentimentos através das emoções, deve ser estimulante para desenvolver o dom/ a capacidade artística. 

Embora possa ser trabalhada em conjunto com a lembrança/ memória, a imaginação é voltada para o futuro, que certamente é o fluxo natural de toda a existência. Do passado nos restam apenas as lembranças / memórias, que também podem ser acessadas eventualmente colaborando com o processo criativo. Porém pode-se entender que as lembranças/ memórias ficam no inconsciente da psiquê devido ao fato de não estarem no "fluxo natural" da existência (que é rumo ao futuro) e por isso perdemos muito destes elementos, "nos esquecendo deles". O acesso ao nosso passado pode ocorrer pelo amor ou pela dor... Os sentimentos de cada pessoa são diversos e os ruins, em geral, tendem a ser restritivos, incapacitantes, destrutivos etc. Os bons tendem a ser inspiradores, consoladores e fortalecedores, portanto criativos e libertadores. Reflexões sobre os sentimentos poderiam ser profundas e extensas, então apresento aqui só um resumo, pois obviamente podemos aprender não só pelo amor, mas pela dor também. Porém é necessário cuidado, porque o sentimento ruim não deve ser estendido e sim compreendido para ser transformado ou superado, enquanto o bom deve ser cultivado para que não passemos a viver dominados pela frieza ou pela indiferença. 

Os sentimentos são elementos internos da psiquê e por isso é bem difícil abordar o assunto sem um viés, afinal uma imparcialidade em tal tema complexo, deve beirar o impossível. Então continuarei o assunto, levando em conta minha experiência de vida: O acesso ao bem do passado (o que é bom, como por exemplo momentos de troca de boas emoções/ afetos etc) é o que nos baliza e fortalece em nossa existência, histórica e transcendental. Este acesso não deve nos prender e sim nos impulsionar. Nossas preferências, nossos valores, nossas esperanças, nosso sentido ou a busca por sentido mostram que nossa mente tem uma coesão (mesmo com contradições, dificuldades e dúvidas), além de uma complexidade. Valorizamos momentos do passado que ficam em nossa memória, criamos obras nossas e/ ou objetivos para nossa vida, indicando uma atividade psíquica que vai além do presente, da consciência imediata mais próxima da percepção e talvez da interpretação de estímulos recebidos. 

Toda essa relação de nossa psiquê com o tempo (acessando o passado, vivendo o presente e projetando o futuro) mostra que ela tem uma duração e uma dimensão superiores à do corpo (pois o corpo não assume formas do passado nem do futuro, indo e voltando como a psiquê faz), principalmente se somarmos os inúmeros estímulos sensoriais que recebemos em vida - estímulos que não são somente dados separados entre si, mas que "geram informação", colaboram com o entendimento dos fatos e de fenômenos, através da interpretação, da racionalização... Temos a mente/ psiquê em uma extensão de tempo que notoriamente vai além do mero (momento) presente. Porém, como citado anteriormente, os fatores que nos impulsionam são principalmente sentimentais (e emocionais, suas expressões que nos afetam basicamente nas relações)! Talvez o fato a seguir seja óbvio, mas citarei mesmo assim: se a humanidade priorizasse as emoções ruins (buscando-as ou expressando-as mais do que as boas), ela se destruiria, tomada por narcisismo, intolerância, ódio, desespero etc. Por mais que possa parecer utópico, para que haja paz e progresso nas sociedades humanas, devemos então buscar nos guiar pela humildade, tolerância, amor, esperança etc. Não basta uma vida evitando sentimentos, alternando somente entre uma suposta racionalidade (baseada em leis, regras e/ ou desenvolvimento tecnológico) e experiências sensoriais que podem desencadear uma mera busca por prazeres a qual não abordarei neste texto. Neste ponto, para concluir o assunto, vale citar as ideias trazidas no texto "O Banquete" (ou o Simpósio) de Platão: Já que vivemos em sociedade e suas respectivas relações, podemos ter relacionamentos que podem começar a nível simplesmente sensual ou erótico, mas devemos buscar desenvolver amizades, devemos nos interessar pela psiquê (seja mente ou alma) do próximo: Por seus sentimentos, emoções, pensamentos (ideias, artes, conhecimentos etc), pois somos muito mais do que corpos - somos psiquê e mais do que características cognitivas, temos sentimentos e transcendemos a vida corporal presa ao presente, seja só historicamente, psiquicamente ou até espiritualmente.