segunda-feira, 8 de março de 2021

Grandes Personagens

 


A última vez que escrevi de verdade neste blog foi em maio do ano passado, tínhamos 19000 mortos, passamos de longe agora com bem mais de 10x esse valor, mas este não é o motivo principal para escrever por aqui.

Hoje é um dia interessante, 8 de março é o dia internacional da mulher. Normalmente eu não dou a mínima para datas comemorativas, quando alguém fala para mim 'feliz dia do geógrafo' ou 'feliz dia do profissional de TI', dá vontade de existir em outra dimensão por alguns instantes (pera, essa vontade bate o tempo todo).

No entanto essa data tem raízes no movimento operário e é um dia muito válido. É claro que aquelas mensagens no grupo do trabalho dão vontade de sair dele (pera, essa vontade bate o tempo todo). Homem dando parabéns e distribuindo florzinha também intensifica o ambiente de imbecilidade. Para mim, esse dia é um dia delas, para refletir, organizar e se reunir. Aos homens restam o apoio e a solidariedade.

Mas o que esse assunto tem a ver com o título e com a foto? O segundo motivo dessa data ser interessante vai explicar melhor: o ministro do STF, Edson Fachin concedeu o habeas corpus pedido pela defesa de Lula por incompetência da 13 Vara Federal de Curitiba, incompetência, creio eu, não no sentido mais óbvio da palavra (o que com certeza se aplicaria), mas por regrinhas xaropes do judiciário.

E o que o segundo motivo tem a ver com o título? Bem, o livro na foto pertence à coleção lançada pela moribunda editora Abril, e um dos livros dessa coleção começava com a frase "Grandes personagens fazem a história ou a história forma grandes personagens?"

Achei relevante neste momento, pois os dois motivos que citei anteriormente possuem sentido oposto. No primeiro, não há um grande personagem, a história foi construída pela luta coletiva e greves, muitas greves. No segundo, temos um grande personagem, quem também lutou e liderou diversas greves, e portanto, como se dizem por aí, 'fez história'.

O terceiro motivo é avaliar um outro grande personagem, embora eu só posso considerar 'grande' no sentido de 'grande vilão', Josef Stalin. Este motivo se soma aos outros no texto porque o 'neostalinismo' é algo que anda mostrando sua cara deformada nos dias de hoje.

Nós vivemos tempos extremos, ao mesmo tempo que a internet conecta pessoas e abre a possibilidade de multidões 'fazerem história', a própria difusão de ideologias e de 'influenciadores digitais' parecem exacerbar a necessidade por figuras agregadoras, 'grandes personagens'.

Bolsonaro não é fruto direto das classes dominantes, ele serviu aos seus propósitos, mas foi 'adotado' conforme foi adquirindo popularidade, principalmente pelos meios digitais. Lula, após o governo destruído de Dilma, apareceu novamente com enorme capital político (tão enorme - dentro das limitações de ter travado uma guerra midiática que surrou seu partido - que decidiram tirá-lo da jogada com a palhaçada que a Vaza-Jato escancarou).

Figuras obscuras, como Olavo de Carvalho (para mim ele deveria aparecer com algum Tele 900 de astrólogo, a la Walter Mercado - 'Ligue já!'), quem obteve status de guru da nova direita, também por meios digitais, e como o patético Nando Moura, novo personagem cartunesco, surgiram na cena.

Essa busca por grandes personagens é mais comum em jovens. É normal você crescer se espelhando em figuras proeminentes, quem bradam seus objetivos e ideias, que acabam sendo parecidas com as suas. Em uma época da vida que é muito mais fácil de se agarrar a dogmas. Em um mundo incerto, o jovem busca dogmas para se ancorar. A cada novo dogma entendido e incorporado, o jovem se sente mais confiante, afinal, a vida tem que ter algum sentido.

Mas alguns jovens acabam por não se tornarem adultos, e a idade não traz a sagaz dubiedade que derruba os dogmas e acaba com a arrogância ou ignorância. Entretanto, mesmo aqueles que envelhecem e derrubam alguns dogmas, procurando obter esclarecimentos, podem se ver emaranhados na teia de caos que é a realidade. No emaranhado existe a possibilidade de você obter esclarecimentos que são obscurescimentos na verdade, e sair propagando ideias contra-produtivas.

O stalinismo disfarçado entre pessoas 'esclarecidas' é perigoso. Vamos resumir: Stalin foi um ditador que montou sobre a revolução popular, exterminou as lideranças revolucionárias, atacou o próprio povo e agiu como um imperialista não-capitalista. As conquistas populares da URSS e do restante dos trabalhadores no mundo se embaralham com o fracasso, covardia e incapacidade de Stalin e sua burocracia anti-revolucionária.

A defesa de Stalin se respalda no suposto combate à propaganda de direita e, pelo menos aqui no Brasil, na necessidade por figuras autoritárias. Essa necessidade se dá pela falta de confiança no povo, nas pessoas. Ela cheira a eugenismo. Eu mesmo, não consigo angariar força mental para confiar no povo, porque a propaganda que serve como meio de controle ideológico das classes dominantes forma uma atmosfera pesada e imutável que drena minhas forças. Como diria o agente Smith para Morfeus, 'eu consigo saborear o seu fedor'. Mas minha falta de força não é o mesmo motivo dos eugenistas.

Essa defesa é falha porque stalinismo não é marxismo. Poderia-se dizer que stalinismo é uma espécie de esquerda maluca, mesmo que o seja, é uma esquerda maluca que deve ser combatida. Se é para você acreditar em contos da Carochinha, então acredite na centro-esquerda, social democrata, é menos feio.

Uma figura autoritária não vai resolver os problemas do povo. É difícil de acreditar que o homem mais santo da Terra não se corrompesse com poder sem restrições. Mesmo que tivéssemos um santo mão-de-ferro, o poder deve ser partilhado. Os homens são iguais, e portanto devem decidir em conjunto suas vidas. Isso passa por igualdade absoluta entre homens e mulheres e respeito à individualidade sem danificar a coletividade.

Enfim, qual é a resposta para a pergunta feita no livro da Abril? Não creio que haja resposta definitiva, o meio forma o homem, e o homem altera o meio. É um caminho de duas mãos que envolve o tempo e a individualidade.

Neste momento estamos mergulhados em trevas tão profundas que talvez se apoiar em um grande personagem na esperança que ele alavanque os homens e mulheres a fazerem sua própria história e até o superarem, possa ser aquela pequena chama que nos guia para fora do abismo. Lula poderia ser esse personagem, grande ele já é. Claro que esta é apenas uma mensagem de otimismo para contrapor o realismo de sempre que me cerca.


P.S.: Em parte, o terceiro motivo da postagem foi incluído aqui porque eu concordei bastante com este texto: https://www.causaoperaria.org.br/uma-defesa-aberrante-do-stalinismo/